Pedro J. Bondaczuk
O homem, em sua pequenez em relação ao Universo, tem sabido ser grande através do espírito. Agiganta-se mediante o que o distingue das feras broncas: a capacidade de pensar, de refletir, de transformar, de construir coisas novas e extraordinárias, em um tempo que em relação à sua existência individual pode ser extenso, mas que é ínfimo em termos cósmicos. Amiúde, futurólogos avançam previsões mirabolantes, que parecem absurdas, tamanha é a ousadia. A maior parte delas, todavia, acaba se apequenando e se tornando extremamente modesta face ao que de fato é conseguido. Isto aconteceu, por exemplo, com Júlio Verne.
Quando o escritor francês previu a construção de um submarino movido a energia nuclear, em um período em que os mais íntimos segredos do átomo ainda não haviam sido desvendados, as pessoas, ditas de bom senso, torceram o nariz. Hoje, a maravilhosa embarcação submergível do capitão Nemo não somente se tornou concreta, mas ultrapassou, em muito, a fantasia do célebre romancista. O mesmo vale para as viagens à Lua. O homem continua surpreendendo a ele mesmo, à medida que se conscientiza do seu potencial, que beira o infinito. Este preâmbulo destina-se a destacar que, nem sempre, os chamados futurólogos são maníacos delirantes, a criar inúteis e irrealizáveis fantasias ou desocupados, que preenchem seu tempo prevendo bobagens. Ocorre que, na maioria das vezes, as maravilhas que prognosticam acabam por se realizar de forma muito mais extraordinária do que ousaram prever.
O inglês Arthur C. Clarck, sobre o qual escrevi muito, recentemente, na década de 70 do século XX traçou um quadro em que relacionou as conquistas da tecnologia somente no período iniciado em 1800 da nossa era. Lembrou as grandes descobertas que revolucionaram o mundo nos meios de transporte, nas comunicações, na mecânica, na química, na biologia e na física, entre outras disciplinas. A partir desse levantamento, traçou algumas extrapolações para o futuro. Mas somente esboçou ligeiramente, o que uma nova disciplina, que então começava apenas a engatinhar, poderia proporcionar em termos de avanço para o homem: a Engenharia Genética.
Na ocasião em que Arthur Clarck propagou suas previsões, elas foram recebidas, como seria de se esperar, com natural cepticismo, tanto pela comunidade científica, quanto pelo público em geral. A maioria leiga recebeu os prognósticos apenas como “mera curiosidade”, e nada mais.
Ele afirmou, por exemplo, que a transformação artificial de organismos vivos era factível, contudo, apenas em futuro bastante remoto. Previu que os genes de animais poderiam vir a ser manipulados, para produzir novas espécies, mas que isso seria possível somente por volta de 2030.
É verdade que Clarck sabia que alguma coisa, nesse sentido, já estava sendo tentada por alguns biólogos. Mas não poderia adivinhar que no mesmo período em que fez suas previsões futurísticas, alguns cientistas já haviam criado, através da manipulação genética, uma nova raça de animal. Foi na Fazenda El Peludo, na província de Buenos Aires, na Argentina. Um veterinário local conseguiu desenvolver um minipônei do tamanho de um cão de porte médio, com longevidade que era o dobro da dos cavalos comuns. Hoje, a despeito de agirem com grande cautela, em um campo cheio de tantos mistérios e segredos, os cientistas já têm como reproduzir seres vivos a partir de qualquer célula de seu organismo e não apenas das sexuais. É a tal da clonagem. Uma vacina contra a hepatite B, por exemplo, já está sendo elaborada por esse método.
Vacas minúsculas, de poucos centímetros de altura e com produtividade média de 3,5 litros de leite por dia, já existem. Outras, de tamanho gigantesco, capazes de produzir 40% a mais do que as de porte normal, foram desenvolvidas mediante simples tratamento hormonal. O que se espera é que esses avanços possam ser compartilhados por toda a humanidade, e não apenas por grupos e países com maiores recursos. Que possam servir de meios de erradicar, por exemplo, a fome e a miséria no mundo e que jamais se transformem em mais uma forma de dominação do forte sobre o fraco. Porque, se há um campo, no qual o homem pouco evoluiu, este é o da ética.
