Tuesday, October 16, 2012

O maior problema afegão

Pedro J. Bondaczuk

A União Soviética somente deixará de retirar os seus 115 mil soldados do Afeganistão, ainda neste ano, se as partes envolvidas no conflito, especialmente as autoridades do vizinho Paquistão, teimarem em assumir posições intransigentes, que possam dar a conotação, à saída das tropas, de uma capitulação.

Isto dificilmente Moscou irá admitir, até porque se o fizesse, estaria aceitando, publicamente, a tese da inutilidade da sua invasão e melindrando, em conseqüência, suas poderosas Forças Armadas. As declarações provenientes dos mais diversos escalões do Cremlin tratam o tema da retirada como coisa líquida e certa, tamanha é a vontade de pôr fim a essa desastrosa aventura, que só dissabores e desgastes trouxe para o país.

Nada mais sintomático dessa determinação de acabar com o conflito do que o documentário que a televisão soviética exibiu, anteontem, sobre o Afeganistão, com a duração de 60 minutos. Em momento algum desses oito anos em que as forças de Moscou estão em território afegão o tema foi tratado com tamanha franqueza e profundidade.

Foi, como os observadores classificaram, “uma preparação do espírito da população para a retirada”. A apresentação mostra que a resolução do problema que envenenou as relações entre as superpotências a partir de 1980, está amadurecida, carecendo apenas de pequenos detalhes para ser concretizada.

É bastante provável, até, que a presença do secretário de Estado norte-americano, George Shultz, em Moscou, neste fim de semana, precipite um tão aguardado acordo a esse respeito, distendendo de vez o relacionamento entre Washington e Moscou, que vive clima francamente favorável, após três encontros de cúpula do presidente Ronald Reagan com o líder Mikhail Gorbachev, e em vias da realização de um quarto e inédito, previsto para os próximos quatro meses.

Todavia, a simples retirada das tropas soviéticas de território afegão não vai representar, por si só, a paz para esse miserável e atribulado país, que estava virtualmente esquecido pelo mundo até ser invadido. Quem citava oi Afeganistão no noticiário até a invasão? Quem conhecia alguma coisa a seu respeito que não fosse os dados (quase sempre defasados) constantes dos compêndios de geografia política?

No entanto, esse país sempre teve problemas considerados virtualmente insolúveis. O nível de vida da sua população foi, e continua sendo, dos piores do mundo. Ali, uma pessoa, aos 39 anos, é considerada “velha”. Sua expectativa de vida, quando muito (salvo raras exceções) é de 42 ou 45 anos, no máximo.

A mortalidade infantil, por outro lado, é qualquer coisa de catastrófica. E a renda per capita anual de seus habitantes está entre as três mais baixas do mundo. Isto, os soviéticos não conseguiram mudar. E é tal carência que servirá de “caldo de cultura” para futuros levantes e guerras civis.


(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 21 de fevereiro de 1988).

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