Thursday, June 12, 2014

Saddam ganha solução honrosa


Pedro J. Bondaczuk


O presidente iraquiano, Saddam Hussein, recebeu de bandeja, embrulhada para presente, a solução honrosa de que precisava para se redimir de seu maior erro político --- que foi a invasão e anexação do Kuwait --- das mãos do líder soviético, Mikhail Gorbachev, e tratou de aceitar.

Antes, todavia, deu um susto no mundo todo, que aguarda ansioso o fim dessa guerra estúpida e sem propósito --- como todas, aliás, costumam ser. Num discurso proferido pela Rádio Bagdá, horas antes do chanceler de seu país entregar a resposta positiva do seu governo aos dirigentes do Cremlin, em Moscou, ele havia dito, num árabe elegante, poético e recheado de expressões retóricas, que estava disposto a lutar até o fim.

Esse pronunciamento, aliás, causou confusão no mundo todo, entre estadistas, jornalistas e analistas político-militares. Pareceu entrar em contradição com a ação posterior, de aceitação do plano soviético. Puro engano de quem analisa os fatos apressadamente.

No momento em que falou pelo rádio, Saddam não poderia dizer aos iraquianos, de forma alguma, que seu país aceitava se retirar incondicionalmente do Kuwait. Isso afetaria o moral de seus soldados no front e é preciso não se esquecer que a proposta não foi formulada pelo principal inimigo do Iraque, o presidente norte-americano George Bush, mas pelo dirigente de um país que não está na guerra.

Para todos os efeitos, a luta continua, enquanto a Casa Branca não aceitar os termos do plano. Bush intimou o Iraque a começar a retirada hoje.

Mais uma vez, esse homem controvertido, que sonha em ser um novo Nasser, mostrou autoconfiança, argúcia e principalmente muito sangue frio. Fez jus, portanto, à classificação que lhe foi dada por um psiquiatra norte-americano, logo no início da crise, no ano passado, como sendo uma pessoa dotada de "inteligência perversa", muito longe de ser o louco que muitos disseram que ele é.

Sua aceitação à proposta de Gorbachev coloca Bush contra a parede, apesar das suas ameaças e ultimatos. A despeito do presidente norte-americano argumentar que o projeto de retirada é inaceitável, dificilmente continuará contando com o apoio --- a não ser daqueles dirigentes políticos que nunca raciocinaram com suas cabeças, mas sempre entenderam que "o que é bom para os Estados Unidos é bom para seus países" --- da comunidade internacional para continuar a guerra.

Seu desejo --- e obviamente o de israelenses, sauditas, egípcios, kuwaitianos e dos emirados do Golfo --- é o de depor Saddam. Este, porém, parece ter aprendido a lição deixada pelo velho conselheiro de Luís XIII, cardeal Richelieu, que disse certa vez: "A habilidade de um estadista reside em desarmar os acontecimentos e armá-los em seu favor".

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 23 de fevereiro de 1991).


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