Wednesday, June 18, 2014

Inesgotável filão temático

Pedro J. Bondaczuk

O mundo do futebol enseja histórias de todos os tipos: heróicas, trágicas, cômicas, de vitórias e de fracassos etc. etc. etc. É, portanto, riquíssimo campo de inspiração para escritores e, sobretudo, inesgotável filão temático. Caso algum literato, por exemplo, esteja sem bons assuntos para explorar, para escrever algum conto original ou romance verossímil, basta conversar com um ex-jogador de futebol. Certamente, ouvirá tantas e tantas narrativas que, se tiver talento e paciência, terá subsídios não somente para uma única produção literária de peso, dessas que são candidatas naturais a prêmios, mas para toda uma coleção delas.

O futebol é, entre tantas atividades, uma das que suscitam maiores esperanças em jovens talentosos, que têm preciosas oportunidades de ascensão social e de melhoria de vida. Mas, também, é uma das que tendem a gerar imensas decepções e profundas frustrações aos que, por alguma circunstância fortuita qualquer, venham a fracassar. E quantos fracassam! Algumas das melhores histórias que escrevi têm tudo a ver com esse mundo em que glórias e tragédias se misturam e se confundem.

Não são raros os casos, por exemplo, de atletas que, no auge das respectivas carreiras, eram aureolados de fama e de reconhecimento público, que ostentavam fortunas de causar inveja a qualquer pessos e que, subitamente... caíram no ostracismo e no descrédito. Alguns conseguiram (e conseguem) relativa recuperação e tocaram (ou tocam) suas vidas em outras atividades, relacionadas ou não com a modalidade, mesmo que esquecidos. Muitos outros (muitíssimos), todavia, se perdem. Recorrem, por exemplo, ao álcool e/ou às drogas, numa tentativa desesperada, frustrada e vã de tentar esquecer o declínio, o olvido, a perda de prestígio, enfim a queda que os atinge (ou atingiu). Em casos extremos, vários findam na indigência, mendigando um prato de comida e doses de bebida, desalentados, perdidos, naufragados, derrotados.. Vejam, por exemplo, o que ocorreu com Garrincha.

No auge, o Mané das pernas tortas foi, consensualmente, reconhecido como gênio dos gramados. E de fato, foi. Muitos chegaram a garantir que jogou mais do que Pelé (com o que discordo, mesmo reconhecendo, e nem poderia ser diferente, sua genialidade). Todavia, vejam as diferenças das trajetórias pós-futebol de ambos.

O “rei” dos gramados, embora envolvido em polêmicas de vários tipos, nunca deixou os refletores da fama, sob os quais ainda está. Mesmo passadas quatro décadas em que pendurou as chuteiras, o atleta do século XX divide as opiniões (o que é compreensível, pois a maioria nunca o viu jogar por não haver sequer nascido) e, para milhões e milhões de amantes do esporte, é tido e havido como o melhor dos melhores, o top dos tops, o número um de todos os tempos, embora frequentemente dividindo essa condição com os argentinos Diego Armando Maradona e Lionel Messi. Chegou a ser ministro dos Esportes, na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o que, convenhamos, não é façanha para qualquer um.

E Garrincha, o que aconteceu com ele? Quem quiser saber detalhes de como ele foi e o que lhe ocorreu antes, durante e após a fama, recomendo a leitura do imperdível livro “Estrela solitária”, do jornalista e escritor Ruy Castro, obra-prima do gênero. Ainda quando em atividade, quando defendia o Botafogo, antes de se transferir para o Corinthians, o gênio dos gramados já apresentava sérios problemas de alcoolismo. Cronistas esportivos e repórteres de rádio, TV e jornal, tinham pleno conhecimento disso, mas nunca tocaram no assunto: faziam “vistas grossas”, em respeito a tudo o que o genial craque representou para o futebol brasileiro, o que é até redundante ressaltar, pois não foi pouco. Não tardou, todavia, que os efeitos do álcool e das inúmeras infiltrações a que teve que ser submetido, em virtude das maldosas pancadas que recebeu dos tantos “joões” que driblou mundo afora, se manifestassem.

Seu futebol foi decaindo, decaindo até desaparecer de vez. E com ele, a (merecidíssima) fama e o consequente dinheiro que ganhou (e desperdiçou) em decorrência dela. Nunca vou esquecer o dia, nem como tomei conhecimento da sua morte. Nem poderia. Ela ocorreu na data do meu aniversário, em 20 de janeiro de 1983, quando completei 40 anos de idade. Eu trabalhava, na ocasião, no jornal Diário do Povo de Campinas, hoje extinto em sua versão impressa.

Fiquei, particularmente, impressionado (na verdade, chocado) com uma foto, que vi nesse dia, enviada por uma agência de notícias, que mostrava o ex- craque que um dia fora chamado (com justiça) de “Alegria do Povo”, deitado em uma maca do Instituto Médico Legal, com uma etiqueta no dedão do pé esquerdo, identificando-o como indigente.

Como esta, há tantas e tantas outras histórias, tão dramáticas e assustadoras, se não mais, como esta e que jamais foram trazidas a público. Há, todavia, várias, também, exemplares, de superação, de jogadores que deram a volta por cima, que reverteram expectativas de fracassos em memoráveis sucessos, a desafiarem escritores atentos, talentosos, observadores e com senso de oportunidade. Este é outro assunto, envolvendo futebol, que merece ser melhor explorado, e que pretendo explorar, posto que oportunamente. Como se vê, poucas atividades propiciam tantos temas para a Literatura, quer ficcional, quer de não-ficção, quanto este fascinante e apaixonante esporte das multidões.


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