Consenso que desperta
esperanças
Pedro J. Bondaczuk
Os
libaneses, de todos os credos confessionais e ideologias políticas, conseguiram
ontem, afinal, chegar a um consenso, após onze anos e meio de uma guerra civil
sem fim. E não foi sequer tão difícil obter tal concordância. Infelizmente, ela
ainda não foi no sentido de pôr termo a esse despropositado conflito entre
irmãos, embora possa vir a se constituir no primeiro passo para isso.
Muçulmanos
(xiitas, sunitas e drusos) e cristãos (maronitas e coptas) uniram suas forças e
suas vontades e paralisaram o Líbano, numa greve geral contra a elevação do
custo de vida e o terrível monstro inflacionário, que põe em risco não somente
a sobrevivência econômica libanesa, mas a própria subsistência física de cada
cidadão.
O
que o povo desse país está, de verdade, é cansado de tanta violência,
desnecessária e insensata, que não somente arrebentou com os cofres públicos,
mas desorganizou toda a sua sociedade, a ponto de hoje ninguém mais saber
"quem é quem".
Quadrilhas
de malfeitores têm sido formadas e se misturam aos grupos políticos, praticando
toda a sorte de desordens e tropelias. O aprazível Vale do Bekkaa, outrora um
ponto turístico, com suas históricas ruinas de aquedutos construídos pelos
romanos, hoje é um vasto campo de produção de papoula, inscrevendo o Líbano no
mapa dos países que elaboram e vendem ópio.
Antes
da guerra civil, organizações criminosas faziam de Beirute um entreposto, um
elo de conexão que levava essa droga da Turquia e de partes do mundo ainda mais
remotas, como a Tailândia e a Birmânia, para a sua distribuição na Europa e nos
Estados Unidos. Hoje os traficantes transformaram todo o Líbano, de mera base
de troca, em importante produtor.
Em
diversos outros aspectos da vida nacional (para não dizer em todos), a guerra
civil deixou suas seqüelas de medo, de desencanto e de desorganização da vida
comunitária. Não há, praticamente, nenhuma família que não tenha pelo menos
algum morto a lamentar. E tudo isso por qual razão?
Nenhuma
milícia libanesa pretende, por exemplo, partilhar o país através do movimento
secessionista, como acontece em Sri Lanka e na Índia. O enclave cristão do
major Hadad, criado na década passada, não passou de mera aventua
inconseqüente, há muito esquecida. Ninguém deseja, também, alterar o regime
aproximando, ou afastando, o Líbano de Moscou. Portanto, a motivação ideológica
deve, também, ser descartada.
Não
há quem entenda ou explique, portanto, a razão dessa carnificina, que em alguns
instantes adquire feições de completa demência, com atentados terroristas
cometidos contra supermercados repletos de donas de casa ou contra escolas
cheias de crianças.
Os
libaneses levaram longe demais uma vingança a um desastrado motorista
palestino, que com sua imprudência, conseguiu jogar um país inteiro no abismo.
Algumas pessoas poderiam argumentar que os xiitas, por exemplo, lutam por maior
fatia de poder, por ostentarem a condição de maior grupo religioso do Líbano.
Mas isso veio depois.
Essa
comunidade, ao se sentir, em determinado instante, alvo de ataques de todas as
partes, se rebelou contra isso, principalmente ao perceber que sua capacidade
de decisão política no país era mínima. Ela foi atacada até mesmo pelos
israelenses, que ajudaram a invadir o território libanês para expulsar seus
inimigos palestinos.
Todos
se recordam do campo de concentração de Answar, da confusão que deu a remoção
para Israel de 781 presos, do seqüestro realizado em junho do ano passado do
Boeing da empresa norte-americana TWA e da posterior libertação dos xiitas
detidos.
A
unanimidade da greve de ontem trouxe uma certa esperança ao Líbano. Não aquela
despertada com o acordo firmado em janeiro passado, em Damasco, para pôr fim à
guerra civil, desgraçadamente frustrada. Aquele tratado já havia nascido
visivelmente viciado, por ter deixado à margem o presidente Amin Gemayel. Mas a
confiança de que o cansaço de tanta insânia e a certeza de que esta está
levando a economia libanesa à falência, virá a levar, finalmente, toda a
população a um outro tipo de entendimento coletivo: o de que somente havendo
paz e liberdade para trabalhar, existirão condições para que essa outrora
exemplar nação sobreviva.
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 4 de julho de
1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment