Pedro J. Bondaczuk
O poeta paraibano Augusto dos Anjos (cujo nome completo é Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos) é uma das figuras mais pitorescas e controvertidas da literatura brasileira, quer por algumas (digamos) “manias” que o caracterizaram, quer pelo estilo peculiar de compor. Na minha juventude, lá pelos anos 60, ele era bastante popular entre jovens estudantes, em sua (ou nossa) ânsia de expressarem rebeldia contra o status quo vigente. Decorei, e declamei com fervor (e até com furor) vários de seus poemas que, no fundo no fundo, quando analisados com rigor, se revelam sumamente pessimistas, com descrições recorrentes de cadáveres, doenças, tragédias, fracassos, morte e podridão.
Claro que essa minha fase de contestação não tardou a passar. Todavia, nem por isso deixei de apreciar sua obra, mesmo que as idéias que expõe sejam diametralmente opostas às minhas. Sem ser alienado (o que é impossível levando em conta minha profissão, a de jornalista, que lida diariamente com fatos nus e crus e com a duríssima realidade do ser humano, com seus vícios, loucuras e contradições), sou incorrigível otimista. Creio que algum dia o homem haverá de evoluir para a quase perfeição e instituir uma sociedade justa e inteligente, em que não haverá discriminação de nenhuma espécie, nem violência, nem egoísmo, nem essa feroz competição não raro estúpida e sem sentido, que será substituída pela cooperação. Quando isso irá ocorrer? Não sei!!! Certamente não na minha geração e nem na dos meus futuros tataranetos. É uma utopia? Sem dúvida. Mas é um ideal que vale a pena nutrir e batalhar para que se torne real.
Até hoje meus amigos de juventude (cada vez mais escassos dada a morte de muitos deles) não entendem como um sujeito que acredita no que acredito pudesse (ou possa) apreciar a poesia mórbida e sombria de Augusto dos Anjos. Ocorre que ele tinha tamanho talento, que soube, como ninguém, extrair beleza do suprassumo da feiúra, da decadência e do horror. Leiam o único livro que ele nos legou, “Eu e outras poesias”, e com certeza me darão razão. Ademais, não fui o único a ficar embevecido com a maneira dele tratar temas tão aflitivos e nada atrativos. Augusto dos Anjos foi o poeta da moda de boa parte de toda uma geração: a minha.
A enciclopédia eletrônica Wikipédia traz algumas informações pitorescas sobre o comportamento desse poeta, que foi, em boa parte da sua vida, professor (lecionou, entre outras instituições, no tradicional colégio Dom Pedro II, do Rio de Janeiro), uma das quais considero digna de menção. Refere-se à sua maneira de compor. Ao contrário da maioria (talvez da totalidade) dos poetas, que escrevem seus versos á medida que os elaboram, fazendo os devidos arranjos e correções, Augusto dos Anjos compunha “de cabeça”. Ou seja, pronunciava seus poemas, como se existissem previamente e fossem decorados, sempre em voz alta e com gestos largos e dramáticos, para enfatizá-los. Como tinha memória prodigiosa, só depois de declamá-los inteiros, transcrevia-os, e exatamente da forma original que os concebera. Quem fez essa revelação foi seu amigo Orris Soares, sem esconder, óbvio, seu espanto.
O excêntrico poeta paraibano compunha, quando morava no Rio de Janeiro, no quintal de sua casa, para incômodo e desgosto dos vizinhos, que não entendiam a razão daqueles “discursos” vibrantes e veementes que se viam forçados a ouvir com irritante frequência. Aliás, não só eles não entendiam essa atitude bizarra. A própria irmã do poeta achava que ele fosse doido e, pelo sim pelo não, preferia não “contrariá-lo”, nunca mencionando ou questionando esse seu comportamento.
Era um figuraço, esse Augusto dos Anjos!!! Tinha, todavia, um talento que até hoje, passados quase 98 anos da sua morte (morreu em 12 de novembro de 1914, em Leopoldina, Minas Gerais, onde trabalhava como diretor de uma escola local, vítima de pneumonia) causa assombro aos críticos e estudiosos de literatura (mesmo os que não apreciam o conteúdo dos seus poemas) pela perfeição e originalidade formal.
Os “experts” divergem, inclusive, quanto à sua classificação. Para uns, ele foi parnasiano, pela forma perfeita de estruturar as composições. Para outros, foi simbolista, dados os temas que explorou e a maneira como o fez. Da minha parte, concordo com Ferreira Gullar, que o identifica como precursor do modernismo, pois seus poemas têm todas as características do expressionismo.
Mesmo discordando de sua visão de vida (e discordo, de fato), Augusto dos Anjos continua sendo um dos meus poetas preferidos. Faço, todavia, uma ressalva. Está entre minhas preferências não mais pela razão que estava em minha juventude (a de dar voz à minha incipiente e juvenil rebeldia sem causa). Gosto dele porque escreve bem e tem coragem de expressar, às claras, idéias que a maioria que as tem iguais nega ter, com receio de ridículo.
Depois dessas minhas breves e nada técnicas considerações a propósito de Augusto dos Anjos, o leitor que não o conhecia, e que tenha tomado conhecimento de sua existência exclusivamente com base neste texto, provavelmente irá concluir que se há um poeta que não tenha “louvado” jamais a primavera, ou qualquer coisa bela da natureza, este é o nosso excêntrico e bizarro personagem. Se chegar a essa conclusão, no entanto, estará enganado, como eu estive.
Para a minha surpresa e espanto, localizei, em seu único livro, este belíssimo (e surpreendente) soneto sobre esta estação do ano (caracterizada por clichês literários, não raro chatos e recorrentes), abordado com ternura e com saudade, que partilho com vocês:
Primavera
“Primavera gentil dos meus amores,
Arca cerúlea de ilusões etéreas,
Chova-te o Céu cintilações sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!
Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul, dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!
Cedo virá, porém, o triste outono,
Os dias voltarão a ser tristonhos
E tu hás de dormir o eterno sono,
Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerúleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores”.
No plano filosófico, ouso afirmar que Augusto dos Anjos foi o precursor do existencialismo, mesmo que, provavelmente, não conhecesse seus principais mentores, Soren Kirkegaard e Jean-Paul Sartre, mas comungando suas idéias a propósito do ser humano, não necessariamente o “pensante”, mas o “instintivo” e de seu destino, fora do seu controle. É um poeta que requer mais estudos, principalmente por ter vivido em tempo errado, muito antes do que deveria, que é o de hoje, deste século XXI, cheio de incertezas, promessas, ameaças e pavores.
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