Sunday, October 21, 2012

Entretenimento e reflexão

Pedro J. Bondaczuk

A ruptura de um relacionamento amoroso, de casais realmente apaixonados (não importa quanto tempo ele tenha) embora seja fato dos mais comuns, diria até corriqueiros, em nossa vida, é sempre traumática. Mesmo que seja consensual; Na maioria dos casos, a tristeza daí decorrente se esvai em poucos dias e retomamos nossa rotina de sempre, embora não sem ostentar “cicatrizes”. É como dizemos na gíria: “tocamos a bola pra frente”.

Mas há casos e casos, dependendo da estrutura psicológica de cada pessoa. Há relacionamentos que quando terminam deixam profundas feridas que sequer cicatrizam. Permanecem abertas, doendo e doendo, à revelia da passagem do tempo. Alguns ficam, afetivamente e/ou psicologicamente, marcados para o resto de suas vidas. Tornam-se agressivos, arredios, desconfiados e sumamente amargos. Nunca se recuperam do baque.

Se têm recursos econômicos, às vezes recorrem a profissionais, como psicólogos, psiquiatras e analistas, que atenuam seu sofrimento, mas raramente os curam. Se não têm... Muitas vezes caem na armadilha do vício e tornam-se ou alcoólatras ou, pior, dependentes de drogas. Estragam mais ainda o que já estava estragado. Raramente o sofrimento é o mesmo para os dois parceiros. Em geral, um deles sofre mais do que o outro. Mas, se o casal era de fato apaixonado, ambos têm lá sua dose de decepção, mágoas e sofrimento.

Quando o relacionamento termina, passado o instante inicial de “sangue quente”, vem o momento da análise do que aconteceu, da busca das causas que levaram ao rompimento e, não raro, do desejo e até da tentativa da restauração do namoro (ou do noivado, ou do casamento, conforme o caso). Os parceiros, então, mesmo reconhecendo, intimamente, sua dose de culpa, quase sempre acusam um ao outro como sendo infiel, ou agressivo ou de ser agente das tantas outras causas que levam um casal a se separar.

Sempre há, todavia, uma possibilidade (às vezes remota e às vezes bastante concreta) de reconciliação – dependendo, claro, das causas da separação e da forma como esta se deu. Os que “engolem” seu orgulho e se propõem a mudar, se explicam, se desculpam, perdoam se for o caso e convencem a outra parte de que ambos devem recomeçar, com boas chances de êxito.

Às vezes dá certo e em outras não. O desfecho positivo é o majoritário da maioria dos enredos de histórias de amor escritas por romancistas, contistas, novelistas etc. É o tão conhecido “happy end”, em que os pombinhos, reconciliados, “vivem felizes para sempre”.

Gosto de ler (e de escrever) casos desse tipo. E, embora seja algo batido e esperado pelo leitor, prefiro sempre (salvo uma ou outra exceção) recorrer a esses finais bem-sucedidos. Por que não? Escrevo não para chatear ninguém e muito menos para exacerbar pessimismos já latentes. Não tenho vocação para sádico e nem para ser “alimentador” do masoquismo alheio. Até porque não encaro a vida com “duas pedras” nas mãos, achando que tudo é ruim e errado e que as pessoas não tenham condições de ser sinceras umas com as outras e de, por isso, se entenderem.

Este longo preâmbulo vem a propósito do novo livro do escritor norte-americano (que também é cineasta) Daniel Handler, intitulado “Por isso a gente acabou”, lançado há pouquíssimo tempo pela Companhia das Letras, que li e que gostei. Achei-o, sobretudo, original na concepção e no desfecho. O próprio título já sugere o teor desse romance, ou seja, o rompimento de um relacionamento amoroso entre dois jovens estudantes, que se conheceram e se apaixonaram na escola em que estudavam e que, por motivos até subjetivos, findaram por se separar: Minerva (que o autor chama, afetivamente, de Min no texto) Green e Ed Starteron.

Claro que não revelarei nem a trama da história e muito menos seu final. Adianto, porém, o temperamento dos personagens, que achei interessante e verossímil. Ela, por exemplo, é, aliando à sua beleza física, uma pessoa romântica, sensível e um tanto tímida, ou seja, é, também “espiritualmente”, bela. É dessas mulheres que, quando conhecemos, dificilmente deixamos de nos apaixonar por elas. Todavia, prefere ficar na dela, fugindo da popularidade que, se quisesse, alcançaria facilmente, por suas virtudes pessoais.

Já Ed é, em muitos aspectos, o oposto de Min. Bonitão, é dos tais que mexem com a cabeça (e os hormônios) das garotas de qualquer grupo de que participe. É líder nato, capitão do time de futebol da escola e seu principal jogador. Como seria de se esperar, pois, é popularíssimo e não abre mão dessa popularidade, que lhe “massageia” o ego. Olhando de fora, trata-se de um casalzinho perfeito, de parceiros talhados um para o outro, cujo relacionamento tinha tudo para dar certo. Mas... não deu. Ed, perplexo, busca entender a razão desse fracasso, já que foi a namorada que rompeu com ele. Por que? Não sabia.

Já Min, após um período relativamente longo de sofrimento, tenta explicar a razão das coisas não terem dado certo. Mas não o faz pessoalmente, num encontro tête-a-tête, mas de maneira original (e é aí que está todo o charme dessa história): envia a Ed uma simples caixinha, comum, cheia de objetos até triviais, tendo, no fundo, singela carta em que tenta explicar porque o relacionamento acabou e não tinha possibilidades de reconciliação. Na verdade, pelo conteúdo do recipiente, a garota revela sua verdadeira personalidade, seus gostos, desgostos e sonhos, em uma revelação concreta, contudo simbólica.

“Por isso a gente acabou” é o terceiro livro que este escritor jovem (completou recentemente 42 anos) publicou com seu “verdadeiro” nome. Os outros dois foram “The basic eight” e “Whatch your mouth”. Isso, aliás, merece uma explicação. Daniel Handler (natural de São Francisco, na Califórnia), vinha escrevendo romances e novelas e publicando-os muito antes dos três que citei. Só que, por uma razão que nunca revelou, o fazia com o pseudônimo de Lemony Snickel.

Sob esse cifrado e incomum codinome, publicou toda uma coleção de 13 volumes intitulada “Desventuras em série”. Por que? Vá lá se saber o que se passa na cabeça de um escritor! Num desses livros, fez de si mesmo (sob o mesmo pseudônimo adotado como autor, o de Lemony Snickel), um dos personagens do enredo, no qual incluiu, também, seus irmãos e a mulher que então amava.

Em geral, as obras de ficção têm como finalidade principal (e em boa parte dos casos, única) de entreter o leitor. Não é o caso, todavia, das publicadas por Daniel Handler. Embora a leitura de seus livros de fato nos entretenha, seus enredos originalíssimos nos induzem à reflexão, à devassa dos nossos sentimentos mais secretos e reações mais inexplicáveis, mesmo quando são previsíveis. É, pois, um escritor que me agrada e cuja leitura recomendo sem pestanejar.

 
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