Torcedor ciclotímico
Pedro
J. Bondaczuk
O torcedor de futebol
brasileiro é ciclotímico. Oscila, com velocidade estonteante (e intrigante) da
euforia à depressão, sem escalas. Isso, quando se trata de torcer pela Seleção.
Para ele, só o resultado de uma partida não é suficiente para deixá-lo
satisfeito e muito menos eufórico. Exige que, com a vitória (encarada como
obrigação), a equipe tenha atuação impecável, sobretudo com “ginga e arte”. Se
vencer, por exemplo, um jogo por 4 a 0, mas cometer muitas falhas, esse
torcedor ficará deprimido, mal humorado
e zangado. Não raro, responderá, no final de partida, mesmo se vencer,
mas se não jogar bem, não com aplausos, sequer discretos, mas com estridentes
vaias.
Refiro-me, aqui, ao
torcedor que freqüenta assiduamente estádios – cada vez mais raro por uma série
de razões, entre as quais a violência, os altos preços dos ingressos e a má
qualidade técnica dos jogos – pois há o meramente ocasional. Este último, às
vezes, nem gosta de futebol. Não torce para clube algum e só se interessa pela
modalidade quando a Seleção Brasileira está envolvida. Seu modo de torcer é
diferente. Mesmo estes torcedores, porém, influenciados pela mídia, revelam
essa característica ciclotímica, posto que não tão acentuada. Ora consideram
nossa equipe imbatível, ora tratam-na como a pior entre as piores. Não se
mostram, todavia, tão passionais e inconstantes como os torcedores, torcedores
de fato, que realmente fazem jus a essa designação, que se fazem presentes com
constância e assiduidade nos estádios, faça chuva ou faça sol.
O pitoresco é que estes
que são verdadeiramente apaixonados pelo futebol – muitos, para não dizer a
totalidade, torcem por seus times até com fervor “religioso” – tratam de forma
diferente seus clubes do coração e a Seleção Brasileira. No primeiro caso, só a
vitória lhes importa, e a qualquer custo, mesmo que jogando mal. Não ligam se
esta advenha de uma falha da arbitragem ou da incompetência do adversário. Seu
lema é “vencer, vencer e vencer”. Quem já não ouviu de algum desses torcedores
que o que importa é a vitória, mesmo que “por meio a zero” e com um gol de mão,
no derradeiro minuto dos acréscimos? A ele não importa, pois, se o time jogou
bem ou se deu caneladas a torto e a direito. Se venceu... estará tudo bem.
Esse mesmo torcedor,
todavia, é sumamente exigente quando se trata da Seleção. Valoriza, por exemplo,
o time de Telê Santana, o de 1982, que não ganhou coisa alguma, mas que jogou
bonito, “com elegância e arte”. No entanto, execra a de 1994, que conquistou o
tetra, mas que, na sua avaliação, deixou muito a desejar. E que, para culminar,
conquistou o título em decisão por pênaltis. E, pior, dependeu, para a
conquista, não da competência dos jogadores brasileiros, mas da incompetência
do adversário, no caso Baggio, que mandou para as nuvens a penalidade decisiva.
Só não entendo o
excesso de rigor para com a Seleção de 1950, tratada como se fosse uma das
piores da história, como se tivesse sido desclassificada logo no início da
competição, acumulando sonoras goleadas do adversário. É certo que a decepção
causada pelo “Maracanazzo” tem tudo a ver com isso. E esse desastre
futebolístico deve-se muito à ciclotimia do torcedor nacional. Até o início da
partida contra o Uruguai, nossa equipe era, para ele, a melhor do mundo. Era
imbatível e invulnerável. O jogo era apenas formalidade necessária para
consagrar o melhor futebol do Planeta. Afinal, o Brasil jogava pelo empate. Até
38 minutos do segundo tempo, estava com a taça na mão. Mas uma partida “só
termina quando acaba”, não é mesmo? E sete míseros minutos foram suficientes
para que o título escorresse por entre os dedos. A euforia deu lugar à
depressão, que levou pelo menos oito anos para se dissipar, com a conquista de
1958.
