Sunday, October 07, 2012

Força estranha

Pedro J. Bondaczuk

Este dia (6 de outubro de 2012, sábado, véspera das eleições municipais) amanheceu num misto de verão e de primavera. O céu é, como se diz, "de brigadeiro", posto que com uma ou outra nuvem. O sol doura tudo, o casario, as praças, as crianças brincando, os carros que refletem sua luz, destacando o chafariz de águas cristalinas em frente. Alimentado, banhado, barbeado e vestido para um compromisso social, saio a passear no jardinzinho de casa – uma ilha, um cubículo cheio de terra, de quatro metros quadrados, com um pinheiro no centro, algumas roseiras e várias flores silvestres, amarelas, azuis, vermelhas, brancas e lilases nas laterais, cercado de cimentados por todos os lados – à espera da carona de um amigo para levar-me ao meu destino.

Absorto em minhas preocupações mesquinhas (que no momento acho importantíssimas, como se a vida consistisse apenas de contas a pagar e a receber, da ausência dos filhos na escola, de textos a redigir, livros a ler etc. etc.etc.), mal enxergo o que se passa ao meu redor. E mal ouço também. Um bem-te-vi persistente insiste em repetir seu coro, a pequenos intervalos, e me chama a atenção. Abelhas zumbem ao meu redor, em sua faina diária em busca do pólen. Um caminhão de entrega de gás passa ao longe, com sua musiquinha clássica, cujo compositor a maioria desconhece. É um dia comum, comuníssimo, rotineiro, desses que passam despercebidos e dos quais nos esquecemos por completo quando terminam, por não serem "decisivos". Dos que não trazem nenhuma desgraça e nem a suprema felicidade (ou o que entendemos como tal).

Apesar do sol estar quente, uma brisa corta o ar e despenteia meus cabelos. Um aroma delicioso de terra e de flores como que me embriaga. Subitamente, ponho-me a cantar uma canção que, se não me falha a memória, foi composta por Caetano Veloso para Roberto Carlos. "Por isso uma força/me leva a cantar/por isso esta força estranha no ar...", trauteio distraído, tendo no ouvido, soando, uma grande orquestra de cordas e metais. E a voz morna e romântica, claro, de um dos meus cantores preferidos interpretando a composição de um dos meus compositores prediletos em fundo. Vejo, volteando ao meu redor, uma enorme borboleta, multicolorida, de um tamanho que não me lembro de ter visto alguma vez, com as dimensões exatas de minha mão aberta.

Suas asas mesclam as cores negra, azul, laranja e um esverdeado cambiante, como um arco-íris. Volteia para cá, volteia para lá, pousa em uma roseira, torna a voar, volta a pousar, retoma o vôo, isso por alguns minutos. Quantos? Não saberia precisar. O cenário leva-me a perder toda a noção de tempo. Eu, que havia levantado indisposto, com dor de cabeça, provavelmente estressado em virtude dos excessos de trabalho e de preocupação, da má alimentação e de um ciclo inadequado de sono, me sinto revigorado. Experimento a mesma disposição que tinha aos dezessete anos, quando achava que o mundo existia somente para que eu o conquistasse. Bem diz a sabedoria oriental que "um coração alegre faz tanto bem quanto os remédios".

Sigo para meu compromisso social com uma resolução tomada: vou perpetuar este dia em um texto qualquer. É inconcebível que esta poesia explícita, natural, espontânea, viva, fique sepultada no esquecimento, como se nunca tivesse existido, apenas pela ausência de algum acontecimento "marcante", positivo ou negativo. Ao chegar ao local do encontro programado, porém, começo a vacilar. "Será que não irão me considerar um tolo? Escrever sobre esse tipo de assunto banal não seria pieguice? Não estarei correndo o risco do ridículo que tanto temo?". Lembrei-me de uma afirmação do poeta Affonso Romano de Sant'Anna de que "é da banalidade que as coisas extraordinárias se alimentam". E, afinal, o que é importante? Ganhar dinheiro para gastar? Conquistar fama para ser esquecido? Lutar por um poder que nada pode? Ainda assim mantenho-me relutante. Finalmente, por amar os que me cercam e até os desconhecidos (gosto, sobretudo, de pessoas), decido perpetrar estas linhas. Afinal, como escreveu o cronista Oscar D'Ambrósio, "a crônica é um ato de amor, pois amar é transformar o cotidiano no inesquecível"... E este texto, inspirado por uma “força estranha”, tem o jeito, “o cheiro e a cor” de uma crônica.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: