Sementes de urtiga
Pedro J. Bondaczuk
Os bombardeios norte-americanos
realizados na segunda-feira, contra as cidades líbias de Trípoli e de Benghazi,
estão produzindo as primeiras reações de represália contra bens e cidadãos dos
Estados Unidos, em várias partes do mundo. Os britânicos, por terem apoiado,
material e moralmente essa ação militar, por extensão, também estão sendo alvos
de hostilidades, em especial na tensa região do Oriente Médio.
Os extremistas parecem, dessa
maneira, estar atendendo à convocação do “doutrinador” da Líbia, coronel
Muammar Khadafy, para darem o revide aos ataques da Sexta Frota.
Lamentavelmente, como sempre acontece quando dois povos se desentendem, pessoas
alheias aos acontecimentos estão pagando pelo que não fizeram.
Na terça-feira, um
norte-americano morreu baleado em Cartum, no Sudão, no auge de uma manifestação
contra a atitude de Ronald Reagan. Ontem, um automóvel de um cidadão desse
país, foi incendiado, no centro de Tunis, por um coquetel molotov.
Mas o incidente mais grave,
relacionado com a Líbia, ocorreu no Líbano, ontem, onde três reféns britânicos
– um jornalista e escritor que estava a serviço das Nações Unidas e dos
professores universitários – pessoas, portanto, completamente desvinculadas da
política, foram assassinados na região das montanhas que circundam Beirute.
Imagine o leitor o desamparo
desses três homens, isolados numa terra que não é a sua (onde estavam a
serviço), indefesos e manietados e entregues à sanha vingadora de alguns
fanáticos! Calcule o desespero de outros estrangeiros seqüestrados nesse país.
Tente compreender o medo, a insegurança e o desamparo que eles sentem, sem que
nada ou ninguém possam vir em seu socorro. Será que Reagan não pensou neles?
Fatos, como estes,
desgraçadamente, deverão repetir-se, doravante, com maior intensidade do que
antes. Não porque o coronel líbio, Muammar Khadafy, não foi morto, como parece
ter sido o objetivo do bombardeio realizado contra o seu quartel fortificado de
Bab-el-Azziz, ou contra a sua residência em Trípoli.
Se fosse, as coisas poderiam ser,
até, bastante piores, porquanto estaria sendo fabricado um mártir para
espicaçar o desequilíbrio e o fanatismo daqueles que fazem da violência seu
instrumento de reivindicação. É evidente que, por mais grave que seja o atual
incidente, em pouco tempo ele irá se esvaziar, por si só.
Teremos os protestos, ameaças e
condenações de sempre, nos próximos dias, a exemplo do que sempre aconteceu em
outros incidentes de igual e até de maior porte do passado e tudo irá voltar à
normalidade. Mas até que isso aconteça, centenas de inocentes serão colhidos
por bombas, seqüestros e outros atos de violência. E nada de realmente prático
e producente será feito. Quem lhes devolverá a vida?
Existem hoje no mundo milhares de
campos de refugiados, abrigando milhões de pessoas que perderam tudo o que
possuíam. São cambojanos, coreanos, chineses, vietnamitas, palestinos,
salvadorenhos, etíopes, sudaneses etc. É gente de todas as nacionalidades e
procedências, vítima da brutalidade e que conheceu apenas uma linguagem desde
que nasceu. Ou seja, aquela expressada pelo ódio, motor que impulsiona essas
pessoas, que não têm mais nada a perder, a revidar violências sofridas.
Enquanto existirem tantos
indivíduos sem terem sequer uma pátria para amar, intoxicados de ressentimentos
e sonhando com um pedaço de chão que lhes pertença, não será culpando esse ou
aquele líder que não nos seja simpático ou bombardeando esta ou aquela cidade
dos territórios que eles controlam que o terrorismo será contido.
A tese da punição, para servir de
exemplo aos pretensos patrocinadores do terror, não passa de balela. Vários
Estados dos Estados Unidos têm pena de morte para seus criminosos. Muitos
aplicam essas sentenças fatais sem nenhuma parcimônia. Nem por isso, porém, os
índices de criminalidade baixaram. Afinal, de uma semente de urtiga, jamais
haverá de nascer uma rosa. Assim como a paz não nasce da violência.
Quanto ao efeito prático, é tão
condenável explodir uma discoteca e matar dois cidadãos, quanto bombardear duas
cidades, atingindo pessoas que não têm a mínima chance de defesa.
Numericamente, inclusive, a segunda atitude é bem mais criminosa. Ou será que
algum ser humano é mais valioso do que outro?
(Artigo publicado na página 9,
Internacional, do Correio Popular, em 18 de abril de 1986).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment