Jogar
futebol e escrever a respeito
Pedro J. Bondaczuk
O que é mais
difícil: jogar futebol ou escrever sobre o chamado “esporte das multidões”?
Esta pergunta me foi feita ainda há pouco, hoje pela manhã, por um leitor, que
não me autorizou que o identificasse. Minha reação inicial foi ignorar a
questão. Por que? Porque a princípio me pareceu absurda e incomparável. Ora,
ora, ora... São coisas absolutamente distintas, muito diferentes. As atividades
não são sequer comparáveis. Uma, o futebol, é um esporte (que também é jogo) e
envolve, portanto, habilidades físicas. Já a Literatura é obra do intelecto e
compõe um dos elementos mais representativos da arte e, portanto, da cultura.
Apesar dos
pesares, a pergunta do leitor não me saía da mente. Ademais, não costumo ficar
em cima do muro em nenhum assunto. Opino sobre tudo o que consigo formar alguma
opinião minimamente coerente, embora admita que não raro cometo monumentais
equívocos. Normal, não é mesmo? Por mais culto e bem informado que um sujeito
seja, ninguém sabe tudo de tudo. Quando erro, todavia, e quando me provam que
errei de fato, não tenho nenhum problema em me retratar. Nesses casos até
agradeço a correção, pois acabo aprendendo algo que não conhecia (não, pelo
menos, a fundo). Tentarei, pois, responder, com um mínimo de lógica, a pergunta
do meu ilustre questionador, embora seu questionamento me pareça uma espécie de
“pegadinha”, uma armadilha para testar minha retórica (e paciência, claro).
Convido-o, caríssimo leitor, a acompanhar meu raciocínio.
Antes de tudo,
para dar uma resposta minimamente coerente, sobre o que é mais difícil, jogar
futebol ou escrever a propósito, é preciso delimitar a extensão do assunto. Por
exemplo, depende a que prática futebolística e a que tipo de redação estamos
nos referindo. Explico melhor. O leitor quer saber se é mais difícil jogar
futebol “profissionalmente” ou escrever sobre ele também na condição de
profissional? Se for em termos amadores, ou seja, no de disputar alguma
informal pelada ou redigir texto sem preocupação sequer com correção
gramatical, nos dois casos, portanto, sem nenhuma preocupação com qualidade,
considero que as dificuldades e facilidades de ambos se equivalem.
Haverá aqui, na
minha opinião, “empate técnico”. Ademais, não é incomum alguém fazer as duas
coisas relativamente bem. No caso de redator, é preciso ponderar, ainda, se
quem escreve sobre futebol é jornalista ou escritor, porquanto tanto o enfoque,
quanto a forma de abordagem serão.diferentes. Ambas profissões, embora tenham
algumas semelhanças, não são iguais. No primeiro caso, há que se questionar,
também, se o tal profissional de imprensa é especialista na matéria,
devidamente treinado para tal, ou se não passa de mero “diletante”. No segundo
caso, é óbvio que as dificuldades tenderão a ser bem maiores.
Suponho que meu
questionador esteja se referindo aos “tops dos tops” de ambas atividades. Ou
seja, a jogadores de futebol de inquestionável nível de excelência, que
integrem alguma seleção nacional na disputa de Copa do Mundo, assim como
escritores consagrados, candidatos potenciais ao Prêmio Nobel de Literatura.
Conheço, apenas, um caso de alguém que tenha exercido, e bem, ambas funções.
Trata-se de Albert Camus. Não posso jurar que não existam e nem que existam
outros exemplos. Não me recordo, todavia, de mais nenhum. Em termos de pressão “externa”,
não há termos de comparação. Nenhum escritor é pressionado por estádios
lotados, com 50 mil, 60 mil ou muito mais torcedores fanáticos, a gritarem, a
cobrarem, a exigirem apaixonadamente, e o tempo todo, eficiência. Ademais,
essas turbas enlouquecidas tendem a ser implacáveis: não perdoam o mínimo erro,
embora errar seja humano.
