Pedro J. Bondaczuk
A invasão de determinados países considerados mais fracos por parte de tropas de outros, que lhes são militarmente superiores, sem que haja nenhuma declaração formal de guerra, começa a se tornar uma perigosa rotina. Essa prática, há muito, vem sendo exercida pela África do Sul, especialmente nos "bantustans" que seu regime vive apregoando se tratarem de nações independentes e soberanas. Mas não foi somente ali que seus soldados entraram, a pretexto de tentarem destruir bases e outras instalações guerrilheiras do grupo Congresso Nacional Africano. Suas incursões mais freqüentes, neste segundo caso, sempre foram desfechadas, no passado, contra Moçambique e Botswana. Ontem, além deste último, os agredidos foram Zâmbia e Zimbabwe.
Angola também foi vítima, em inúmeras oportunidades, dessa prática. Mas no caso angolano, o pretexto mais comum foi a represália contra o apoio desse país à Swapo, única entidade guerrilheira em todo o mundo a contar com o respaldo e o reconhecimento da Organização das Nações Unidas, como legítima representante do povo da Namíbia, ex-colônia alemã na África, à qual os sul-africanos recusam em conceder a independência. Em algumas dessas incursões, as tropas do Estado racista causaram sérios prejuízos econômicos, além de inúmeras mortes e aldeias inteiras destruídas, sem que o agressor sofresse nenhuma espécie de punição.
Frise-se, em abono ao regime de Pretória, que não é apenas a África do Sul que age dessa maneira ilegal e atrabiliária. Recorde-se que as tropas soviéticas mantêm, por quase sete anos, o Afeganistão, outrora soberano, sob ocupação militar. Fora os russos, que já pintaram e bordaram pela Europa Oriental, invadindo a Hungria e a Checoslováquia e interferindo acintosamente nas questões internas da Polônia, a outra superpotência (os Estados Unidos) já agiu assim.
É desnecessário lembrar a sua desastrosa intervenção no Vietnã, prolongando um conflito que poderia ter sido breve e com resultados menos desastrosos, se eles não houvessem se intrometido na questão. Em 1983, os "mariners" de Tio Sam repetiram a dose, entrando na pequena ilha de Granada, um ponto tão pequeno no mapa do Caribe, que chega a ser virtualmente ilocalizável.
Há 34 dias, a Armada norte-americana deu um exemplo, dos mais eloqüentes, de desrespeito à soberania alheia, quando escudada apenas em suspeitas, atacou duas cidades líbias, causando um número razoável de vítimas. Dessa maneira, pode-se dizer (e nós frisamos esse aspecto na ocasião), firmou-se uma perigosa jurisprudência, que teve, ontem, um novo reforço, com a ação agressiva da África do Sul contra três de seus pobres e indefesos vizinhos.
Não importa quais sejam os pretextos, esses atos armados implicam em intoleráveis ações de guerra. Representam incompreensível retrocesso no campo do Direito Internacional, restabelecendo a "lei da selva", a regra do "quem pode mais chora menos". E não foi isso o que fez a Áustria, em 1914, quando quis punir os sérvios pelo assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando?
Não foi o pretexto de Hitler, ao invadir a Polônia e deflagrar a Segunda Guerra Mundial, com a desculpa de que os poloneses haviam agredido a Alemanha ao, presumivelmente, terem hostilizado cidadãos germânicos naquela aberração que se chamava "Corredor Livre de Dantzig" (atual Gdansk)?
Quantas agressões desse tipo, como as perpetradas ontem, serão necessárias para que a comunidade internacional recobre o juízo? Quanta carnificina terá que ser praticada, para que a diplomacia volte a ser a única maneira civilizada de se resolver controvérsias de quaisquer espécies?
Será necessária uma crise de grandes proporções para que o mundo se conscientize que, tão errado como uma ação terrorista, é esta forma de resposta, atingindo, tal qual nos atos extremistas, dezenas de pessoas inocentes? Ou é preciso surgir um outro Vietnã ou outro Afeganistão para devolver os líderes mundiais à razão?
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 20 de maio de 1986)
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