Pedro J. Bondaczuk
O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, conseguiu, com suas idéias reformistas, revolucionar (no autêntico sentido da palavra “revolução”) uma parte considerável do mundo. Talvez 50% de toda a humanidade, se não mais. Quando esteve na China, em maio passado, por exemplo, suas propostas de mudança serviram como bandeira para os estudantes chineses, que reivindicavam democracia.
Amanhã ele vai estar na Alemanha Oriental, para os festejos dos 40 anos de fundação desse Estado. E tudo indica que o fenômeno vá se repetir, embora menos intenso. A crise dos refugiados, no entanto, mostra que há pouca coisa para os alemães orientais comemorarem.
Aliás, o direito de ir e vir das pessoas deveria ser sagrado. Se o sujeito não se sente bem num lugar e tem quem o deseje em outro, por que não permitir que ele vá para lá? Caso esse cidadão não consiga prover, por uma razão ou por outra, o seu sustento, o governo do país que lhe impede a saída vai lhe dar proteção social efetiva?
Os marxistas, até aqui, sempre disseram que sim! Afirmaram, por exemplo, que a sociedade que implantaram no Leste europeu era igualitária. Que não havia diferença de classe nela. Que por ali quem não trabalhasse não comia. As recentes revelações feitas na União Soviética, na esteira da “glasnost”, mostraram que isso nunca passou de ficção. Ou, mais especificamente, de uma deslavada mentira.
O primeiro-ministro Nikolai Ryzhkov, por exemplo, falando numa sessão do Soviete Supremo, há cerca de três meses, revelou, com uma clareza meridiana, para não deixar dúvidas em ninguém, que um sexto da população soviética (ou seja, 40 milhões de pessoas) vive abaixo da linha da miséria. Onde a igualdade? Seria isto, por acaso?
`Portanto, não existe sociedade perfeita. Quem tem o direito de me obrigar a me associar a alguém? Ou de não me associar, se essa sociedade for ilegal? De policiar os meus passos? De querer saber onde eu vou e por que? Muita gente que está fugindo agora da Alemanha Oriental, inclusive, não vai se adaptar no Ocidente. Por aqui não existe nenhum paraíso. Essas pessoas devem estar agindo dessa forma, quem sabe, exatamente por causa da proibição. Afinal, desde que o homem é homem, o proibido sempre causou uma irresistível atração.
Houvesse liberdade para emigrar na Alemanha Oriental (e em outros países do Leste), muita gente iria pensar duas vezes antes de partir para uma aventura de tamanho porte. De decidir mudar por completo sua vida. De ter de arranjar um novo emprego, fazer novos amigos, criar novas raízes, estabelecer-se. Quanto mais se reprimir a vontade das pessoas, mais elas vão ansiar pela fuga. E não vão adiantar muros (o de Berlim não resolveu), cortinas ou seja lá o que for.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 5 de outubro de 1989).
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