Tuesday, June 17, 2014

Onde o dinheiro fala mais alto

Pedro J. Bondaczuk

O futebol é uma das atividades não produtivas, das que, teoricamente não têm fins lucrativos. que movimentam maiores somas de recursos (euros, libras, dólares, reais etc.), em algumas partes do mundo (não todas, é verdade) na atualidade. Se (ou quando) bem administrado, constitui-se em excelente negócio, embora sua finalidade não seja essa. Afinal, é um esporte. Na verdade, é um jogo (e que jogo!). O que menos conta no volume de dinheiro envolvido no futebol é a arrecadação de ingressos nos estádios, embora, claro, ela tenha lá sua relevância. Sobretudo para as entidades futebolísticas que conseguem atrair multidões e lotar estádios pelo menos na maior parte das temporadas. As fontes principais de receita são os patrocínios, as ações de marketing (como venda de camisas e outros símbolos dos clubes) e as negociações de jogadores.

O futebol é, também, uma das atividades mais mal administradas das tantas que existem. Salvo exceções, a maioria dos clubes é gerida por pessoas despreparadas, fanáticas até, guiadas por pura paixão, em detrimento da razão. Jogadores e técnicos dos clubes de ponta – não necessariamente os mais ricos, mas os de maior apelo popular – ganham mirabolantes fortunas. Não são raros, porém, os casos em que os valores pactuados em contrato deixam de ser pagos e em que a pendência vai parar na Justiça. Não sei se isso ocorre na Europa (presumo que sim), mas no Brasil é prática para lá de comum. Basta ver a quantidade de ações trabalhistas em nossos tribunais, que ascendem, sem exagero, às centenas de milhar. Em diversos casos, essas dívidas superam, em muito, todo o patrimônio do clube. Volta e meia, até estádios são penhorados, mas raros são levados a leilão, ou executados, por falta de interessados.

Muitas dessas entidades, dada a má administração, acumulam dívidas estratosféricas, e não apenas de caráter trabalhista, mas também fiscais e de outras naturezas, praticamente impossíveis de serem saldadas. Há clubes riquíssimos, como Manchester United, Real Madrid, Barcelona e Bayern de Munique, cujos orçamentos anuais superam os de muitas cidades até de grande porte. De uns tempos para cá, várias dessas entidades passaram a ser propriedade de milionários, que têm nelas mero “brinquedinho” para se divertirem. A maioria deles provém do mundo árabe ou do Leste europeu, da extinta União Soviética, que subitamente enriqueceram, não se sabe como. Há fortes suspeitas de que estes investimentos que fazem no futebol sejam imensa “lavanderia” para “lavar” dinheiro sujo e torná-lo legal.

O assunto é tão amplo que, para esmiuçá-lo razoavelmente, seria necessário escrever um livro, daqueles de centenas de páginas ou, quem sabe, de três a quatro volumes. Os clubes ricos, porém – nem mesmo é necessário destacar – são minoria. Põe minoria nisso! A imensa maioria sobrevive só Deus sabe como. Essa diferença de recursos determina o sucesso ou o fracasso nas várias competições que são organizadas. São raríssimos os casos em que os chamados “pequenos”, como o Ituano, por exemplo, conquistam algum campeonato, mesmo que de importância secundária, como um regional, no caso o Paulista, como a equipe de Itu conquistou em 2014. A tônica é a prevalência dos clubes ricos, no Brasil e em qualquer outra parte do mundo.

Salários milionários de jogadores e de técnicos, ressalte-se, são raridade. A realidade, pelo menos a brasileira, é a de atletas recebendo um salário mínimo ou até menos, e em 90% dos casos. E isso, quando recebem. E quando recebem, em alguns casos, é só por três ou quatro meses anualmente, dados calendários horríveis e mal planejados, que mantêm os clubes pequenos parados em torno de dois terços dos anos. Além do que, não lhes é dada a menor chance de ascensão técnica. Sempre que revelam algum jogador de dotes excepcionais, incontinenti algum clube rico vem, paga a multa contratual desse atleta e o leva para seu grupo. Muitas vezes essa revelação sequer é utilizada, sendo mantida por anos na reserva. Mas enfraquecem as equipes menores.

O torcedor comum – eu, você, Fulano, Beltrano ou Sicrano – tem olhos, somente, para jogadores “top de linha” e sequer estranha a fortuna que lhes é paga. Chegamos a raciocinar abrindo mão completamente da lógica. Não é raro, por exemplo, o apaixonado por determinado clube se rebelar contra a respectiva diretoria se ela (em caso raro) não renova o contrato de determinado atleta ou treinador, porque este pediu salário de R$ 300 mil e ela se dispôs a pagar, “somente”, R$ 200 mil. Mas como?! Duzentos mil mensais é pouco?! Quantos professores ganham isso por ano?!!! A pergunta soa até como brincadeira, tão absurda que é. A maioria precisa trabalhar cinco anos ou mais para ganhar o que um jogador “médio” (e não me refiro a nenhum Lionel Messi, ou Cristiano Ronaldo, ou Neymar Junior) ganha em reles trinta dias! Aliás, pouquíssimos profissionais, das atividades mais nobres e necessárias (médicos, engenheiros, pesquisadores, jornalistas, escritores etc.etc.etc.) ganha algo sequer parecido, e anualmente. Imaginem por mês! No entanto... Estamos tão acostumados com esta aberração, com esta surreal inversão de valores, que a consideramos “normal”.

O assunto é muito amplo e pretendo, se não esgotá-lo, pelo menos me aprofundar um pouco mais nele. Isso, oportunamente. Por enquanto, creio que trouxe à tona pelo menos a pontinha desse gigantesco iceberg. Concluo que, até nisso, o futebol simula a duríssima realidade do mundo, com seus brutais desníveis e absurdas injustiças, em que o fator “ter” é infinitamente mais valorizado do que o “ser” e em que dois terços da humanidade sacrificam suas vidas e imolam seus sonhos para que o um terço restante se regale com o fruto do seu trabalho e o desperdice, sem noção, sem dó e nem piedade, sem nem mesmo sentirem a mais remota “dor de consciência”.


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