Chacina na selva
Pedro J. Bondaczuk
As
manchetes dos jornais, nem bem esfriou ainda a celeuma em torno da chacina da
Candelária, ocorrida no mês passado no Rio, estampam outro caso de massacre
coletivo, desta vez envolvendo os índios ianomâmis, assassinados barbaramente
nas selvas de Roraima, perto da fronteira com a Venezuela, possivelmente por
garimpeiros.
Muitos estão preocupados apenas com a repercussão
internacional desse novo episódio sangrento, no qual 19 pessoas foram mortas,
sendo dez crianças, sete mulheres e dois homens adultos. A preocupação,
contudo, não deveria ser apenas com a imagem do Brasil no Exterior.
Até porque, neste período pós-guerra fria, em que
milhares de iraquianos estão morrendo de fome por causa de um embargo mundial
generalizado; em que a Bósnia fornece diariamente cadáveres em profusão para os
amantes daquilo que é mórbido se fartarem e estrangeiros são queimados na
Alemanha por não serem arianos (só para citar as mazelas mais óbvias destes
tempos deprimentes), não há por que ninguém outorgar ao nosso País o título de
“Terra da Barbárie”.
Os assassinatos em Roraima, que foram antecedidos,
dois dias antes, por outros cinco, devem exigir nossa atenção (e nossa pressão
sobre as autoridades para que punam os culpados), por se tratar de uma
“violação das leis”. Não importa se os mortos são índios, mulheres ou crianças.
Até porque, já seria mais do que tempo de se parar
de rotular as pessoas por sexo, cor, raça, religião, classe social, ou seja lá
o que for. Devemos nos indignar porque seres humanos foram trucidados, com
requintes de crueldade, em suas legítimas propriedades.
Os informes dão conta, inclusive, de que alguns
meninos foram degolados, a golpes de facão, pelos assassinos. Não compete a uma
comunidade mundial cínica e oportunista tratar de nossos problemas internos,
sem que se dê conta de suas próprias mazelas.
Cabe a nós, brasileiros, transformarmos o fantástico
elenco de leis de que dispomos em “direitos reais”, e não apenas “letras
mortas”. Recentemente, o escritor João Ubaldo Ribeiro observou, num artigo que
escreveu para o jornal “O Globo”, que se algum extraterrestre aportasse no
Brasil, sem conhecer nossa realidade, e tomasse ciência da legislação que
temos, irá acreditar piamente que somos o povo mais protegido deste Planeta. E
todos sabemos que não somos.
A propósito do extermínio de menores, que já se
tornou sistemático e corriqueiro, o ministro da Justiça, Maurício Corrêa, está
fazendo gestões junto à Polícia Federal para a criação de núcleo, dentro dessa instituição,
com a tarefa específica de cuidar do combate aos grupos que se especializaram
em eliminar meninos e meninas de rua.
Acrescentaríamos, a título de informação, que
levantamentos confirmam que os assassinatos de crianças abandonadas vêm
crescendo no País após a chacina da Candelária. Igualmente, porém, não se pode
fazer vistas grossas ao aumento da criminalidade entre os adolescentes,
protegidos por uma legislação demagógica e impertinente.
Além do caso do estudante Marco Antonio de Velasco
Pontes, trucidado por um bando de jovens, a golpes de caratê, tivemos mais três
episódios recentes, envolvendo mini-delinqüentes, que suprimiram vidas (um
deles matou para roubar um par de tênis, no quinto, sexto ou sabe-se lá que
número de crime por razão semelhante cometido por menores) e mesmo havendo
burlado o Código Penal, ficarão impunes por serem “inimputáveis”. Esta deve ser
a nossa preocupação e não o que as organizações e meios de comunicação
internacionais vão falar do Brasil.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 20 de agosto de 1993).
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