Tuesday, October 30, 2012

Magistral obra criptográfica

Pedro J. Bondaczuk

Há obras dificílimas de se compreender, ora pelo estilo digamos “enrolado” do autor, ora por não conhecermos sequer elementarmente o tema abordado, ora por serem mal traduzidas, quando escritas, óbvio, em outro idioma e vai por aí afora. Sempre me considerei um leitor preparado para encarar os livros mais complexos e foram raríssimos os que me exigiram uma segunda leitura, mais atenta e aplicada que a primeira, para que os entendesse. Uma terceira, então... Só me lembro de um caso. E este exigiu-me mais do que relê-lo três vezes. Para entender esse livro, que se me afigurava (e ainda sem me afigura, mas bem menos) criptográfico, tive de lê-lo quatro vezes. E, ainda assim, há muito ponto duvidoso em meu espírito.

Adianto que essa obra, que desafiou por tanto tempo meu intelecto, não foi nenhum tratado de física, digamos, de mecânica quântica. Embora não domine esse assunto, que foge da minha formação acadêmica e, portanto, da minha competência, quando li um livro a propósito, talvez pelo gosto que tenho pela matemática e por certa habilidade em lidar com essa disciplina, até que entendi razoavelmente o exposto. Claro, nem tudo me ficou esclarecido. Mas ficaram muito mais coisas na memória do que as que consegui captar na primeira leitura de “Ulysses”, de James Joyce.

Vejo muita gente “exibir-se” por aí afirmando ter lido esse livro e, mais, dizendo para quem se dispuser a ouvir que não tiveram nenhuma dificuldade de entender o que o autor expôs. Quando espremidas por perguntas específicas a respeito, no entanto, vacilam e, ou mudam de assunto (o que é mais comum), ou fazem uma série de considerações estapafúrdias e impertinentes que denunciam que não leram coisíssima alguma. Ou que, se leram, entenderam muito menos do que eu entendi, que já não é lá essas coisas.

Volta e meia, tento analisar minha dificuldade para entender qual é o motivo de ter tanta dificuldade para compreender esse romance, uma espécie de paradigma da literatura do século XX (e provavelmente, também, dos vindouros). Da primeira vez que pensei nisso, atribuí o fato à deficiência da tradução. Na segunda vez, li outra edição, traduzida por outra pessoa, e a dificuldade persistiu, foi igual, se não maior. Não, o defeito não estava no tradutor. Questionei meus conhecimentos e concluí que, mesmo com várias lacunas em minha cultura, não era, também, o caso. Até porque conheço bem a “Odisséia”, de Homero, na qual o enredo de Joyce se baseou.

Para mim, seria fácil vir a este espaço e “gargantear” que, não somente li “Ulysses”, como não tive a mínima dificuldade de entender seu conteúdo. Creio que a maioria iria aceitar minha afirmação como verdadeira, sem nenhum questionamento e nem contestação. Se o fizesse, porém, estaria faltando com a verdade. De fato li, reli, treli e quadreli (se é que existe este termo) e até hoje não tenho certeza de tê-lo entendido. Provavelmente ainda estou “boiando” a respeito (para utilizar uma antiga gíria que caracteriza incompreensão).

E por que trago esse assunto à baila? Para humilhar-me publicamente e mostrar minha hiper-ignorância, pelo menos no que se refere à literatura, minha incontida paixão? Claro que não! Até porque, sou vaidoso demais para me prestar a esse tipo de comportamento. Abordo o tema pela sua oportunidade. Porque “Ulysses”, uma das obras monumentais do século XX, completa, neste 2012, noventa anos do seu lançamento. E porque este ano assinala também os 130 anos do nascimento de James Augustine Aloysius Joyce, nascido em Dublin, na atual República da Irlanda, em 2 de fevereiro de 1882. Este texto, portanto, é uma espécie de “introdução” de outros tantos, que me proponho a escrever até dezembro e que espero sejam mais objetivos do que estas considerações preliminares.

Há muito que se dizer sobre este romancista, contista e poeta irlandês e, sobretudo, sobre seus livros, principalmente sobre este que é considerado um marco do modernismo. É o tipo de autor sobre o qual não se pode se limitar a citar apenas de “passagem”, como um sujeito (e como um escritor) absolutamente comum, o que ele não foi. Ezra Pound – outro literato, digamos, “complexo”, mas que talvez por empatia não se me mostrou nem um pouco incompreensível – considerou James Joyce como um dos mais eminentes poetas do imagismo. Quem sou eu, pois, para contestar tão ilustre e abalizada opinião?!!

Para vocês terem uma idéia da originalidade (e complexidade) de Ulysses, é mister informar (como, aliás, esclarece a enciclopédia eletrônica “Wikipédia”, à qual recorro quando quero me informar melhor sobre algo) que o autor se utiliza, em seu (para mim) criptográfico romance, “do fluxo de consciência, da paródia, de piadas e virtualmente de todas as demais técnicas literárias”, na apresentação de seus personagens. O livro baseia-se na “Odisséia”, de Homero, mas com os protagonistas principais, como Ulisses, Penélope e Telêmaco, inspirados em conhecidos dublinenses do relacionamento do autor, casos de Leopold Bloom, sua esposa Molly Bloom e Stephen Dedalus.

Para complicar, a história toda desenvolve-se num único dia, 16 de junho de 1904. Por que o autor escolheu justo essa data, e não outra qualquer? Vá se saber! É possível que nem Joyce soubesse do motivo real dessa escolha, que me parece meramente aleatória . Mas a complexidade do romance não pára por aí.

O livro contém dezoito capítulos e cada um cobre, aproximadamente, uma hora do dia. A ação, portanto, transcorre toda num período de 18 horas (ou quase). Começa às 8 horas da manhã de 16 de junho de 1904 e termina às duas da madrugada do dia 17.

Querem saber mais a respeito? Ora, ora, ora. Leiam o livro! E, por favor, após lê-lo, façam uma sinopse “inteligível” (se conseguirem) e me enviem uma cópia, por obséquio. Será de grande valia para mim, creiam-me. Voltarei, certamente, a tratar de James Joyce, mas em outro dia qualquer.



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