Onde o dinheiro fala
mais alto
Pedro
J. Bondaczuk
O futebol é uma das
atividades não produtivas, das que, teoricamente não têm fins lucrativos. que
movimentam maiores somas de recursos (euros, libras, dólares, reais etc.), em
algumas partes do mundo (não todas, é verdade) na atualidade. Se (ou quando)
bem administrado, constitui-se em excelente negócio, embora sua finalidade não
seja essa. Afinal, é um esporte. Na verdade, é um jogo (e que jogo!). O que
menos conta no volume de dinheiro envolvido no futebol é a arrecadação de
ingressos nos estádios, embora, claro, ela tenha lá sua relevância. Sobretudo
para as entidades futebolísticas que conseguem atrair multidões e lotar
estádios pelo menos na maior parte das temporadas. As fontes principais de
receita são os patrocínios, as ações de marketing (como venda de camisas e
outros símbolos dos clubes) e as negociações de jogadores.
O futebol é, também, uma
das atividades mais mal administradas das tantas que existem. Salvo exceções, a
maioria dos clubes é gerida por pessoas despreparadas, fanáticas até, guiadas
por pura paixão, em detrimento da razão. Jogadores e técnicos dos clubes de
ponta – não necessariamente os mais ricos, mas os de maior apelo popular –
ganham mirabolantes fortunas. Não são raros, porém, os casos em que os valores
pactuados em contrato deixam de ser pagos e em que a pendência vai parar na
Justiça. Não sei se isso ocorre na Europa (presumo que sim), mas no Brasil é
prática para lá de comum. Basta ver a quantidade de ações trabalhistas em
nossos tribunais, que ascendem, sem exagero, às centenas de milhar. Em diversos
casos, essas dívidas superam, em muito, todo o patrimônio do clube. Volta e
meia, até estádios são penhorados, mas raros são levados a leilão, ou
executados, por falta de interessados.
Muitas dessas
entidades, dada a má administração, acumulam dívidas estratosféricas, e não
apenas de caráter trabalhista, mas também fiscais e de outras naturezas,
praticamente impossíveis de serem saldadas. Há clubes riquíssimos, como
Manchester United, Real Madrid, Barcelona e Bayern de Munique, cujos orçamentos
anuais superam os de muitas cidades até de grande porte. De uns tempos para cá,
várias dessas entidades passaram a ser propriedade de milionários, que têm
nelas mero “brinquedinho” para se divertirem. A maioria deles provém do mundo
árabe ou do Leste europeu, da extinta União Soviética, que subitamente
enriqueceram, não se sabe como. Há fortes suspeitas de que estes investimentos
que fazem no futebol sejam imensa “lavanderia” para “lavar” dinheiro sujo e
torná-lo legal.
O assunto é tão amplo
que, para esmiuçá-lo razoavelmente, seria necessário escrever um livro,
daqueles de centenas de páginas ou, quem sabe, de três a quatro volumes. Os
clubes ricos, porém – nem mesmo é necessário destacar – são minoria. Põe
minoria nisso! A imensa maioria sobrevive só Deus sabe como. Essa diferença de
recursos determina o sucesso ou o fracasso nas várias competições que são
organizadas. São raríssimos os casos em que os chamados “pequenos”, como o
Ituano, por exemplo, conquistam algum campeonato, mesmo que de importância
secundária, como um regional, no caso o Paulista, como a equipe de Itu
conquistou em 2014. A tônica é a prevalência dos clubes ricos, no Brasil e em
qualquer outra parte do mundo.
Salários milionários de
jogadores e de técnicos, ressalte-se, são raridade. A realidade, pelo menos a
brasileira, é a de atletas recebendo um salário mínimo ou até menos, e em 90%
dos casos. E isso, quando recebem. E quando recebem, em alguns casos, é só por
três ou quatro meses anualmente, dados calendários horríveis e mal planejados,
que mantêm os clubes pequenos parados em torno de dois terços dos anos. Além do
que, não lhes é dada a menor chance de ascensão técnica. Sempre que revelam
algum jogador de dotes excepcionais, incontinenti algum clube rico vem, paga a
multa contratual desse atleta e o leva para seu grupo. Muitas vezes essa
revelação sequer é utilizada, sendo mantida por anos na reserva. Mas
enfraquecem as equipes menores.
O torcedor comum – eu,
você, Fulano, Beltrano ou Sicrano – tem olhos, somente, para jogadores “top de
linha” e sequer estranha a fortuna que lhes é paga. Chegamos a raciocinar abrindo
mão completamente da lógica. Não é raro, por exemplo, o apaixonado por
determinado clube se rebelar contra a respectiva diretoria se ela (em caso
raro) não renova o contrato de determinado atleta ou treinador, porque este
pediu salário de R$ 300 mil e ela se dispôs a pagar, “somente”, R$ 200 mil. Mas
como?! Duzentos mil mensais é pouco?! Quantos professores ganham isso por
ano?!!! A pergunta soa até como brincadeira, tão absurda que é. A maioria
precisa trabalhar cinco anos ou mais para ganhar o que um jogador “médio” (e
não me refiro a nenhum Lionel Messi, ou Cristiano Ronaldo, ou Neymar Junior)
ganha em reles trinta dias! Aliás, pouquíssimos profissionais, das atividades
mais nobres e necessárias (médicos, engenheiros, pesquisadores, jornalistas, escritores
etc.etc.etc.) ganha algo sequer parecido, e anualmente. Imaginem por mês! No
entanto... Estamos tão acostumados com esta aberração, com esta surreal
inversão de valores, que a consideramos “normal”.
O assunto é muito amplo
e pretendo, se não esgotá-lo, pelo menos me aprofundar um pouco mais nele.
Isso, oportunamente. Por enquanto, creio que trouxe à tona pelo menos a
pontinha desse gigantesco iceberg. Concluo que, até nisso, o futebol simula a
duríssima realidade do mundo, com seus brutais desníveis e absurdas injustiças,
em que o fator “ter” é infinitamente mais valorizado do que o “ser” e em que
dois terços da humanidade sacrificam suas vidas e imolam seus sonhos para que o
um terço restante se regale com o fruto do seu trabalho e o desperdice, sem
noção, sem dó e nem piedade, sem nem mesmo sentirem a mais remota “dor de
consciência”.
No comments:
Post a Comment