Thursday, October 11, 2012

Amizade espiritual e unilateral

Pedro J. Bondaczuk

A poetisa mineira Henriqueta Lisboa, nascida na cidade de Lambari, em 15 de julho de 1901, não foi muito divulgada, em âmbito nacional. Muita gente, de fora de Minas Gerais, não conhece sua refinada e lírica obra poética, embora ela tenha lhe valido, com toda justiça, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Se não teve, porém, o espaço que merecia na grande imprensa – que, aliás, salvo honrosas exceções, trata muito mal a disciplina Literatura – foi presença constante, quase obrigatória, em publicações especializadas (raras) voltadas especificamente à vida literária.

Tomei contato com a encantadora poesia de Henriqueta Lisboa pelo memorável Suplemento Literário do jornal “O Estado de São Paulo”, que merece todo um capítulo a parte, pela eficaz e competente divulgação que fez, se não me engano por mais de duas décadas, de escritores e de livros, nacionais e internacionais. Era publicado aos sábados e era uma espécie de encarte da edição normal. Um dia ainda escreverei a respeito.

Fiquei fascinado por um determinado poema dessa poetisa mineira publicado no citado suplemento e quis conhecer melhor sua produção poética. Após empreender verdadeira romaria às livrarias de São Paulo, onde então residia, encontrei, e adquiri, um dos vinte livros que ela legou à posteridade, mais especificamente, o intitulado “Azul profundo”. Sua leitura só veio a confirmar a primeira impressão que a escritora me havia deixado e acentuar, por conseqüência, minha admiração por seu estilo e sua forma sutil e delicada de poetar.

Com o tempo e conforme minha disponibilidade financeira (que nunca foi tão grande assim), adquiri mais três livros de Henriqueta Lisboa: “O alvo humano”, “Reverberações” e “Pousada do ser”. Meu sonho é adquirir toda sua obra, caso a encontre, claro, nos tantos sebos que há Brasil afora, levando em conta que sua primeira publicação certamente está esgotada, esgotadíssima, pois data de 1925. Teve o título de “Fogo fátuo”.

Caso Henriqueta estivesse viva, poderia entrar em contato com ela e me informar sobre seus livros anteriores a 1955, ano de lançamento de “Azul profundo”. Infelizmente a poetisa, ensaísta e professora de Literatura morreu, em 9 de outubro de 1985, em Belo Horizonte. Há muito que eu devia esse testemunho público da minha admiração por essa figura que sempre considerei “amiga”, mesmo sem conhecê-la pessoalmente e sem que ela tivesse a menor noção da minha existência (como aconteceu e acontece, aliás, com alguns milhares de escritores). Essas “amizades unilaterais” nos acontecem com muito maior freqüência do que os céticos ousam admitir, estejam certos.

Para comprovar a importância dessa poetisa sensível e criativa na história literária nacional, basta lembrar aos que esqueceram (e informar aos que não sabem), que Henriqueta Lisboa foi a primeira mulher a ser eleita para a Academia Mineira de Letras, que abrigou (e abriga) inúmeros “mitos” da Literatura brasileira. Isso, certamente, não teria ocorrido se sua obra não fosse (mas é) de qualidade e criatividade muito acima da média.

Lí diversos poemas dela alusivos à primavera. E, como aconteceu em relação a outros escritores que abordaram o tema, e dos quais tratei nesta série de reflexões, tive enorme dificuldade em selecionar um específico, a título de exemplo, para partilhar com vocês. Cada um é melhor que o outro. O ideal seria reproduzi-los todos, para lhe fazer justiça. Mas... Como isso é inviável, pelo menos neste espaço, optei por este, que não fica nada a dever a nenhum outro (dela e de outros autores):

Primavera

“Depois do inverno que fora rude
e fechara os caminhos com seus passos de neve,
certa manhã em que havia bailado de borboletas,
desabrochou à altura de minha janela
dentre o verde das folhas tenras,
a primeira rosa vermelha
do meu jardim orvalhado de lágrimas.

Essa rosa era tua, Senhor, era tua,
viera ao mundo para dar-te um momento de glória,
ascender a ti nas asas do aroma
e desfolhar-se, após, delicadamente a teus pés,
em grandes gotas de sangue.

Mas o inverno fora rude,
os caminhos tinham estado fechados pela neve
e as borboletas bailavam tão levemente aquela manhã,
que tomei para mim tua rosa vermelha
e escondi minha face entre suas pétalas
e aspirei seu perfume
e me feri por gosto nos seus espinhos
e tão sofregamente a acariciei,
que ela se desfolhou contra o meu coração”.

O leitor atento já deve ter notado (certamente notou) que todos os escritores que selecionei, para esta série de comentários acerca de como cada um deles abordou determinado tema (no caso específico, a primavera), tiveram algo a ver comigo, por mínimo que esse “algo” fosse. E nem poderia ser diferente. Só podemos escrever com alma e com convicção o que é fruto de nossa experiência pessoal. E esses escritores de que já tratei (e alguns outros que ainda pretendo tratar), encheram meu mundo interior de sabedoria, de alegria, de emoção, de luz, de encanto e de beleza, induzindo-me a refletir sobre a vida e sua transcendência..

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