Inesgotável filão
temático
Pedro
J. Bondaczuk
O mundo do futebol
enseja histórias de todos os tipos: heróicas, trágicas, cômicas, de vitórias e
de fracassos etc. etc. etc. É, portanto, riquíssimo campo de inspiração para
escritores e, sobretudo, inesgotável filão temático. Caso algum literato, por
exemplo, esteja sem bons assuntos para explorar, para escrever algum conto
original ou romance verossímil, basta conversar com um ex-jogador de futebol.
Certamente, ouvirá tantas e tantas narrativas que, se tiver talento e
paciência, terá subsídios não somente para uma única produção literária de
peso, dessas que são candidatas naturais a prêmios, mas para toda uma coleção
delas.
O futebol é, entre
tantas atividades, uma das que suscitam maiores esperanças em jovens
talentosos, que têm preciosas oportunidades de ascensão social e de melhoria de
vida. Mas, também, é uma das que tendem a gerar imensas decepções e profundas
frustrações aos que, por alguma circunstância fortuita qualquer, venham a
fracassar. E quantos fracassam! Algumas das melhores histórias que escrevi têm
tudo a ver com esse mundo em que glórias e tragédias se misturam e se
confundem.
Não são raros os casos,
por exemplo, de atletas que, no auge das respectivas carreiras, eram aureolados
de fama e de reconhecimento público, que ostentavam fortunas de causar inveja a
qualquer pessos e que, subitamente... caíram no ostracismo e no descrédito.
Alguns conseguiram (e conseguem) relativa recuperação e tocaram (ou tocam) suas
vidas em outras atividades, relacionadas ou não com a modalidade, mesmo que
esquecidos. Muitos outros (muitíssimos), todavia, se perdem. Recorrem, por
exemplo, ao álcool e/ou às drogas, numa tentativa desesperada, frustrada e vã
de tentar esquecer o declínio, o olvido, a perda de prestígio, enfim a queda
que os atinge (ou atingiu). Em casos extremos, vários findam na indigência,
mendigando um prato de comida e doses de bebida, desalentados, perdidos,
naufragados, derrotados.. Vejam, por exemplo, o que ocorreu com Garrincha.
No auge, o Mané das
pernas tortas foi, consensualmente, reconhecido como gênio dos gramados. E de
fato, foi. Muitos chegaram a garantir que jogou mais do que Pelé (com o que
discordo, mesmo reconhecendo, e nem poderia ser diferente, sua genialidade).
Todavia, vejam as diferenças das trajetórias pós-futebol de ambos.
O “rei” dos gramados,
embora envolvido em polêmicas de vários tipos, nunca deixou os refletores da
fama, sob os quais ainda está. Mesmo passadas quatro décadas em que pendurou as
chuteiras, o atleta do século XX divide as opiniões (o que é compreensível,
pois a maioria nunca o viu jogar por não haver sequer nascido) e, para milhões
e milhões de amantes do esporte, é tido e havido como o melhor dos melhores, o
top dos tops, o número um de todos os tempos, embora frequentemente dividindo
essa condição com os argentinos Diego Armando Maradona e Lionel Messi. Chegou a
ser ministro dos Esportes, na gestão do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, o que, convenhamos, não é façanha para qualquer um.
E Garrincha, o que
aconteceu com ele? Quem quiser saber detalhes de como ele foi e o que lhe
ocorreu antes, durante e após a fama, recomendo a leitura do imperdível livro
“Estrela solitária”, do jornalista e escritor Ruy Castro, obra-prima do gênero.
Ainda quando em atividade, quando defendia o Botafogo, antes de se transferir
para o Corinthians, o gênio dos gramados já apresentava sérios problemas de
alcoolismo. Cronistas esportivos e repórteres de rádio, TV e jornal, tinham
pleno conhecimento disso, mas nunca tocaram no assunto: faziam “vistas
grossas”, em respeito a tudo o que o genial craque representou para o futebol
brasileiro, o que é até redundante ressaltar, pois não foi pouco. Não tardou,
todavia, que os efeitos do álcool e das inúmeras infiltrações a que teve que
ser submetido, em virtude das maldosas pancadas que recebeu dos tantos “joões”
que driblou mundo afora, se manifestassem.
Seu futebol foi
decaindo, decaindo até desaparecer de vez. E com ele, a (merecidíssima) fama e
o consequente dinheiro que ganhou (e desperdiçou) em decorrência dela. Nunca
vou esquecer o dia, nem como tomei conhecimento da sua morte. Nem poderia. Ela
ocorreu na data do meu aniversário, em 20 de janeiro de 1983, quando completei
40 anos de idade. Eu trabalhava, na ocasião, no jornal Diário do Povo de
Campinas, hoje extinto em sua versão impressa.
Fiquei,
particularmente, impressionado (na verdade, chocado) com uma foto, que vi nesse
dia, enviada por uma agência de notícias, que mostrava o ex- craque que um dia
fora chamado (com justiça) de “Alegria do Povo”, deitado em uma maca do
Instituto Médico Legal, com uma etiqueta no dedão do pé esquerdo,
identificando-o como indigente.
Como esta, há tantas e
tantas outras histórias, tão dramáticas e assustadoras, se não mais, como esta
e que jamais foram trazidas a público. Há, todavia, várias, também, exemplares,
de superação, de jogadores que deram a volta por cima, que reverteram
expectativas de fracassos em memoráveis sucessos, a desafiarem escritores
atentos, talentosos, observadores e com senso de oportunidade. Este é outro
assunto, envolvendo futebol, que merece ser melhor explorado, e que pretendo
explorar, posto que oportunamente. Como se vê, poucas atividades propiciam
tantos temas para a Literatura, quer ficcional, quer de não-ficção, quanto este
fascinante e apaixonante esporte das multidões.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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