A solidariedade, por exemplo, vem sendo banida pela cobiça. Algumas pessoas, ao que parece, se esqueceram de que precisam umas das outras e que, sozinhas, não são ninguém. Não querem se dar conta de que a razão e a fonte da sua sobrevivência individual estão no convívio harmonioso, integrado, cooperativo e constante com seus parceiros de espécie. Há cientistas que, alheios aos fatores políticos, econômicos e/ou ideológicos, se dedicam, em tempo integral, ao estudo de meios e de soluções para assegurar a sobrevivência humana. Nesse aspecto, evidentemente, nada é mais importante do que a alimentação.
A população mundial multiplica-se em ritmo vertiginoso, superando, em muito, as previsões do início do século XX, por exemplo. Quando estes derradeiros cento e doze anos – cem do segundo milênio da Era Cristã e doze do terceiro – começaram, houve quem estimasse que o Planeta chegaria ao ano 2000 com quatro bilhões de habitantes, quatro vezes mais do que havia então. Todavia, a despeito de guerras, da fome (hoje quase endêmica), de doenças, de catástrofes e de outros fatores, que limitam o crescimento populacional, o número de “passageiros” na “espaçonave Terra” jamais parou de aumentar. Em 1987, o mundo atingiu o quinbilionésimo habitante. Superou, portanto, em um bilhão de pessoas a população prevista para o ano 2000. Especialistas em demografia refizeram, apressados, seus cálculos. Estimam, agora, que nos próximos anos, o Planeta iria contar com um contingente de seis bilhões de indivíduos. Erraram de novo. E, no ano passado, a população emplacou 7 bilhões de pessoas. Há quem projete um número muito maior, de 9 bilhões, para 2030, o que, por sinal, não é muito provável. Não é exagero esperar que a cifra chegue a 11 bilhões!
Todo esse contingente de pessoas, obviamente, vai precisar de alimentos. E é aí que entra a tecnologia, para aumentar a produtividade agrícola e da pecuária. Para tanto, a Engenharia Genética tende a se tornar essencial, no sentido de queimar etapas, possibilitando, até, a criação de novas espécies, vegetais e animais, que sejam muito mais produtivas e resistentes às pragas e às doenças. Só assim será possível satisfazer às crescentes (e urgentes) necessidades alimentares humanas. Em 1987, uma notícia, divulgada sem muitos detalhes, gerou enorme polêmica na opinião pública. Deu conta que um grupo de pesquisadores da Universidade do México “criou”, através de manipulação genética, nova raça de bovinos. Os cientistas asseguraram, na ocasião, que não se tratava de qualquer “aleijão”, como se poderia supor, mas de um animal completamente sadio, embora “compacto”, ou “miniaturizado”.
A insólita criação da Engenharia Genética foi apelidada de “minivaca” ou “microvaca”, por razões óbvias. O novo bovino, fruto de mutação induzida de genes, media apenas 70 centímetros de estatura máxima. Contudo, sua produtividade não era proporcional ao tamanho, o que tornava o animal tão precioso. A vaca em miniatura tinha a capacidade de produzir, em média, três litros e meio de leite por dia! Verdadeiro fenômeno, sem dúvida. Os críticos da manipulação genética disseram não entender as vantagens do novo animal. Classificaram o novo ser de simples “aberração”. “Qual a vantagem de um animal tão pequeno?”, questionaram, ressabiados. Alguns, sem sequer terem conhecimento elementar de causa, asseguraram que o leite das tais “microvacas” podia ser nocivo à saúde humana. Não era.
Os criadores do animal, contudo, rebateram as acusações. Apontaram, em contrapartida, inúmeras vantagens práticas da sua criação, principalmente no aspecto econômico. Em primeiro lugar, ressaltaram a capacidade de reprodução da nova espécie, muito maior do que a da vaca normal, com gestações praticamente seguidas. Os cientistas mexicanos asseguraram que a “microvaca” vai ajudar a resolver o grave problema da alimentação no país. Garantiram que no futuro as pessoas vão poder, entre outras coisas, optar em ter um cão ou uma vaca em miniatura, nos terraços e varandas de suas casas. As vantagens, no segundo caso, seriam óbvias. O principal argumento dos pesquisadores, em defesa das microvacas, era o de que estas poderiam se alimentar dos restos de comida da própria família, sem gerar, portanto, custos extras para a sua manutenção.
Imagine, o leitor um animal desses, por exemplo, em uma favela! Além de ocupar pouco espaço, não custaria quase nada para seu proprietário. E, em contrapartida, forneceria o leite para nutrir crianças que hoje não têm, virtualmente, nada para se alimentar. Voltarei, certamente, ao inusitado assunto, sobretudo pelas polêmicas que suscita.
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