Futuro de incertezas
A Revolução Sandinista na Nicarágua, que colocou um fim em
cerca de 36 anos de reinado absoluto da família Somoza no país, atinge, hoje, o
sexto ano de existência, com os nicaragüenses submetidos a grandes privações e
terríveis tensões.
Muitos dos que participaram
daquela memorável jornada estão, agora, no lado contrário ao do regime que
ajudaram a implantar, lutando para a deposição dos antigos camaradas de armas.
São os casos mais ostensivos de Alfonso Robelo e de Éden Pastora, acusados de
terem cedido aos “cantos de sereia” da Agência Central de Inteligência dos EUA,
a toda-poderosa CIA, que lhes teria prometido o poder integral, e não apenas
parcial, caso se voltassem contra os companheiros de ontem.
O jornal que serviu praticamente
de estopim para a deflagração do movimento para depor Anastázio Somoza, o “La
Prensa”, hoje não goza das boas graças dos sandinistas. E desde 16 de março de
1982 é mantido sob permanente censura.
Recorde-se que foi após o
assassinato do diretor daquele órgão, Pedro Joaquin Chamorro, ocorrido em 10 de
janeiro de 1978, atribuído a exilados cubanos a mando do ditador nicaragüense,
que a população começou a prestar um apoio mais decisivo aos rebeldes do
“Comandante Zero”.
Isso possibilitou aos então
guerrilheiros irem conquistando cidade após cidade, até chegarem à capital, em
10 de junho de 1979, fustigando o presidente em seu próprio bunker, em Manágua.
Em 17 de julho daquele ano,
sentido que o poder lhe fugia por entre os dedos como um “peixe esguio e
escorregadio”, como dizia Gabriel Garcia Márquez em seu livro “O Outono do
Patriarca”, Anastázio Somoza compreendeu que tudo estava praticamente perdido.
Resolveu, então, deixar a
Nicarágua, não sem antes tentar uma desesperada manobra, entregando o governo a
Francisco Urcuyo Maleaños, seu fiel lugar-tenente, partindo para um exílio que
ele acreditava breve, no Paraguai. Enganou-se redondamente.
No dia seguinte, o testa-de-ferro
do ditador foi literalmente expulso do país, que entrava, no dizer dos líderes
da Frente Sandinista de Libertação Nacional, numa nova era. Abria-se, no seu
entender, para a Nicarágua um período de reconstrução econômica e construção
institucional.
Alguns otimistas
latino-americanos acreditaram nisso e
saudaram, festivamente, o fato. Em outros círculos, especialmente dos EUA
(então governados por Jimmy Carter), o novo regime somente causou naturais
desconfianças e apreensões.
Em 1980, a agência UPI distribuiu
um documento, em espanhol, mostrando quais eram aas preocupações
norte-americanas para a década na América Latina. Encabeçando a lista estava,
evidentemente, Cuba e suas tentativas de exportar a revolução de Sierra
Maestra. Vinham, a seguir (não necessariamente nesta ordem), a questão do Canal
do Panamá, cuja concessão aos EUA expira em 1999; a imigração ilegal de
hispanos-americanos; a competição dos “chicanos” pelo mercado de trabalho e o
sandinismo na Nicrágua. Provavelmente a oposição ao novo regime, por parte da
Casa Branca, já tenha surgido ali, em pleno governo do democrata Jimmy Carter.
Com a ascensão de Ronald Reagan
aa presidência, as coisas começaram a “esquentar” para a Frente Sandinista. Em
fevereiro de 1981, foi feita uma denúncia, de que antigos integrantes da guarda
somozista estariam sendo treinados em guerra de guerrilhas nas proximidades de
Miami.
Na ocasião, não se deu grande
importância à acusação. Foi um erro. Hoje, quando 12 mil nicragüenses já
perderam a vida numa estúpida guerra civil, se percebe que o conflito da
América Central começou, de fato, ali. Ou seja, antes mesmo da vinda dos
anti-sandinistas para as fronteiras da Nicarágua.
O futuro da Revolução daquele
país, à primeira vista, não parece ser dos mais promissores. Embargado pelos
EUA, acossado pelos guerrilheiros e temeroso por uma longamente esperada
invasão norte-americana, o regime ainda tem que enfrentar naturais
descontentamentos internos, ditados pelas privações a que o país está
submetido.
Algumas metas originais do
movimento foram abandonadas. Alianças perigosas (como com a União Soviética)
foram costuradas um tanto às pressas. E agora, não somente a Revolução, mas a
própria Nicarágua, correm o sério risco de serem colhidas pelas conseqüências
de uma “guerra fria” entre as superpotências, iniciada há quatro décadas, e que
ninguém sabe como vai acabar.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 19
de julho de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment