Vitória
da vida
Pedro J. Bondaczuk
O
brasileiro é tido e havido mundo afora, por quem nos conhece apenas
superficialmente – pelo Carnaval, pelas praias ensolaradas e quentes, repletas
de pessoas saudáveis, bonitas e desnudas, exibindo corpos bem talhados
etc.etc.etc. – como povo alegre e feliz. Quando se aprofunda um pouquinho mais
no conhecimento do nosso país, no entanto, quando atenta para o noticiário do
dia a dia no Brasil – repleto de violência, corrupção, miséria e inconsciência
– descobre, surpreso, que tudo o que achava de nós não passa de estereótipo.
Não somos nada melhores (e nem piores) do que qualquer outro povo. Conclui que
o brasileiro não é tão alegre como supunha e nem tão cordial. Ademais, a
alegria não é questão coletiva, característica de algum grupo específico. É
individual. Depende de como cada pessoa encara a realidade e das circunstâncias
que a envolvem.
Entretanto,.a melhor maneira de mostrarmos apreço e
veneração pela vida é cultivarmos a alegria. Não é fácil, convenhamos. Somos
confrontados, da manhã até a noite, com coisas tristes, acabrunhantes,
preocupantes, não raro terríveis que tendem a nos tornar, no mínimo, azedos e
mal-humorados. O ideal, todavia, é jamais nos deixarmos abater pelo que de ruim
nos aconteça, ou ocorra ao nosso redor. É aprender a “sempre” extrair lições
dos sofrimentos e tragédias próprios e/ou alheios. É atentarmos para os
pequenos episódios positivos do dia a dia que, somados, se revelam maiúsculos,
mas que, muitas vezes, entregues a tolas mágoas e estúpidos rancores, não
sabemos valorizar devidamente.
Muitos,
no íntimo, até concordam com essa colocação. Contudo, na hora de agir... é
aquela tragédia! Optam, até inconscientemente, pelo ruim, pelo triste ou pelo
violento. Ou pior: por todas essas características negativas simultaneamente.
Foram condicionadas para isso. É o comportamento dominante ao seu redor. O
filósofo, historiador e escritor norte-americano Will Durant (cujo nome de
batismo era William James Durant), observou, no seu livro “Filosofia da Vida”,
que “somos uma geração triste: nossa alegria não passa de tentativa para encher
com a verbalidade o vazio do coração”. Exagero? O leitor sabe que não. Quem
quiser pode conferir, agora mesmo, sem precisar se deslocar para lugar algum,
esse comportamento coletivo. É só observar o que ocorre ao seu redor.
Renè
Dèscartes, na tentativa de buscar a verdade, negou, inicialmente, a existência
de tudo, até dele mesmo. Depois, partiu de uma premissa básica para
"negar" sua negação: a célebre "cogito, ergo sum". Ou seja:
penso, logo existo. Talvez hoje, a rigor, a única conclusão exata a que
possamos chegar ainda seja apenas esta: existimos, porquanto pensamos. Mas o
que é a vida? Hoje a ciência conhece praticamente tudo a seu respeito, como se
origina, como funciona, o que fazer para que seja saudável etc.etc.etc. Só não
sabe, todavia, o que de fato é. A vida
é, sobretudo, mistério. É muito mais do que o DNA, do que meros conjuntos de
aminoácidos combinando para formar proteínas componentes de células, tecidos,
órgãos, estruturas completas. Há algo impalpável que anatomista algum, nenhum
cientista, por mais perito e competente que seja, conseguiu isolar, separar,
dissecar, entender ou explicar, posto que é imaterial.
