Thursday, June 19, 2014

A moral e o Estado


Pedro J. Bondaczuk


Os excessos cometidos por alguns canais de televisão, ao deflagrarem uma autêntica onda de erotismo e violência em horários nem sempre apropriados, trazem à baila uma questão que há algum tempo foi tema de debate nacional nos Estados Unidos e que agora surge no Brasil:  é papel do Estado fiscalizar a moral da sociedade?

Os norte-americanos concluíram que não. Essa, também, é a interpretação do governo brasileiro, diante de abaixo-assinados de quase 20 mil cidadãos, indignados com o teor da programação de TV, encaminhados ao Ministério da Justiça.

O órgão realizou, durante a semana, um seminário para discutir o assunto, denominado “A problemática da comunicação de massas: reflexões e soluções”. E concluiu: “O Estado não pode regular a moral do País”. Portanto, os que reclamam da onda de erotismo e violência que entra em seus lares pela telinha mágica, terão que se acertar com as próprias emissoras.

Aliás, a Constituição brasileira proíbe a censura, ao preceituar, no seu artigo 5º (ao falar dos direitos e deveres individuais e coletivos), item IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

A moralidade, portanto, é uma questão para ser tratada pelas várias instituições sociais, como a Igreja, as escolas, os clubes de serviço e, principalmente, as famílias. Os meios de comunicação não passam de uma caixa de ressonância da própria sociedade. Refletem seus comportamentos, pensamentos e tendências dominantes. Censurá-los equivale a calar a cidadania. Já diz a doutrina de Direito que “nem tudo o que é imoral é ilegal e vice-versa”.

Durante um debate realizado nos Estados Unidos acerca da questão, o professor de Administração da renomada Universidade de Harvard, Michael Sandel, explicou que “a idéia de que o Estado não deveria legislar sobre a moralidade é algo que muitos liberais repetidamente invocam”. E com razão.

As funções estatais são meramente administrativas. O Estado não é nenhum “grande papai” (como em algumas sociedades atrasadas ainda se pensa) ou um tutor sobre o que pensam e querem seus cidadãos. Ele é fruto, isto sim, da vontade da cidadania.

Sandel define bem o seu perfil ao afirmar: “Um Estado neutro não tenta cultivar virtudes cívicas. Nem vincula as obrigações da Previdência Social a um sentido de comunhão nacional ou de compromisso cívico. Procura, ao contrário, uma estrutura legal que fica neutra entre concepções concorrentes do que seja boa vida. Os indivíduos e os grupos são simplesmente entregues aos seus próprios interesses e valores desde que estes se conciliem com semelhantes liberdades para os outros”. Esta é, por sinal, uma das melhores definições para a democracia.  

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 16 de setembro de 1990)


      
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