Excesso de paixão por
pouca coisa
Pedro
J. Bondaczuk
O futebol é modalidade
esportiva peculiar, por uma série de razões. As observações que posso fazer a
respeito são óbvias, mas poucos se dão conta delas. Acompanhem meu raciocínio.
Os esportes são permanente desafio às habilidades humanas. Cabe-lhes, a
caráter, o lema: “mais longe, mais alto, mais rápido”. Praticamente todas as
modalidades se enquadram em um ou outro desses objetivos. O futebol, no
entanto, de uma forma ou de outra, reúne todas as três metas, simultaneamente.
As competições esportivas são individuais ou coletivas. No primeiro caso, o
desafio do praticante é superar os próprios limites: correr (ou nadar) mais
rápido, saltar mais longe ou mais alto e, em caso de lutas, superar o oponente
respeitando regras definidas. Nas modalidades de arremessos (de disco, martelo
ou dardo), o que conta é a distância atingida. E a disputa de força
(halterofilismo), tem por objetivo elevar acima da cabeça a maior quantidade de
peso.
Há competições individuais
em que o limite a ser superado é o adversário, ou seja, é fazer mais pontos do
que ele. Enquadram-se nesta categoria, por exemplo, o tênis (de campo e de
mesa) e o golfe, das que me lembro. Nelas o que conta é a maior pontuação
obtida. Os esportes que se definem por este meio são, majoritariamente, os
coletivos: basquete, vôlei, hóquei (no gelo, na grama ou sobre patins),
beisebol, rugby, pólo (de campo e aquático), críquete, futebol americano e... o
nosso futebol (que os norte-americanos chamam de “soccer” e os italianos de
“calcio”). Essas modalidades são consideradas, por suas características
competitivas, “jogos”.
Todos esses tipos de
esportes coletivos são praticados com ênfase quase exclusiva nos membros em que
o homem é, disparadamente, mais habilidoso. Ou seja, nos superiores,
notadamente as mãos. As pernas e os pés servem somente para imprimir velocidade
e impulsão. O futebol de campo – este que é a grande paixão de mais da metade
da humanidade – é o único que prioriza os membros inferiores. É jogado com os
pés. Há, somente, duas exceções: o goleiro, que pode utilizar as mãos, mas
somente em espaço restrito, delimitado pelo que é chamado de “grande área”. E
os demais atletas na reposição de bola sempre que esta sai pelas laterais.
Muitos lembrarão que a
cabeça é bastante utilizada e que há jogadores com grande habilidade no seu
uso, sobretudo na grande área adversária, na tarefa de empurrar bolas alçadas
para o gol. Ou para rebatê-la, evitando que o oponente vaze sua meta. Mas não
se trata de utilização, digamos, “dominante”. O que conta, de fato, é a
habilidade com as pernas e os pés (notadamente estes). Ou seja, com os membros
que o homem sempre mostrou ser menos hábil. É certo que, fora do futebol, há
quem faça maravilhas com os pés. Conheço pessoas (e o leitor certamente também
conhece, por já haver visto algum vídeo a respeito na internet) que fazem
maravilhas com eles: pintam quadros, tocam instrumentos e até escrevem. Estes,
todavia, são raridades. Por isso, chamam tanta atenção quando identificados.
Fico me perguntando, e
com bastante freqüência, “por que o futebol desperta tanto interesse e apaixona
tanto se, comparado com outras modalidades, tende a ser um dos mais monótonos”?
Por exemplo, as contagens de um jogo tendem a ser baixas – não raro, nenhuma
das equipes logra fazer um único e reles gol – a menos que haja brutal
diferença técnica entre os times quando, aí sim, se verificam goleadas. Nesse
aspecto, as contagens do basquete, por exemplo, humilham as do futebol. Outra
modalidade, mais farta em pontuação, é o rugby, apontado como sua raiz e
precursora. Há disputas terríveis, monótonas, de dar sono, em vários e vários
jogos do tal “esporte das multidões”, inclusive válidos por Copas do Mundo.
Ainda assim... Não há nenhum outro esporte, mas nenhum mesmo, que sequer se
aproxime dele em termos de interesse e de paixões despertadas nos que o
assistem e escolhem algum lado para torcer. E sempre escolhem. Desconheço
alguma disputa em que os espectadores permaneçam completamente neutros, estáticos,
silenciosos e impassíveis, agindo como agem, por exemplo, as platéias de teatro
ou de cinema, limitando-se a assistir os “espetáculos” (nem sempre tão
“espetaculares”) sem tomarem partido por algum dos lados.
Ressalto que não estou
criticando os torcedores – a menos que,
claro, cometam, excessos e, portanto, protagonizem cenas de violência
(infelizmente cada veaz mais comuns, sobretudo nos estádios brasileiros).
Apenas não entendo, de maneira objetiva, a razão de tamanha popularidade desse
esporte em relação a tantos e tantos outros. Não compreendo, sobretudo, minhas
próprias reações face disputas futebolísticas, dada até minha educação
rigorosamente cartesiana e racional. Todavia, em um campo de futebol, sem que
sequer me dê conta, explodem intensas paixões em meu íntimo, que exteriorizo á
minha revelia, mas que nem mesmo sabia que tinha. Racionalmente, admito que é
excessiva energia emocional despendida por tão pouca coisa. Porém... Vá se
entender o comportamento humano!
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