Violência
como maldição
Pedro J. Bondaczuk
A luta pela independência indiana começou com o
massacre de Amritsar, ocorrido em 14 de abril de 1919, quando soldados
britânicos dispararam contra uma multidão que se concentrava numa praça dessa
cidade sagrada da seita “sikh”, no Estado do Punjab.
Nesse incidente, 379 nacionalistas foram mortos e
1.208 ficaram feridos. Desde então, mesmo contando com a lúcida e
extraordinária liderança de Mohandas Karamanchand Gandhi, chamado de “Mahatma”,
palavra que significa Grande Alma, a violência tomou conta da Índia. Isto, a
despeito do carismático líder nacional defender métodos absolutamente não
violentos para a obtenção da autonomia.
É impossível alguém precisar a quantidade de pessoas
que perderam a vida nos inúmeros conflitos, principalmente religiosos, mas, em
geral, de fundo político. Somente no êxodo pós-independência, estima-se que
dois milhões de indianos tenham morrido.
A mesma Amritsar, que foi palco da tragédia inicial
que lançou as raízes da tese autonomista, voltaria a presenciar um outro
massacre, maior do que o de 1919. E este foi o de irmãos contra irmãos, o que
tornou o fato muito mais grave. Foi a tomada, pelas armas, do Templo Dourado
dessa cidade, o local mais sagrado dos “sikhs”, onde radicais secessionistas
dessa seita estavam entrincheirados.
A operação foi levada a efeito em 6 de junho de
1984, após uma ordem pessoal, dada pela então primeira-ministra Indira Gandhi.
A desastrada decisão custou a vida de cerca de 700 pessoas. Desde então, a
Índia, que já estava mergulhada na violência, passou a viver num clima de
pesadelo e terror.
O Mahatma, certamente, não aprovaria essa atitude
intempestiva. Teria recomendado a via da negociação, mais demorada, mas que
nunca deixa seqüelas. A governante, porém, não admitiu o desafio à sua
autoridade. Na invasão do Templo Dourado, o próprio líder radical “sikh”,
Jarnail Singh Bindranauale, foi morto.
Os extremistas, ao invés de se encolherem,
resolveram partir para a retaliação. Desde a ocorrência dessa desastrada operação
militar, nenhum político mais teve segurança alguma dentro do país. A primeira
vítima a tombar foi o líder do governo do Punjab, Hardayal Singh, assassinado
em 16 de junho de 1984. Quatro meses depois, seria a vez da própria Indira
tombar diante das balas assassinas de dois de seus guarda-costas “sikhs”.
Mas a carnificina não parou por aí. A escalada da
violência, ao invés de detida, foi acelerada. Em 24 de julho de 1985, Rajiv
procurou o caminho que sua mãe deveria ter buscado, o do acordo, e nunca o da
confrontação, mas já era tarde. Firmou um pacto de paz com o líder moderado da
seita separatista, Hsarchant Singh Longoval. De nada adiantou.
Quase um mês depois, esse dirigente “sikh” foi
assassinado pelos próprios correligionários, em 20 de agosto, por radicais do
Akali Dal dissidente. Em 10 de agosto de 1986, chegou a vez do militar que
chefiou o ataque ao Templo Dourado de Amritsar, general Arun Vaidya, pagar com
a vida por essa ação.
Rajiv escapou, por pouco, do mesmo destino, em 2 de
outubro de 1986, quando saiu ileso de um atentado a bomba, enquanto assistia a
uma cerimônia pelo 117º aniversário de nascimento do Mahatma Gandhi. Anteontem,
todavia, não teve a mesma sorte.
Não se sabe se sua morte foi obra dos “sikhs” ou dos
tamis, mas uma coisa é certa: foi uma trágica conseqüência pelo fato dos
indianos nunca terem dado ouvidos às pregações de não violência do pai da
independência da Índia, ele próprio vítima do braço assassino de Naturam Godse,
que o abateu em 30 de janeiro de 1948.
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do
Correio Popular, em 23 de maio de 1991)
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