Bush é o “fator surpresa”
Pedro J.
Bondaczuk
A reunião de cúpula, realizada no último fim de semana, ao
largo da Ilha de Malta, no Mar Mediterrâneo, apresentou uma característica
diferente dos outros encontros do tipo entre os líderes das superpotências. Nos
diálogos anteriores, entre o ex-presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o
chefe do Cremlin, Mikhail Gorbachev, levados a efeito em Genebra, em Reykjavik,
em Washington e em Moscou, era sempre o presidente soviético que, via de regra,
findava por se transformar no “fator surpresa”.
Invariavelmente, quando menos se
esperava, o mentor da glasnost e da Perestroika saía com alguma proposta
bombástica, que desorientava o seu interlocutor. Desta vez, no entanto, as
coisas se inverteram, a julgar pelas próprias declarações feitas por Gorbachev,
ontem, num pronunciamento através da televisão soviética.
Ele afirmou ter ficado
agradavelmente surpreso com o realismo do presidente norte-americano, George
Bush. Confessou, inclusive, que a cúpula de Malta superou as suas expectativas.
Portanto, o homem das surpresas acabou, desta feita, sendo surpreendido.
Evidentemente, num sentido positivo.
O observador atento conclui, por
outro lado, que os dirigentes das duas superpotências mantiveram um diálogo
caracterizado pelo entendimento em quase todos os temas. O único que causou
divergências foi o referente à América Central. Tinha que ser essa região do
mundo, marcada pela pobreza e por uma política ao nosso ver equivocada tanto
por parte dos Estados Unidos, quanto da União Soviética!
Washington e Moscou, que se
mostraram favoráveis ao império da liberdade em todo o mundo, em oposição à
coerção e à tirania, insistem em prestigiar ditadores ou elites retrógradas no
poder nessa zona onde a miséria e a ignorância têm descambado, desde o início
do século passado, invariavelmente para episódios de violência.
Lamenta-se que os
centro-americanos venham a continuar se constituindo em pontos de atrito entre
as superpotências, não se sabe até quando. Iniciativas regionais, como a do
presidente costarriquenho Oscar Arias Sanchez – que lhe valeu inclusive o
Prêmio Nobel da Paz de 1987 – acabam por não passar de meras manifestações de
boas intenções.
Esbarram, invariavelmente, no
mesmo problema. No feudalismo dos ricos latifundiários, em número reduzidíssimo
– quase todo o território de El Salvador pertence virtualmente a somente 21
famílias – e no oportunismo de líderes esquerdistas, que não conhecem outra
linguagem que não seja a das armas.
Mas por menos boa vontade que se tenha,
não se pode negar que o saldo da reunião de cúpula de Malta, mesmo sem a
assinatura de nenhum acordo formal, foi dos mais expressivos e animadores.
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 5
de dezembro de 1989).
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