Cooperação
e civilização
Pedro J. Bondaczuk
O homem ainda tem longo,
longuíssimo caminho a percorrer até entender, no fundo da alma, que seu papel
no mundo é o de ser parte de um todo e que sua vida será um fracasso caso se
volte exclusivamente para o individual, em detrimento do coletivo. Dependemos
dos outros para tudo enquanto existirmos. Temos a obrigação de dar algum tipo
de retribuição, não importa qual, para não nos tornarmos pesos mortos para a
família, a sociedade e, enfim, para o País. Um conceito tão simples e óbvio,
todavia, parece, à maioria, de uma complexidade absurda.
Não se trata, aqui, de abrir mão
por completo da individualidade, mas de colocá-la, e espontaneamente, a serviço
da coletividade. A espécie evoluiu e alcançou o estágio atual apenas mediante a
cooperação. Pessoas, famílias e clãs que souberam entender isso – muitas vezes
pelo lado mais árduo, o da necessidade, quando não da dor – prosperaram,
evoluíram e se fortaleceram. Os que não compreenderam... Muitos desapareceram,
já que homem algum é rigorosamente auto-suficiente.
Já escrevi várias vezes e nunca é
demais reiterar que o ser humano é um dos animais mais frágeis e dependentes da
natureza. Leva semanas, por exemplo, apenas para erguer a cabeça, quando bebê.
Precisa de outro tanto de tempo para sentar. E mais ainda para engatinhar, para
aprender a ficar de pé e, finalmente, para andar. Caso seja deixado à própria
sorte, após o nascimento, não durará, talvez, nem três dias. Depende de alguém
que o alimente com leite para sobreviver. Precisa de quem o limpe, o banhe, o agasalhe
e o proteja. Nesse aspecto, é profundamente mais frágil e dependente do que a
maioria, a quase totalidade dos animais.
Um potrinho, por exemplo, minutos
após o nascimento, já se sustenta de pé e horas depois já consegue andar e até
galopar. Com várias outras espécies da natureza ocorre o mesmo. E com o homem?
Claro que não ocorre nada sequer remotamente parecido. Essa dependência humana
não se restringe á tenra idade, mas segue vida afora, nos mais variados
aspectos, mesmo que não a admitamos (há pessoas que são tão estúpidas que não
admitem essa obviedade mais do que óbvia jamais).
Agimos, desde crianças, como se
fossemos reizinhos, cujos caprichos e necessidades devam ser obrigatoriamente
todos atendidos e com a maior presteza. Fazemos birra quando não são. Quem tem
o privilégio de nascer em uma família esclarecida, amorosa e equilibrada, e
recebe educação adequada, logo entende – se não por amor, entenderá pela dor –
que nem tudo o que deseja é possível ou bom e que as pessoas que o rodeiam e lhe
dão proteção o fazem por gostarem dele e não apenas por obrigação.
Conscientiza-se que deve cooperar com os outros e que, portanto, lhe compete
devolver na mesma moeda, ou razoavelmente equivalente, tudo o que de bom
receber.
Mantive, por muitos anos, em
minha mesa de trabalho, quando era editor do “Correio Popular”, uma gravura que
ilustra bem a necessidade de cooperação. Ela mostrava, de um lado, dois
burrinhos atados a um poste por uma corda, tendo à frente de cada um, um monte
de feno. Quando cada qual buscava chegar ao seu, ao mesmo tempo, não conseguia.
Os dois enrolavam-se, tentavam, mas sempre em vão. Do outro lado, porém, a
gravura mostrava o momento em que os dois muares iam para um mesmo lado,
juntos. Nesse caso, a corda permitia que chegassem primeiro ao monte de feno da
direita (que devoravam com apetite e satisfação), e depois ao da esquerda, em
que se fartavam com o mesmo prazer.
Já citei isso em outras reflexões
que partilhei com vocês, mas a reiteração é oportuna. Pena que não tenho mais essa
gravura em meu poder para me inspirar. Creio que a encontrarei até com
facilidade na internet, acessando o “santo Google”. Todavia, até por questão
sentimental, por ela haver me lembrado o tempo todo e por muitos anos da
necessidade de cooperar com os outros, gostaria de reaver “aquele” desenho
específico e não uma cópia, mesmo que rigorosamente igual, Não sei, no entanto,
que fim ela levou. Não tenho a menor idéia de onde foi parar. Quando saí do
jornal, não me lembro se a deixei na redação, como lembrança dos vinte anos que
lá passei, ou se a trouxe para casa e a perdi no meio das tantas bugigangas que
acumulo, sem grande (ou nenhuma) ordem. Vi-a em várias salas de chefes de
seção, depois disso, até porque se trata de gravura bastante comum. .
Fico possesso sempre que ouço
alguém dizer, geralmente no auge de uma discussão: “Eu não preciso de
ninguém!!!”, arrotando uma auto-suficiência que na verdade não tem. Ninguém
tem! “Mas como, cara pálida!!!” Fico na dúvida se devo intervir e mostrar o
quanto essa pessoa está errada, mesmo correndo risco de parecer (e de ser)
antipático e intrometido, ou me limitar a rir da sua inconsciência, por não se
tratar de “problema meu”. Claro que a opção correta é a primeira. Caso me
limite a criticar, mesmo que por mera mímica, por um sorriso irônico de canto
de boca, estarei sendo omisso. E a omissão é o oposto da cooperação. Não
estarei cooperando, deixando, dessa forma, de cumprir minha obrigação.
Geralmente, quem diz isso, é um
adolescente, sempre que contrariado pelos pais. Se devidamente corrigido, pode
se conscientizar e deixar de pensar dessa maneira, se é que seu desabafo não é
somente “da boca para fora” (quase sempre é).. O pior é quando essa exclamação
parte de um adulto e que não se limite a falar, mas aja como se fosse
auto-suficiente. Precisamos, todos nós, de todos, e o tempo todo: do nascimento
à morte. Afinal, alguém terá que cuidar dos nossos restos mortais quando
morrermos e providenciar nosso sepultamento.
O homem, como se vê, ainda tem
mesmo longo, longuíssimo caminho a percorrer até entender, no fundo da alma,
que seu papel no mundo é o de ser parte de um todo e que sua vida será um
fracasso caso se volte exclusivamente para o individual, em detrimento do
coletivo. Não há como não concordar com o que o inglês Stuart Mill escreveu: “A
disciplina é mais forte do que o número; a disciplina, isto é, a perfeita
cooperação, é um atributo da civilização”. E que atributo!
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