Pedro J. Bondaczuk
A presença de aviões e de navios soviéticos está sendo cada vez mais constante no Sudeste Asiático, nos últimos dias, especialmente na base vietnamita localizada na estratégica Baía de Cam Rahn, o que pode ter duas explicações. Ou os russos desejam neutralizar a presença na área da Sétima Frota dos Estados Unidos, ou o Vietnã está prestes a iniciar uma nova escalada militar, com o apoio de Moscou, desta vez envolvendo a instável Tailândia.
Esta última hipótese parece a mais viável, tendo em vista que tropas de Hanói já estão combatendo, há quase um mês, em pleno território tailandês, onde penetraram em perseguição aos guerrilheiros do Khmer Vermelho, do Camboja.
Num pronunciamento, feito anteontem, um alto comandante militar de Bangkok, o almirante Nipon Sirithorn, afirmou que o seu país está disposto, inclusive, a ir à guerra contra o Vietnã. O que, convenhamos, certamente não passa de bravata. Afinal, sem uma ajuda efetiva, não apenas em armas velhas e defasadas como vem recebendo, com os ultrapassados caças F-5 de Tio Sam, mas também em homens, por parte dos EUA, a Tailândia não terá a mínima chance diante da que é, hoje, em número de homens e de equipamentos, a quarta Força Armada mundial, aquém, apenas, da chinesa, soviética e norte-americana. E, o que é mais importante, a única, destas quatro, realmente adestrada para combate. Afinal, desde o início da década de 50, os vietnamitas participam de guerras ininterruptas, estando, portanto, dentro do seu elemento familiar: o conflito armado.
O que pode levar Hanói a essa aventura, que, certamente, desestabilizaria a região (que nunca primou, na verdade, pela estabilidade), opondo Washington, Moscou e Pequim num novo e arriscado confronto, é o uso do território tailandês, por parte do Khmer Vermelho, para fustigar o Vietnã e o regime cambojano de Hemg Samrin.
Resta saber se os norte-americanos estariam dispostos, também, no Sudeste Asiático, a repetir o erro da América Central, de apoiarem um grupo guerrilheiro visivelmente impopular, pelos crimes e horrores que cometeu no passado contra a população civil.
Recorde-se que o maior genocídio cometido no pós-guerra aconteceu no Camboja. As circunstâncias são até desnecessárias de se repetir. Basta que o leitor assista ao filme “Gritos do Silêncio”. O Khmer Vermelho trucidou um terço da população cambojana no período em que ocupou o poder, de 1975 a 1979.
A canção mais popular, até hoje, naquele país, é “Destino de Battambang”, cuja letra descreve os trabalhos forçados e as atrocidades impostos pelo regime de Pol Pot. O mesmo que certas áreas da imprensa e determinados líderes ocidentais pintam como o possível redentor do Camboja. O mesmo que os tailandeses dão refúgio, esquecidos de que há apenas seis anos, consideravam iminente a ameaça à sua instabilidade.
Quem desejar conhecer quem são os “libertadores” do Khmer Vermelho, e tiver condições para isso, basta visitar o Museu do Crime Tuol Sleng, em Phnon Penh. Num edifício construído originalmente para ser uma escola e transformado, por Pol Pot, num centro de tortura, estão as marcas e imagens, familiares apenas para os que foram vítimas dos campos de concentração nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. Com uma agravante, o Khmer Vermelho assassinou, torturou e humilhou milhares de seus próprios concidadãos, estudantes, professores, camponeses, médicos, ministros religiosos e padres.
Isso não justifica, é claro, uma invasão maciça da Tailândia, por parte do Vietnã. Mas também não tem explicação que o regime de Bangkok dê guarida a cruéis assassinos, que há apenas seis anos representavam para o seu país um risco muito maior do que a presença vietnamita nos arredores de sua fronteira. Ou será que mais uma vez tudo acabará sendo justificando em nome de uma ideologia?
(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 12 de maio de 1985).
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