E o escritor, não
é pressionado? Externamente, no momento em que escreve, não é. Desenvolve sua
atividade solitariamente, no mais absoluto e rigoroso silêncio. Mas... internamente...
É um inferno! Passam por sua cabeça mil dúvidas e temores. Bate uma insegurança
absurda e uma autocobrança infinita, que multidões de torcedores fanáticos não
conseguiriam igualar. Seria só mero acaso haver tão poucos textos literários (e
não me refiro aos “jornalísticos, que existem em profusão, inclusive em
livros), em se levando em conta a projeção desse esporte e sua influência no
comportamento das pessoas em nosso tempo? Creio que não!
Em termos de
“resultados” materiais das duas atividades, então, as diferenças são abissais.
Jogadores de futebol “tops de linha”, como Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e
Neymar Junior, tendem a se tornar milionários. Já escritores... São raros,
raríssimos os que conseguem, apenas com o produto de seus livros, pelo menos se
manter decentemente. Imaginem enriquecer! Existir, existem escritores ricos,
quem sabe milionários, mas dá para contar nos dedos. Os craques dos gramados
são regidos por apenas 17 regras, que devem conhecer bem e cumprir ao máximo.
Já os ases das letras... Têm que conhecer o mundo, o universo, o infinito.
Os poetas tendem a
ser mais ousados, na exploração do futebol como tema de sua arte (mesmo assim,
são raros). Conheço, por exemplo, um poema até célebre, de João Cabral de Melo
Neto, louvando o talento de Ademir da Guia. Embora não me recorde qual, também
já li algo a propósito composto por Carlos Drummond de Andrade. Estou seguro de
haver lido mais alguns, mesmo que não me recorde o que e de quem. Revendo minha
própria pífia, posto que copiosa, obra poética, constatei que escrevi um único
e reles poema, tendo o futebol por assunto, que foi esta homenagem que fiz a
Garrincha, um ano após ele ter sido o principal responsável pela conquista do
bicampeonato mundial, por parte da Seleção Brasileira, nos gramados do
Chile: .
Guerreiro
alado
Garrincha, pequeno pássaro encantado,
alado guerreiro, ingênuo e inocente,
que faz desfilar, no presente, galhardia,
e humor e graça, as sementes do amanhã,
e que alimenta nossa fragílima fantasia
no palco grandioso do Maracanã.
Mameluco
cavaleiro do sonho,
de auriverde manto sagrado,
corcel veloz, galopa e voa
a felicidade perfeita dos simples
nos gramados da América e Europa.
Pés alados. Pés de anjo. Pés calçados
de couro e poesia, de poder e magia,
na luta heróica, com espírito lúdico,
faz acenos familiares à glória
e, em danças, coreografias, corrupios,
bêbedo de luz, sorve o vinho da vitória.
Líder nato, sem bazófia ou arrogância,
dançando, com dez exímios bailarinos,
tece, com os pés, o painel encantado da vida
no teatro, dramática arena dos bravos,
do Estádio Nacional de Santiago.
A fama é tênue e pesa toneladas.
Heróis despencam no esquecimento
vítimas da ingratidão covarde e infeliz.
Mas Garrincha voa, flutua, ganha alento
e, com arte, com magia e encantamento
desperta, orgulha e enaltece um país.
Este
poema foi composto em São Caetano do Sul, em 22 de abril de 1963. Mas... qual,
afinal de contas, é a minha conclusão sobre a “armadilha” do meu exigente
questionador? Bem, deixo-a a seu cuidado, amável e atento leitor, com base nos
provavelmente inconsistentes argumentos que tentei apresentar. E aproveito para
repassar-lhe a mesma pergunta que me deixou tão confuso e intrigado: “para
você, o que é mais difícil: jogar futebol, no mais alto nível, ou escrever
sobre ele, com idêntica excelência”?
No comments:
Post a Comment