Aquela Seleção era tão
ruim, como é pintada para as gerações que não a viram, porquanto sequer eram
nascidas? Tecnicamente, era uma das melhores, se não a melhor de todos os
tempos. As raras testemunhas ainda vivas certamente ainda têm claríssima na
memória a acachapante goleada que os comandados do técnico Flávio Costa
aplicaram na excelente seleção espanhola, por 6 a 0, com direito a olé. O
público que lotou o Maracanã cantou, em coro, exaltado, em êxtase e em delírio,
a marchinha “Touradas de Madri”, do Braguinha.
O Uruguai, recorde-se,
foi beneficiado pela tabela. Pura sorte, claro. Mas foi. A “Celeste Olímpica”
fez, apenas, dois jogos, para se classificar para a final. Isso ocorreu pelo
desequilíbrio no número de competidores dos vários grupos, por causa da
desistência, de última hora, da Seleção da Índia, que viu rejeitada pela Fifa
sua exigência para que seus jogadores jogassem descalços. Claro que era (e é)
coisa incabível em uma Copa do Mundo. É certo que, se participasse, seria saco
de pancada dos adversários, como o Taiti foi na Copa das Confederações de 2013.
Mas... desgastaria fisicamente os uruguaios, que não chegariam tão inteiros
para a decisão.
Craques como Ademir de
Menezes (artilheiro da Copa), José Carlos Bauer, Zizinho, Jair da Rosa Pinto,
Friaça, Maneca e outros tantos, foram execrados pelos torcedores, como se não
passassem de um bando de “pernas de pau”. O goleiro Barbosa – nascido em
Campinas – teve que conviver, até os últimos dias, com a execração
generalizada, responsabilizado pelos dois gols que sofreu, sobretudo pelo
segundo, tido e havido como “frango”. Não foi. Mas... quem se importou? O fato
é que o Brasil perdeu para o Uruguai. E o talento, e até a coragem dos nossos
jogadores, foram questionados (e ainda são até hoje por quem sequer tinha
nascido na ocasião). Nossos craques foram vistos como “covardes”, assustados
com os pueris arroubos de valentia de Obdúlio Varela. Ora, ora, ora...
Essa ciclotimia do
torcedor brasileiro ficou mais evidente do que nunca no último amistoso da
Seleção Brasileira antes da Copa de 2014. Até o jogo contra o Panamá, os
comandados de Felipão eram considerados favoritos absolutos à conquista do
Mundial, com base na sua atuação na Copa das Confederações de 2013 e nos
amistosos subseqüentes. Bastou, porém, que a equipe se apresentasse mal contra
a Sérvia, para que o humor da torcida se transformasse da água para o vinho. E
olhem que o Brasil ganhou, mesmo que por magro 1 a 0. Imaginem se perdesse!
Subitamente, o torcedor passou a ver tudo errado: a zaga brasileira já não é a
melhor do mundo, o meio de campo é lento e erra muito passe, o ataque é sem
talento, sem imaginação e fácil de ser marcado e nosso melhor craque – talvez
único – Neymar, não passa de um contumaz “cai cai”, mero produto da mídia. Ou
estou exagerando? Acessem as redes sociais, sobretudo o Twitter e o Facebook, e
verão que não estou.
Mas... nem tanto ao
céu, nem tanto à terra. A atual Seleção provavelmente não é a melhor do Planeta
(avaliação sumamente subjetiva), mas também não é pior do que as outras
favoritas. Tem chances um tantinho maiores do que as badaladas Espanha,
Argentina, Alemanha, Itália ou, até mesmo, Uruguai, Holanda ou Bélgica, por uma
série de razões. Isso não quer dizer que a conquista do hexa é líquida e certa.
Não é! Futebol é um jogo. Favoritismo não é sinônimo de vitória. Se assim
fosse, a modalidade não seria fascinante como é. Seria sem graça.
Como essa Seleção será
tratada pela História depois de 13 de julho? Será reverenciada como a de 1970,
como a “oitava maravilha do mundo” ou execrada como as de 1954, 1966, 1974,
1978, 1986, 1990, 2006 e 2010, como um “bando de pernas de pau”, sem compromisso
com o País, como um grupo de mercenários de olho, apenas, na própria carreira e
nos dólares (ou euros) que venham a engordar suas contas bancárias? Nas
próximas semanas, iremos saber.
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