Pedro J. Bondaczuk
Gustave Flaubert afirmou, em carta a um amigo, que "o artista deve estar na sua obra como Deus na criação: presente porém invisível". A citação vem a propósito de solicitação de um leitor, que pede uma hipotética "receita de escrever bem". Existe alguma, santo Deus?!! Se existe, confesso que não me julgo habilitado a tratar dela. Não passo de "aprendiz de feiticeiro" que, mesmo tendo escrito (e publicado) mais de seis mil textos, de vários gêneros e assuntos, em diversos jornais da cidade, do Estado e do País (e na internet) continuo perplexo e hesitante, sem saber se o que escrevi (ou ao menos parte) tem ou não qualidade, importância ou validade. Tomara que tenha...
Em todo caso, há recomendações óbvias, que não custa recordar. A premissa básica é que a pessoa que queira encarar o "desafio" de escrever com relativa correção e criatividade tenha um mínimo de talento, de cultura e de autodisciplina para isso, além, é claro, de gostar da atividade. Deve, sobretudo, colocar paixão e prazer no que faz, sem, no entanto, fazer concessões à lógica e ao bom-senso. Sem isto, suponho, nunca será sequer razoável escritor.
A rigor, poucos, pouquíssimos o são. Os que conseguem essa façanha de qualidade acabam por se imortalizar. Há raríssimos Machados de Assis, Williams Shakespeares ou Carlos Drummond de Andrade por aí. Quantos livros publicados não são enfadonhos, maçantes, quando não ridículos, embora abordando assuntos teoricamente de grande interesse! Creio que apenas 10%, ou menos, do que é publicado (cerca de 50 milhões de títulos por ano), se enquadre na classificação de "bom texto"! De excelente? Quase nenhum!
Há quem fale, amiúde, em "inspiração". Existe isso?!! Por mais que tente, quem não sabe escrever, ou quem não goste, nunca conseguirá o "milagre" de produzir peças criativas, marcantes e duradouras (ou no mínimo legíveis), que agradem até os menos exigentes dos leitores, por mais "inspirado" que esteja. Muitos se julgam escritores, quando na verdade não são. E outros são, sem que se dêem conta.
Mas o que vem a ser, afinal, essa tal de "inspiração", da qual tanto se fala e nada se sabe, caso exista de fato? Nunca li definição pelo menos aceitável dela. O que se usa, e muito, quando se escreve bem, é outra coisa: é a "transpiração". Ou seja, é o trabalho árduo, disciplinado e constante. É a pesquisa acurada e meticulosa. É a leitura ordenada e atenta. São muitas, muitíssimas horas de prática despendidas diante da tela de um computador, já que parte considerável dos redatores (senão a totalidade) utiliza, hoje em dia, esse magnífico, racional e quase indispensável recurso eletrônico, aposentando a velha máquina de escrever.
Há que se ter um certo perfeccionismo, uma perpétua insatisfação, um aguçado e implacável senso de ridículo, sem nenhuma espécie de concessão, em relação ao que se escreve. É preciso escrever, reescrever, tornar a escrever, cortar, acrescentar, burilar o texto, tornar a escrever tudo outra vez, e assim por diante, quantas vezes julgar oportuno ou necessário, num exaustivo processo que só termine quando a autocrítica (que deve sempre acompanhar quem se aventure nesse instável e perigoso pântano da criação), der o veredito de relativa excelência.
Autran Dourado observa, a propósito desse processo de trabalho que respeita a inteligência do leitor e preserva quem escreve dos riscos do fiasco: "Não gosto da palavra inspiração, pelo que ela tem de mistifório, preferindo a ela a expressão 'idéia súbita'. Esse meu desgosto chega a tal ponto que, quando estou escrevendo com muita fluência e facilidade, paro, certo de que alguma coisa de errado está acontecendo". E, em geral, está mesmo ocorrendo.
Na dúvida sobre a qualidade e pertinência de um texto é melhor consultar quem tenha, sabidamente, senso crítico aguçado. E quanto mais cáustico e exigente for, melhor será. Confesso que caí inúmeras vezes em ridículo, cego de presunção, achando que sabia tudo, por não querer me submeter à opinião alheia. Quebrei a cara! Deixei-me levar pela vaidade, que neste caso (como em tantos outros) é péssima conselheira, e me dei mal. Há recomendações que são óbvias para quem tem a pretensão e necessidade de escrever bem. Por exemplo, erros de grafia, de concordância, de regência, de crase, ou qualquer outro tipo de agressão às normas da gramática e do idioma, são inconcebíveis e imperdoáveis.
A clareza, por seu turno, é essencial. Há quem procure mostrar erudição, escrevendo de forma pomposa, empolada, pedante, cheia de jargões técnicos e expressões que não são de uso comum. Quem age assim só consegue espantar leitores. Erudição é simplicidade (que não pode ser confundida com infantilidade). É preciso que o escritor tenha conhecimento de causa sobre o que escreve. Ou seja: tenha o que dizer! Um ponto é essencial para que se possa pelo menos pretender escrever bem: ler, ler e ler, farta e incansavelmente. Um bom escritor é, antes de tudo, excelente leitor. André Malraux constatou que "o artista não é aquele que cria, é aquele que sente". Sensibilidade, portanto, é fundamental para que se estabeleça empatia, entendimento e cumplicidade entre quem escreve e quem lê.
Há, por seu turno, ocasiões e assuntos em que, e sobre que, é preferível não escrever. Caso contrário, corre-se o risco de se produzir textos vazios, sem beleza, criatividade, emoção, conteúdo e, por conseqüência, sem nenhuma serventia. Há, também, descrições que se fazem dispensáveis, por serem redundantes. Há idéias cuja transcrição para o papel se constitui, no mínimo, em perda de tempo e de esforço (e elas são tantas!!), por sua ineficácia, banalidade ou pelo conteúdo destrutivo que encerram. Mas esta já é uma outra história... Ensinar a escrever bem?! Ora, quem me dera se eu soubesse, querido leitor! Quem me dera!
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