Apesar
da raridade da vida, tanta gente atenta, 24 horas por dia, 365 dias de um ano,
através de décadas, séculos, milênios, contra esse dom, esse mistério, esse
milagre. O Brasil, infelizmente, é um dos países mais violentos do mundo. Sua
história, relativamente curta, foi escrita com sangue, muito sangue,
notadamente de negros e de índios. Hoje morrem mais pessoas em nossas cidades,
vítimas da violência (assassinatos, roubos, acidentes de todos os tipos,
principalmente os de trânsito etc.), do que as vítimas dos mais ferozes
combates das várias guerras travadas mundo afora. Filmes, novelas, histórias
passam a impressão, a cada momento, que matar é ato normal e corriqueiro. Que
isso faz parte do processo de seleção natural existente no mundo. Claro que
essa visão não é a correta! Lógico que essa posição é sumamente imoral!
Evidentemente não é atitude de um ser racional, capaz de saber o que é o bem e
o que é o mal. No entanto, é a que predomina, mostrando que o homem ainda tem
muito a aprender para que de fato possa ser racional.
O Talmud, livro sagrado dos judeus, acentua que “quem salva
uma só vida faz como se salvasse o mundo inteiro; quem destrói uma só vida faz
como se houvesse destruído o mundo inteiro”. E não importa se esta for humana,
animal ou vegetal. Embora muitos não se dêem conta, todos temos a ver com todos
e com tudo o que nos cerca. Os que têm mais condições, os que são mais fortes,
mais instruídos, mais sábios, têm, claro, maior responsabilidade, embora
ninguém possa e nem deva se eximir dela. Sejamos, pois, hoje e sempre, agentes
da construção e jamais da destruição. Saibamos valorizar, proteger e perpetuar
esse milagre, esse privilégio, essa aventura maravilhosa que é a vida.
Carlos
Drummond de Andrade escreveu, em certa ocasião, que “a poesia fugiu dos livros,
agora está nos jornais”. “Mas como?”, pergunto aos meus botões, ciente, como
poucos, do teor do noticiário diário (afinal, sou e sempre fui editor de
jornal), com seu desfile de taras, velhacarias, aberrações, violências e
tensões. Seria mesmo assim ou o poeta estaria forçando a barra? Onde a beleza,
por exemplo, dos ataques terroristas? Onde a beleza dos massacres,
principalmente de crianças, mulheres e velhos? Como vislumbrar poesia na fome,
no abandono, na depredação da natureza etc.etc.etc? Ocorre que, mesmo nessas
distorções, há “vida”. Certamente Drummond quis referir-se a ela. E esta tem
que ser, sempre, exaltada, valorizada, defendida e protegida, por se tratar de
fenômeno precioso, de verdadeiro milagre e provavelmente raro na vastidão
universal.
Viver
é bom. É magnífico. É transcendental, sejam quais forem as circunstâncias. Não
há como não concordar com Aléxis Carrel, quando afirma: “A alegria é o sinal
pelo qual a vida marca seu triunfo”. Devemos viver com alegria e otimismo cada
dia, mesmo (ou principalmente) aqueles momentos de aflição e de dor, que todos
temos em nosso caminho quando menos esperamos. Nestes casos, uma postura alegre
e positiva torna mais suave a travessia desses instantes ruins que, como tudo
na vida, também são passageiros. Não conheço uma única pessoa, por mais amarga
e infeliz que seja, que não defenda, pelo menos da boca para fora, a alegria.
A
diferença é que tais indivíduos consideram que essa condição é para os
“outros”, não para eles. Ou seja, não vivem o que pregam. São dos que deixam
implícito o célebre “faça o que falo, não o que faço”. Daí serem tão amargos,
tão mal-humorados e tão negativos. Apostam na infelicidade e, por conseqüência,
são, de fato infelizes. Artur da Távola indaga, com pertinência, a propósito:
“Do que adiantará um discurso sobre a alegria se o professor for um triste?”.
Sim, de que vai adiantar?! Sejamos, pois, vencedores, sobrevivendo e ajudando
outros a sobreviverem. E brindemos cada vitória da vida com o que caracteriza
com perfeição esse sucesso: a inarredável alegria. Difícil? Sem dúvida, como demonstrei!
Impossível? Jamais, a menos que sejamos renitentes derrotistas.
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