Sunday, June 08, 2014

Torcedor ciclotímico

Pedro J. Bondaczuk

O torcedor de futebol brasileiro é ciclotímico. Oscila, com velocidade estonteante (e intrigante) da euforia à depressão, sem escalas. Isso, quando se trata de torcer pela Seleção. Para ele, só o resultado de uma partida não é suficiente para deixá-lo satisfeito e muito menos eufórico. Exige que, com a vitória (encarada como obrigação), a equipe tenha atuação impecável, sobretudo com “ginga e arte”. Se vencer, por exemplo, um jogo por 4 a 0, mas cometer muitas falhas, esse torcedor ficará deprimido, mal humorado  e zangado. Não raro, responderá, no final de partida, mesmo se vencer, mas se não jogar bem, não com aplausos, sequer discretos, mas com estridentes vaias.

Refiro-me, aqui, ao torcedor que freqüenta assiduamente estádios – cada vez mais raro por uma série de razões, entre as quais a violência, os altos preços dos ingressos e a má qualidade técnica dos jogos – pois há o meramente ocasional. Este último, às vezes, nem gosta de futebol. Não torce para clube algum e só se interessa pela modalidade quando a Seleção Brasileira está envolvida. Seu modo de torcer é diferente. Mesmo estes torcedores, porém, influenciados pela mídia, revelam essa característica ciclotímica, posto que não tão acentuada. Ora consideram nossa equipe imbatível, ora tratam-na como a pior entre as piores. Não se mostram, todavia, tão passionais e inconstantes como os torcedores, torcedores de fato, que realmente fazem jus a essa designação, que se fazem presentes com constância e assiduidade nos estádios, faça chuva ou faça sol.

O pitoresco é que estes que são verdadeiramente apaixonados pelo futebol – muitos, para não dizer a totalidade, torcem por seus times até com fervor “religioso” – tratam de forma diferente seus clubes do coração e a Seleção Brasileira. No primeiro caso, só a vitória lhes importa, e a qualquer custo, mesmo que jogando mal. Não ligam se esta advenha de uma falha da arbitragem ou da incompetência do adversário. Seu lema é “vencer, vencer e vencer”. Quem já não ouviu de algum desses torcedores que o que importa é a vitória, mesmo que “por meio a zero” e com um gol de mão, no derradeiro minuto dos acréscimos? A ele não importa, pois, se o time jogou bem ou se deu caneladas a torto e a direito. Se venceu... estará tudo bem.

Esse mesmo torcedor, todavia, é sumamente exigente quando se trata da Seleção. Valoriza, por exemplo, o time de Telê Santana, o de 1982, que não ganhou coisa alguma, mas que jogou bonito, “com elegância e arte”. No entanto, execra a de 1994, que conquistou o tetra, mas que, na sua avaliação, deixou muito a desejar. E que, para culminar, conquistou o título em decisão por pênaltis. E, pior, dependeu, para a conquista, não da competência dos jogadores brasileiros, mas da incompetência do adversário, no caso Baggio, que mandou para as nuvens a penalidade decisiva.

Só não entendo o excesso de rigor para com a Seleção de 1950, tratada como se fosse uma das piores da história, como se tivesse sido desclassificada logo no início da competição, acumulando sonoras goleadas do adversário. É certo que a decepção causada pelo “Maracanazzo” tem tudo a ver com isso. E esse desastre futebolístico deve-se muito à ciclotimia do torcedor nacional. Até o início da partida contra o Uruguai, nossa equipe era, para ele, a melhor do mundo. Era imbatível e invulnerável. O jogo era apenas formalidade necessária para consagrar o melhor futebol do Planeta. Afinal, o Brasil jogava pelo empate. Até 38 minutos do segundo tempo, estava com a taça na mão. Mas uma partida “só termina quando acaba”, não é mesmo? E sete míseros minutos foram suficientes para que o título escorresse por entre os dedos. A euforia deu lugar à depressão, que levou pelo menos oito anos para se dissipar, com a conquista de 1958.

