Tuesday, June 03, 2014

Cooperação e civilização

Pedro J. Bondaczuk

O homem ainda tem longo, longuíssimo caminho a percorrer até entender, no fundo da alma, que seu papel no mundo é o de ser parte de um todo e que sua vida será um fracasso caso se volte exclusivamente para o individual, em detrimento do coletivo. Dependemos dos outros para tudo enquanto existirmos. Temos a obrigação de dar algum tipo de retribuição, não importa qual, para não nos tornarmos pesos mortos para a família, a sociedade e, enfim, para o País. Um conceito tão simples e óbvio, todavia, parece, à maioria, de uma complexidade absurda. 

Não se trata, aqui, de abrir mão por completo da individualidade, mas de colocá-la, e espontaneamente, a serviço da coletividade. A espécie evoluiu e alcançou o estágio atual apenas mediante a cooperação. Pessoas, famílias e clãs que souberam entender isso – muitas vezes pelo lado mais árduo, o da necessidade, quando não da dor – prosperaram, evoluíram e se fortaleceram. Os que não compreenderam... Muitos desapareceram, já que homem algum é rigorosamente auto-suficiente.

Já escrevi várias vezes e nunca é demais reiterar que o ser humano é um dos animais mais frágeis e dependentes da natureza. Leva semanas, por exemplo, apenas para erguer a cabeça, quando bebê. Precisa de outro tanto de tempo para sentar. E mais ainda para engatinhar, para aprender a ficar de pé e, finalmente, para andar. Caso seja deixado à própria sorte, após o nascimento, não durará, talvez, nem três dias. Depende de alguém que o alimente com leite para sobreviver. Precisa de quem o limpe, o banhe, o agasalhe e o proteja. Nesse aspecto, é profundamente mais frágil e dependente do que a maioria, a quase totalidade dos animais.

Um potrinho, por exemplo, minutos após o nascimento, já se sustenta de pé e horas depois já consegue andar e até galopar. Com várias outras espécies da natureza ocorre o mesmo. E com o homem? Claro que não ocorre nada sequer remotamente parecido. Essa dependência humana não se restringe á tenra idade, mas segue vida afora, nos mais variados aspectos, mesmo que não a admitamos (há pessoas que são tão estúpidas que não admitem essa obviedade mais do que óbvia jamais).

Agimos, desde crianças, como se fossemos reizinhos, cujos caprichos e necessidades devam ser obrigatoriamente todos atendidos e com a maior presteza. Fazemos birra quando não são. Quem tem o privilégio de nascer em uma família esclarecida, amorosa e equilibrada, e recebe educação adequada, logo entende – se não por amor, entenderá pela dor – que nem tudo o que deseja é possível ou bom e que as pessoas que o rodeiam e lhe dão proteção o fazem por gostarem dele e não apenas por obrigação. Conscientiza-se que deve cooperar com os outros e que, portanto, lhe compete devolver na mesma moeda, ou razoavelmente equivalente, tudo o que de bom receber.

Mantive, por muitos anos, em minha mesa de trabalho, quando era editor do “Correio Popular”, uma gravura que ilustra bem a necessidade de cooperação. Ela mostrava, de um lado, dois burrinhos atados a um poste por uma corda, tendo à frente de cada um, um monte de feno. Quando cada qual buscava chegar ao seu, ao mesmo tempo, não conseguia. Os dois enrolavam-se, tentavam, mas sempre em vão. Do outro lado, porém, a gravura mostrava o momento em que os dois muares iam para um mesmo lado, juntos. Nesse caso, a corda permitia que chegassem primeiro ao monte de feno da direita (que devoravam com apetite e satisfação), e depois ao da esquerda, em que se fartavam com o mesmo prazer.

Já citei isso em outras reflexões que partilhei com vocês, mas a reiteração é oportuna. Pena que não tenho mais essa gravura em meu poder para me inspirar. Creio que a encontrarei até com facilidade na internet, acessando o “santo Google”. Todavia, até por questão sentimental, por ela haver me lembrado o tempo todo e por muitos anos da necessidade de cooperar com os outros, gostaria de reaver “aquele” desenho específico e não uma cópia, mesmo que rigorosamente igual, Não sei, no entanto, que fim ela levou. Não tenho a menor idéia de onde foi parar. Quando saí do jornal, não me lembro se a deixei na redação, como lembrança dos vinte anos que lá passei, ou se a trouxe para casa e a perdi no meio das tantas bugigangas que acumulo, sem grande (ou nenhuma) ordem. Vi-a em várias salas de chefes de seção, depois disso, até porque se trata de gravura bastante comum. .

Fico possesso sempre que ouço alguém dizer, geralmente no auge de uma discussão: “Eu não preciso de ninguém!!!”, arrotando uma auto-suficiência que na verdade não tem. Ninguém tem! “Mas como, cara pálida!!!” Fico na dúvida se devo intervir e mostrar o quanto essa pessoa está errada, mesmo correndo risco de parecer (e de ser) antipático e intrometido, ou me limitar a rir da sua inconsciência, por não se tratar de “problema meu”. Claro que a opção correta é a primeira. Caso me limite a criticar, mesmo que por mera mímica, por um sorriso irônico de canto de boca, estarei sendo omisso. E a omissão é o oposto da cooperação. Não estarei cooperando, deixando, dessa forma, de cumprir minha obrigação.

Geralmente, quem diz isso, é um adolescente, sempre que contrariado pelos pais. Se devidamente corrigido, pode se conscientizar e deixar de pensar dessa maneira, se é que seu desabafo não é somente “da boca para fora” (quase sempre é).. O pior é quando essa exclamação parte de um adulto e que não se limite a falar, mas aja como se fosse auto-suficiente. Precisamos, todos nós, de todos, e o tempo todo: do nascimento à morte. Afinal, alguém terá que cuidar dos nossos restos mortais quando morrermos e providenciar nosso sepultamento.

O homem, como se vê, ainda tem mesmo longo, longuíssimo caminho a percorrer até entender, no fundo da alma, que seu papel no mundo é o de ser parte de um todo e que sua vida será um fracasso caso se volte exclusivamente para o individual, em detrimento do coletivo. Não há como não concordar com o que o inglês Stuart Mill escreveu: “A disciplina é mais forte do que o número; a disciplina, isto é, a perfeita cooperação, é um atributo da civilização”. E que atributo!


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