A
moral e o Estado
Pedro J. Bondaczuk
Os excessos cometidos por alguns canais de
televisão, ao deflagrarem uma autêntica onda de erotismo e violência em
horários nem sempre apropriados, trazem à baila uma questão que há algum tempo
foi tema de debate nacional nos Estados Unidos e que agora surge no
Brasil: é papel do Estado fiscalizar a
moral da sociedade?
Os norte-americanos concluíram que não. Essa,
também, é a interpretação do governo brasileiro, diante de abaixo-assinados de
quase 20 mil cidadãos, indignados com o teor da programação de TV, encaminhados
ao Ministério da Justiça.
O órgão realizou, durante a semana, um seminário
para discutir o assunto, denominado “A problemática da comunicação de massas:
reflexões e soluções”. E concluiu: “O Estado não pode regular a moral do País”.
Portanto, os que reclamam da onda de erotismo e violência que entra em seus
lares pela telinha mágica, terão que se acertar com as próprias emissoras.
Aliás, a Constituição brasileira proíbe a censura,
ao preceituar, no seu artigo 5º (ao falar dos direitos e deveres individuais e
coletivos), item IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença”.
A moralidade, portanto, é uma questão para ser
tratada pelas várias instituições sociais, como a Igreja, as escolas, os clubes
de serviço e, principalmente, as famílias. Os meios de comunicação não passam
de uma caixa de ressonância da própria sociedade. Refletem seus comportamentos,
pensamentos e tendências dominantes. Censurá-los equivale a calar a cidadania.
Já diz a doutrina de Direito que “nem tudo o que é imoral é ilegal e
vice-versa”.
Durante um debate realizado nos Estados Unidos
acerca da questão, o professor de Administração da renomada Universidade de
Harvard, Michael Sandel, explicou que “a idéia de que o Estado não deveria
legislar sobre a moralidade é algo que muitos liberais repetidamente invocam”.
E com razão.
As funções estatais são meramente administrativas. O
Estado não é nenhum “grande papai” (como em algumas sociedades atrasadas ainda
se pensa) ou um tutor sobre o que pensam e querem seus cidadãos. Ele é fruto,
isto sim, da vontade da cidadania.
Sandel define bem o seu perfil ao afirmar: “Um
Estado neutro não tenta cultivar virtudes cívicas. Nem vincula as obrigações da
Previdência Social a um sentido de comunhão nacional ou de compromisso cívico.
Procura, ao contrário, uma estrutura legal que fica neutra entre concepções
concorrentes do que seja boa vida. Os indivíduos e os grupos são simplesmente
entregues aos seus próprios interesses e valores desde que estes se conciliem
com semelhantes liberdades para os outros”. Esta é, por sinal, uma das melhores
definições para a democracia.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 16 de setembro de 1990)
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