Aquela Seleção era tão ruim, como é pintada para as gerações que não a viram, porquanto sequer eram nascidas? Tecnicamente, era uma das melhores, se não a melhor de todos os tempos. As raras testemunhas ainda vivas certamente ainda têm claríssima na memória a acachapante goleada que os comandados do técnico Flávio Costa aplicaram na excelente seleção espanhola, por 6 a 0, com direito a olé. O público que lotou o Maracanã cantou, em coro, exaltado, em êxtase e em delírio, a marchinha “Touradas de Madri”, do Braguinha.

O Uruguai, recorde-se, foi beneficiado pela tabela. Pura sorte, claro. Mas foi. A “Celeste Olímpica” fez, apenas, dois jogos, para se classificar para a final. Isso ocorreu pelo desequilíbrio no número de competidores dos vários grupos, por causa da desistência, de última hora, da Seleção da Índia, que viu rejeitada pela Fifa sua exigência para que seus jogadores jogassem descalços. Claro que era (e é) coisa incabível em uma Copa do Mundo. É certo que, se participasse, seria saco de pancada dos adversários, como o Taiti foi na Copa das Confederações de 2013. Mas... desgastaria fisicamente os uruguaios, que não chegariam tão inteiros para a decisão.

Craques como Ademir de Menezes (artilheiro da Copa), José Carlos Bauer, Zizinho, Jair da Rosa Pinto, Friaça, Maneca e outros tantos, foram execrados pelos torcedores, como se não passassem de um bando de “pernas de pau”. O goleiro Barbosa – nascido em Campinas – teve que conviver, até os últimos dias, com a execração generalizada, responsabilizado pelos dois gols que sofreu, sobretudo pelo segundo, tido e havido como “frango”. Não foi. Mas... quem se importou? O fato é que o Brasil perdeu para o Uruguai. E o talento, e até a coragem dos nossos jogadores, foram questionados (e ainda são até hoje por quem sequer tinha nascido na ocasião). Nossos craques foram vistos como “covardes”, assustados com os pueris arroubos de valentia de Obdúlio Varela. Ora, ora, ora...

Essa ciclotimia do torcedor brasileiro ficou mais evidente do que nunca no último amistoso da Seleção Brasileira antes da Copa de 2014. Até o jogo contra o Panamá, os comandados de Felipão eram considerados favoritos absolutos à conquista do Mundial, com base na sua atuação na Copa das Confederações de 2013 e nos amistosos subseqüentes. Bastou, porém, que a equipe se apresentasse mal contra a Sérvia, para que o humor da torcida se transformasse da água para o vinho. E olhem que o Brasil ganhou, mesmo que por magro 1 a 0. Imaginem se perdesse! Subitamente, o torcedor passou a ver tudo errado: a zaga brasileira já não é a melhor do mundo, o meio de campo é lento e erra muito passe, o ataque é sem talento, sem imaginação e fácil de ser marcado e nosso melhor craque – talvez único – Neymar, não passa de um contumaz “cai cai”, mero produto da mídia. Ou estou exagerando? Acessem as redes sociais, sobretudo o Twitter e o Facebook, e verão que não estou.

Mas... nem tanto ao céu, nem tanto à terra. A atual Seleção provavelmente não é a melhor do Planeta (avaliação sumamente subjetiva), mas também não é pior do que as outras favoritas. Tem chances um tantinho maiores do que as badaladas Espanha, Argentina, Alemanha, Itália ou, até mesmo, Uruguai, Holanda ou Bélgica, por uma série de razões. Isso não quer dizer que a conquista do hexa é líquida e certa. Não é! Futebol é um jogo. Favoritismo não é sinônimo de vitória. Se assim fosse, a modalidade não seria fascinante como é. Seria sem graça.

Como essa Seleção será tratada pela História depois de 13 de julho? Será reverenciada como a de 1970, como a “oitava maravilha do mundo” ou execrada como as de 1954, 1966, 1974, 1978, 1986, 1990, 2006 e 2010, como um “bando de pernas de pau”, sem compromisso com o País, como um grupo de mercenários de olho, apenas, na própria carreira e nos dólares (ou euros) que venham a engordar suas contas bancárias? Nas próximas semanas, iremos saber.


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