Pedro J. Bondaczuk
O Estado de Pernambuco tem enorme tradição literária. Isso deve-se, claro, aos tantos e tantos e excelentes escritores que produziu (e ainda produz ininterruptamente) ao longo dos anos. E não me refiro, apenas, à quantidade, que nem sempre é o parâmetro mais adequado para aferir a pujança artística e cultural de determinado povo. Aliada a ela, Pernambuco produziu e produz poetas, romancistas, contistas, novelistas, autores teatrais, etc.etc.etc. da mais alta qualidade, com projeção nacional e internacional.
Bem, até aí, não escrevi nada de novo. Qualquer amante de literatura, medianamente informado, sabe disso. E se desconhecer, basta que faça rápida pesquisa na internet, mediante essa preciosa (e hoje indispensável) ferramenta de busca que é o Google, para se inteirar a respeito. Fosse citar pelo menos parte dos seus expoentes literários, passaria horas e horas desfiando nomes e mais nomes e, ainda assim, deixaria muitos deles, provavelmente a maioria, e da maior importância, de fora. Afinal, memória tem limite. E a minha, óbvio, não é infinita.
Alguns escritores pernambucanos de nomeada, do passado e do presente, cujos livros ou textos esparsos li recentemente, emergem, de imediato, ao cérebro, sem que sequer precise pensar. São nomes, por exemplo, como João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Carlos Pena Filho e Osman Lins. Claro que o poeta Manuel Bandeira, com o qual tenho profundas afinidades espirituais, é personagem de destaque nesse contexto. Esbanja excelência entre excelentes. O mesmo acontece com escritores dos quais leio textos semanalmente, quando não diariamente, em livros ou em espaços da internet, como Talis Andrade, Urariano Mota, Marco Albertim, José Calvino de Andrade Lima, Clóvis Campêlo, Risomar Fasanaro e tantos e tantos e tantos outros expoentes das letras pernambucanas e, por extensão, nacionais. O fato de não citar algum não significa que lhe tenha menor apreço ou que desconheça sua obra. É mero lapso de memória.
Hoje, porém, centralizo meu foco, especificamente, em um poeta (e que poeta!). Refiro-me a Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, tão consagrado e tido (com justiça) como paradigma da poesia que se faz no Brasil, que dispensa apresentações e referências biográficas, de tanto que é conhecido. Entre livros que escreveu, antologias que organizou e obras de outros escritores sobre ele, sua bibliografia é tão vasta, que ascende a pelo menos uma centena, se não mais. Além de poeta, foi crítico literário e de arte, professor de literatura e exímio tradutor. Foi, como se vê, o tipo de intelectual ao qual se encaixa, a caráter, o apodo de “homem dos sete instrumentos”. Desconfio que até mais.
Manuel Bandeira nasceu no Recife em 19 de abril de 1886 e morreu no Rio de Janeiro em 13 de outubro de 1968. Foi um dos “pilares” do modernismo no Brasil. A enciclopédia eletrônica Wikipédia me lembra que seu poema “Os sapos” foi uma espécie de “abre-alas” da memorável Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro de 1922, em São Paulo, que revolucionou as letras e a cultura nacional. Foi, como seria de se esperar, membro da Academia Brasileira de Letras. E só não ganhou um Prêmio Nobel de Literatura (que lhe caberia muito bem), porque os responsáveis por essa premiação nunca olharam com a devida atenção para a excelência (e, não raro, genialidade) dos nossos escritores. Pior para eles.
Como seria de se esperar, pela variedade e profundidade dos temas que abordou, Manuel Bandeira também escreveu sobre a primavera. E não um único poema, mas vários deles, enfocando aspectos líricos diferentes dessa inspiradora estação do ano, sem sequer se repetir (ao contrário do que eu fiz, por exemplo). Produziu metáforas magníficas e originais. E entre diversas dessas pérolas poéticas, cada uma melhor do que a outra, decidi partilhar esta com vocês, decidida (creiam) por “sorteio”, tão boas que todas são:
Vita Nuova
“De onde e veio esse tremor de ninho
A alvorecer na morta madrugada?
Era todo o meu ser... Não era nada,
Senão na pele a sombra de um carinho.
Ah, bem velho carinho! Um desalinho
De dedos tontos no painel da escada...
Batia a minha cor multiplicada,
- Era o sangue de Deus mudado em vinho!
Bandeiras tatalavam no alto mastro
Do meu desejo. No fervor da espera
Clareou à distância o súbito alabastro.
E na memória, em nova primavera,
Revivesceu, candente como um astro,
A flor do sonho, o sonho da quimera”.
Vocês não imaginam minha satisfação ao escrever esta série de comentários à margem sobre como alguns escritores trataram literariamente a primavera. Ela nasceu por sugestão de um leitor, estava prevista para se limitar a cinco ou seis textos, mas vai se estendendo, se estendendo e se estendendo e já atinge, praticamente, as dimensões de um livro a propósito do tema. Ler poemas como este soneto de Manuel Bandeira fornece-me (e a qualquer um que os leia) combustível mental e anímico para um ano todo de otimismo e de encantamento, eficaz antídoto para as agruras e desencantos do cotidiano. Bendita literatura! Bendita arte que nos resgata e nos dá nova e excelente perspectiva da vida! Bendito poeta que esbanjou excelência entre excelentes!
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