Monday, June 02, 2014

A doença do preconceito


Pedro J. Bondaczuk


O preconceito, seja de que espécie for, de raça, de religião, de sexo, de condição econômica ou social, é uma doença do espírito, que muitas vezes atinge surtos epidêmicos e causa grandes tragédias. Basta que nos lembremos que foi ele quem esteve por trás da desastrosa Segunda Guerra Mundial.

Dois fatos ocorridos durante a semana, entre tantos outros que vêm ocorrendo e que acabam não merecendo a devida reflexão, devem servir de alerta para os líderes autênticos e os que acreditam na possibilidade humana de convivência pacífica e até harmoniosa entre desiguais.

Um foi o atentado a bomba que destruiu a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), no centro de Buenos Aires, causando pelo menos 45 mortes, número que tende a passar de 110, dada a grande quantidade de desaparecidos.

O fato de a explosão haver ocorrido num edifício da comunidade judia levanta suspeitas em várias direções, embora nenhuma ainda possa ser comprovada. Mas tudo leva a crer que o preconceito estúpido, cego, irracional e nesse caso criminoso esteja por trás do trágico episódio.

Por outro lado, há fortes indícios de que a queda de um avião, na terça-feira, no Panamá, também tenha se tratado de um ato terrorista. Vinte e uma pessoas morreram no desastre, por enquanto sem explicações. A forma como a aeronave explodiu no ar, induz as autoridades, que investigam o caso, a suspeitarem de que havia uma bomba a bordo.

O aparelho conduzia vários membros da comunidade judia, o que reforça os indícios da existência de uma campanha de terror, tendo por palco a América Latina.

Finalmente, temos a tragédia de Ruanda, que chega ao ápice, por estranho que pareça, exatamente ao cabo da sangrenta guerra civil de quatro anos nesse país, dividida em dois atos, antes e depois da morte do presidente Juvenal Habyarimana, em 6 de abril passado, que causou um número de mortos que ameaça chegar, ou até passar de um milhão.

Qual a razão desse conflito, bem no coração da África, popularizado, recentemente, pela televisão, com o filme "A Montanha dos Gorilas"? Rivalidades étnicas! Ou seja, racismo! Tratam-se de seqüelas ainda do período colonialista, quando as grandes potências européias reuniram, num mesmo território por elas administrado, povos que mantinham rivalidades milenares e ódios há muito represados.

No período em que ingleses, franceses, portugueses, espanhóis, alemães, belgas e italianos mantiveram seu domínio no continente africano, a pretexto de "civilizarem" esses povos, apenas exploraram seus recursos naturais, não muito abundantes por sinal, carrearam as parcas riquezas existentes na região para seus próprios cofres e deixaram, como maldita herança, populações inteiras desnorteadas.

Nem conseguiram fazer com que sua cultura fosse assimilada e nem permitiram que as locais se conservassem. Deu no que deu. Hoje a África, salvo raras exceções, se transformou num autêntico inferno sobre a Terra.

Indigência, violência, prepotência e falta de perspectivas foram os legados que os europeus deixaram a povos com extraordinária tradição de humanismo. O preconceito, de qualquer espécie ou natureza, tem apenas isso a oferecer: o caos!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 24 de julho de 1994).


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