Friday, October 26, 2012

O reconhecimento que conta

Pedro J. Bondaczuk

A preservação da memória de determinadas personalidades – sejam elas artistas, escritores, esportistas, cientistas etc. – passa muito pela colaboração de suas respectivas famílias. Por várias razões, algumas compreensíveis e outras tantas não, os parentes mais chegados desses que em vida foram notáveis empreendedores, não se manifestam, não buscam divulgação de suas obras e principalmente projetos não concretizados, após a morte deles e, em pouco tempo, eles caem no esquecimento. Não se pode culpar “apenas” o público e nem considerá-lo desmemoriado (muitos culpam e consideram) por isso acontecer.

Sei que essa afirmação é polêmica, mas não me importo, Polemizar é comigo mesmo. Minha função pública – e já afirmei isso em inúmeras ocasiões – é a de “provocador”. Ou seja, a de estimulador de debates, pois da discussão civilizada e inteligente, baseada exclusivamente em sólidos argumentos, é que surge a luz do esclarecimento. Muitos fatos e idéias permanecem nebulosos, eivados de erros e contradições, somente porque os que têm condições de os trazer à baila, ao debate público, se recusam a fazer isso, por temor de parecerem, ou mesmo de serem, “antipáticos”. Tolice!

Como jornalista, posso afirmar que há essa falta de colaboração e principalmente de interesse – ou mesmo até de conhecimento, sem falar a de iniciativa – de parentes das personalidades que mencionei. Houve ocasiões em que pretendi escrever matéria sobre eventos importantes envolvendo essas figuras públicas excepcionais – como aniversários de nascimento ou de morte, ou fatos relacionados às suas obras mais conhecidas e vai por aí afora – e não consegui a desejada e solicitada colaboração de suas famílias.

Fiz contatos, sem dúvida, e sempre no plural, ou seja, mais de um, mas ou fui recebido com indiferença, ou com desconfiança e, não raro, até com hostilidade, como se eu fosse algum aproveitador que pretendesse explorar comercialmente (ou mesmo em termos de prestígio pessoal) a fama de seu ilustre cônjuge (ou pai, ou filho, ou irmão, não importa). Nessas circunstâncias, ou fazia a matéria com as informações de segunda mão de que dispunha, ou, se nem dessas dispusesse, simplesmente a abortava, por falta de algo novo e interessante a dizer, que justificasse a reportagem.

Claro que não se pode (e muito menos se deve) generalizar. Há pessoas que chegam a dedicar suas vidas na preservação da memória de ilustres parentes. Às vezes, até, não têm sequer o mínimo grau de parentesco, mas nutriam por essas personalidades amizade irrestrita, que descambava para a admiração ou mais, para a reverência.

São ações espontâneas e generosas, dignas de menção (e de imitação). Conheço muitos que agiram assim e que foram sumamente solícitos e aplicados em me fornecer preciosas informações, que geraram matérias fartamente divulgadas. E para desmentir os desconfiados, quem lucrou com elas, com todas sem exceção, em termos de lembrança, não foi quem as redigiu (no caso, eu), mas o personagem enfocado. Para o jornalista, não passou de mais uma pauta, das tantas que ele desenvolve no seu cotidiano e que poderia ser substituída por outra qualquer.

Há pessoas de comportamento exemplar nesse aspecto, reitero. Algumas chegam ao extremo de transformar as casas em que as personalidades falecidas viveram em museus, arcando, não raro, com altos e até proibitivos custos, preservando os objetos que pertenceram a esses ilustres personagens, para que jamais sejam esquecidos. Muitos desses não esperam ser procurados pela imprensa para divulgar eventos importantes sobre esses artistas, escritores, esportistas etc. Fazem questão de procurá-la. E raramente se decepcionam. E assim, a memória de quem merece ser preservada o é.

Nesse aspecto, considero exemplar, e digna de imitação, a atitude da família do jornalista, teatrólogo e escritor Nelson Rodrigues, cujo centenário de nascimento ocorre neste ano. Querem um exemplo? Lá vai. Sua filha, Maria Lúcia Rodrigues, e sua neta, Sonia Muller franquearam imagens da vida e da atividade do saudoso (e genial) “Anjo Pornográfico” que, reunidas a outras resgatadas dos acervos da Funarte, da Fundaj e do fotógrafo Silvestre Silva, propiciaram a organização da mostra da série “Ocupação”, do Itaú Cultural, no Rio de Janeiro. E, no segundo semestre, este evento será repetido no Recife, a terra natal do homenageado.

Mas a atuação da família na preservação e divulgação da memória do ilustre escritor e teatrólogo não se restringiu apenas a isso (o que, convenhamos, já é muito mais do que a maioria faz). Sua outra filha, Sônia Rodrigues, organizou e editou uma “autobiografia póstuma” do pai, intitulada “Nelson Rodrigues por ele mesmo”, publicada pela Editora Nova Fronteira, que tem tudo para se transformar em best-seller.

Isto é zelo, é amor, é respeito irrestrito, sobretudo intelectual, pelo ilustre pai. É este tipo de reconhecimento que conta para os grandes realizadores, não importa em que campo de atividade tenham atuado. É o que eu gostaria de receber um dia, para que meus esforços e o fruto do meu talento e imaginação (que me é impossível de afirmar com isenção se são grandes ou não) não se percam irremediavelmente, e por completo e, assim, inutilizem todo meu empenho, constância, dedicação e criatividade.

Reconhecimento é o que esperamos e que deve partir, no meu entender, inicialmente, dos parentes e dos amigos mais próximos para se complementar, aí sim, na coletividade. Qual escritor não gostaria que as coisas fossem assim?

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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