Pedro J. Bondaczuk
O ano de 2012 é pródigo em eventos comemorativos, quer de personagens e quer de acontecimentos de suma relevância para a cultura e a arte brasileiras. Marca, por exemplo, o 90º aniversário da Semana de Arte Moderna de 1922, que serve de marco para a forma de encararmos as principais manifestações artísticas no País. Desde sua realização, a pintura, a escultura, a música clássica e a literatura nunca mais foram as mesmas nesta terra de Pindorama. Deram significativo salto de qualidade.
Para as artes nacionais, portanto, tratou-se de um divisor de águas. Elas foram umas, antes, e são outras, muito melhores em todos os sentidos – quer os formais, quer os conceituais – depois (e atualmente, claro), com todo o respeito aos artistas da fase que a antecedeu, cujo valor não pode ser desprezado. E ninguém o está desprezando, óbvio, o que, sde fizesse, seria, além de enorme injustiça, uma mega tolice.
Tudo evolui e as manifestações artísticas também. Seria muito ruim para o espírito humano se não evoluísse. A obra de cada artista deve, pois, ser contextualizada e avaliada no respectivo contexto, no tempo em que viveu. Em fevereiro, quando da ocorrência desse aniversário, escrevi a propósito. E, embora a reiteração seja um recurso sempre válido (e não raro indispensável) para fixar conceitos e acontecimentos na memória, não repetirei o que escrevi na ocasião. Há outras tantas coisas sobre as quais escrever.
O ano marca, também, o centenário de um ícone da literatura nacional, do brasileiro que ( provavelmente) só perde para Paulo Coelho em número de livros vendidos pelo mundo afora. Refiro-me, sem dúvida, ao baianíssimo Jorge Amado, cuja obra e cuja memória vêm sendo reverenciadas Brasil afora. Multiplica-se toda a sorte de eventos a propósito, entre a qual destaco o “remake” da dramatização do seu romance “Gabriela, Cravo e Canela”, em forma de novela televisiva, por parte da Rede Globo. Trata-se, pelo que já pude observar, de um trabalho notável de dramaturgia, de requinte e de muito bom gosto, a exemplo, aliás, do que já havia ocorrido, por parte da mesma emissora, em relação às duas versões anteriores dessa preciosa obra literária. Também já escrevi a respeito e, igualmente, não voltarei hoje ao tema.
Outro centenário comemorado em 2012 é, também, de um “ícone”, mas da original, pluralíssima e cada vez mais apreciada mundo afora música popular brasileira, que foi Luiz Gonzaga, carinhosamente apelidado de “Lua”, por razões óbvias, ou seja, pelo formato do seu risonho e simpático rosto. Tenho um carinho especial pela memória desse carismático artista, por tê-lo conhecido pessoalmente e me encantado por sua simpatia e simplicidade, característica dos gênios (o q ue ele foi em sua especialidade e cujas atitudes contrastam com a empáfia e a arrogância dos medíocres e dos basbaques). Também escrevi a seu respeito. E, igualmente, não acrescentarei mais nada àquele texto, a despeito do meu profundo apreço por este magnífico personagem.
Mas, os centenários de 2012 não se esgotam nos casos que mencionei. Há outros, muitos outros, que abordarei oportunamente. Mas o principal é o de uma figura que para mim é marcante por um sem número de razões. Refiro-me ao jornalista, escritor, cronista e apaixonado torcedor de futebol , o recifense Nelson Falcão Rodrigues, ícone, sobretudo, do teatro brasileiro e figura ímpar na cultura do país, quer por sua produção (literária e jornalística), quer por seu comportamento, fora dos padrões usuais, mas que destacam um ser humano sensível, leal, correto e íntegro (além de sumamente criativo, claro). Também já escrevi a seu respeito (e foram vários textos, embora não neste contexto). Só que, ao contrário dos outros, me proponho a escrever, ainda, muito sobre ele até o final deste ano.
Como os personagens anteriores, ele também vem sendo alvo de homenagens de toda a sorte, como exposições, reencenações de suas principais peças teatrais, crônicas em jornais e em inúmeros blogs da internet, republicações de seus livros e vai por aí afora. Como se vê, há muito que se escrever sobre esse centenário e, notadamente, sobre essa figura (justamente) reverenciada. Há tanto que nem sei por onde começar, até para não ser repetitivo, já que escrevi muito sobre ele.
Para ganhar tempo e poder me organizar e assim ser o mais objetivo possível nos próximos textos, hoje resolvi tratar de um dos assuntos que para mim é dos mais caros: livros. Para ser preciso, não se trata de muitos deles, mas de um específico. Trata-se da autobiografia do “Anjo Pornográfico”, cujo título (e não poderia ser outro) é “Nelson Rodrigues por ele mesmo”, publicada pela Editora Nova Fronteira. Nada mais oportuno, para homenagear um escritor, do uma obra escrita por ele, e tratando de um personagem bastante especial: ele próprio.
O livro, organizado pela pessoa mais credenciada a isso, ou seja, sua filha Sônia Rodrigues – que além de tão íntimo vínculo com o jornalista e escritor, é estudiosa aplicada da obra rodrigueana e se dedica a ela há pelo menos 12 anos – traz histórias deliciosas da infância, da juventude e de várias outras fases da vida do “Anjo Pornográfico”. Sua biografia, se não supera os geniais enredos que teceu, certamente se iguala a eles em interesse e dramaticidade. E fica, claro, muito mais saborosa escrita por ele, naquela sua forma inteligente e dosadamenjte irônica, que caracteriza tudo o que escreveu.
A jornalista Roberta Pennafort, da Agência Estado, em um detalhado e excelente texto sobre o livro, escreve em certo trecho, citando esclarecedoras palavras da organizadora da autobiografia a propósito: “Sônia apenas costurou os textos. ‘O que ele falava nas entrevistas diz muitíssimo sobre sua personalidade. Ele era reservadíssimo sobre detalhes da vida pessoal, não entregava o detalhe, mas entregava o sentimento’, acredita. ‘O melhor de tudo é que a fala de Nelson Rodrigues já vem editada, é uma coisa surpreendente, ele falava como escrevia, falava como autor do próprio texto o tempo todo’”.
O importante é que todos os eventos que citei – os 90 anos da Semana de Arte Moderna e os centenários de Jorge Amado, Luiz Gonzaga e do “Anjo Pornográfico” – mostram que o brasileiro não sofre tanto da sua tão apregoada “amnésia” em relação aos seus principais expoentes das artes, dos esportes, da ciência etc. Muitos, certamente, não irão concordar comigo e é até bom e saudável que haja essa discordância. Reitero, todavia, sob o risco de ser veementemente contestado, que a memória do brasileiro não é tão fraca como lhe atribuem. Ah, você não concorda? Que bom! Dá-me excelente pretexto para parodiar Nelson Rodrigues e responder, como ele fez e certamente faria de novo: “Não sou um escritor unânime, porque a unanimidade é uma burrice”.
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