Pedro J. Bondaczuk
A Venezuela, que foi uma espécie de paradigma de democracia na América Latina nos últimos 30 anos, está sob o estado de emergência desde anteontem, para conter uma onda de protestos contra o pacote baixado no domingo passado, pelo presidente Carlos Andrés Perez, que com menos de um mês de gestão, conseguiu capitalizar todo o descontentamento nacional para a sua estratégia de contenção da inflação.
Há quem justifique essa suspensão das garantias constitucionais sob o argumento de sua necessidade para a manutenção da ordem pública. No entanto, nos países com instituições realmente sólidas, esse expediente jamais foi adotado, mesmo em situações extremamente críticas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, essa figura sequer existe em sua Constituição. E os norte-americanos passaram por grandes agitações raciais, mormente na década de 60, sem que as liberdades civis fossem desrespeitadas.
Nesse ponto, comungo com as convicções de Ruy Barbosa, que num memorável discurso, pronunciado no Congresso, disse, há quase um século: “Rejeito as doutrinas do arbítrio; abomino as ditaduras de todo o gênero, militares ou científicas, coroadas ou populares; detesto os estados de sítio, as suspensões de garantias, as razões de Estado, as leis de salvação pública; odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância”.
É verdade que durante a campanha presidencial, para as eleições de 1º de novembro de 1988, Perez alertou para a necessidade de duras medidas de austeridade, para evitar a disparada da inflação. Mas a estratégia que adotou nesta oportunidade nos parece das mais ineficazes e infelizes possíveis.
O presidente venezuelano recorreu à surrada fórmula ditada pelo Fundo Monetário Internacional, que raramente deu certo em algum dos lugares em que já foi experimentada, se é que chegou a funcionar.
Em todos os países em que essa receita foi usada, invariavelmente ocorreram sangrentos distúrbios. Foi o caso da República Dominicana, por exemplo, em 1985. Está sendo, neste momento, o da Iugoslávia, às voltas com inquietações trabalhistas nunca antes vistas por aquelas bandas. E poderíamos citar muitos outros casos mais.
Ao que nos parece, o aparato de segurança venezuelano se mostrou extremamente inábil para conter a exaltação popular, os atos de vandalismo e os saques a estabelecimentos comerciais. E mais infeliz, e sobretudo precipitado, foi o presidente, ao lançar mão da legislação de exceção, ele que, na qualidade de membro destacado da Internacional Socialista, sempre criticou atitudes extremas desse tipo em outros países. É a tal história: pimenta nos olhos dos outros é colírio!
(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 2 de março de 1989).
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