Saturday, June 21, 2014

Futuro de incertezas

 Pedro J. Bondaczuk


A Revolução Sandinista na Nicarágua, que colocou um fim em cerca de 36 anos de reinado absoluto da família Somoza no país, atinge, hoje, o sexto ano de existência, com os nicaragüenses submetidos a grandes privações e terríveis tensões.

Muitos dos que participaram daquela memorável jornada estão, agora, no lado contrário ao do regime que ajudaram a implantar, lutando para a deposição dos antigos camaradas de armas. São os casos mais ostensivos de Alfonso Robelo e de Éden Pastora, acusados de terem cedido aos “cantos de sereia” da Agência Central de Inteligência dos EUA, a toda-poderosa CIA, que lhes teria prometido o poder integral, e não apenas parcial, caso se voltassem contra os companheiros de ontem.

O jornal que serviu praticamente de estopim para a deflagração do movimento para depor Anastázio Somoza, o “La Prensa”, hoje não goza das boas graças dos sandinistas. E desde 16 de março de 1982 é mantido sob permanente censura.

Recorde-se que foi após o assassinato do diretor daquele órgão, Pedro Joaquin Chamorro, ocorrido em 10 de janeiro de 1978, atribuído a exilados cubanos a mando do ditador nicaragüense, que a população começou a prestar um apoio mais decisivo aos rebeldes do “Comandante Zero”.

Isso possibilitou aos então guerrilheiros irem conquistando cidade após cidade, até chegarem à capital, em 10 de junho de 1979, fustigando o presidente em seu próprio bunker, em Manágua.

Em 17 de julho daquele ano, sentido que o poder lhe fugia por entre os dedos como um “peixe esguio e escorregadio”, como dizia Gabriel Garcia Márquez em seu livro “O Outono do Patriarca”, Anastázio Somoza compreendeu que tudo estava praticamente perdido.

Resolveu, então, deixar a Nicarágua, não sem antes tentar uma desesperada manobra, entregando o governo a Francisco Urcuyo Maleaños, seu fiel lugar-tenente, partindo para um exílio que ele acreditava breve, no Paraguai. Enganou-se redondamente.

No dia seguinte, o testa-de-ferro do ditador foi literalmente expulso do país, que entrava, no dizer dos líderes da Frente Sandinista de Libertação Nacional, numa nova era. Abria-se, no seu entender, para a Nicarágua um período de reconstrução econômica e construção institucional.

Alguns otimistas latino-americanos acreditaram  nisso e saudaram, festivamente, o fato. Em outros círculos, especialmente dos EUA (então governados por Jimmy Carter), o novo regime somente causou naturais desconfianças e apreensões.

Em 1980, a agência UPI distribuiu um documento, em espanhol, mostrando quais eram aas preocupações norte-americanas para a década na América Latina. Encabeçando a lista estava, evidentemente, Cuba e suas tentativas de exportar a revolução de Sierra Maestra. Vinham, a seguir (não necessariamente nesta ordem), a questão do Canal do Panamá, cuja concessão aos EUA expira em 1999; a imigração ilegal de hispanos-americanos; a competição dos “chicanos” pelo mercado de trabalho e o sandinismo na Nicrágua. Provavelmente a oposição ao novo regime, por parte da Casa Branca, já tenha surgido ali, em pleno governo do democrata Jimmy Carter.

Com a ascensão de Ronald Reagan aa presidência, as coisas começaram a “esquentar” para a Frente Sandinista. Em fevereiro de 1981, foi feita uma denúncia, de que antigos integrantes da guarda somozista estariam sendo treinados em guerra de guerrilhas nas proximidades de Miami.

Na ocasião, não se deu grande importância à acusação. Foi um erro. Hoje, quando 12 mil nicragüenses já perderam a vida numa estúpida guerra civil, se percebe que o conflito da América Central começou, de fato, ali. Ou seja, antes mesmo da vinda dos anti-sandinistas para as fronteiras da Nicarágua.

O futuro da Revolução daquele país, à primeira vista, não parece ser dos mais promissores. Embargado pelos EUA, acossado pelos guerrilheiros e temeroso por uma longamente esperada invasão norte-americana, o regime ainda tem que enfrentar naturais descontentamentos internos, ditados pelas privações a que o país está submetido.

Algumas metas originais do movimento foram abandonadas. Alianças perigosas (como com a União Soviética) foram costuradas um tanto às pressas. E agora, não somente a Revolução, mas a própria Nicarágua, correm o sério risco de serem colhidas pelas conseqüências de uma “guerra fria” entre as superpotências, iniciada há quatro décadas, e que ninguém sabe como vai acabar.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 19 de julho de 1985).


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