Pedro J. Bondaczuk
O poeta fluminense Casimiro José Marques de Abreu foi um desses tantos escritores que não sentiram o gostinho do sucesso literário enquanto vivos. Depois de sua morte prematura (a exemplo de tantos outros da sua geração, morreu na “flor da idade”, aos 21 anos) porém, seus livros (poucos, basicamente dois, “Primaveras”, de poesias e “A virgem loura: páginas do coração”, de prosa poética) foram publicados, republicados e se tornaram best-sellers, quer no Brasil, quer em Portugal. Houve época em que se constituíram em uma espécie de “febre”, de hits da moda, esgotando edições e mais edições.
Seus poemas foram declamados, e por muito tempo, com entusiasmo e enlevo, nos mais elegantes saraus de fins do século XIX e início do XX. Casimiro de Abreu tornou-se poeta da elite intelectual e, sobretudo, da juventude estudantil, mas, reitero, somente depois de morto, vítima de tuberculose. Sua fama é de tal sorte, que ele é um dos raros escritores no mundo a emprestar nome a uma cidade, no seu estado natal, o Rio de Janeiro.
Seu sucesso mais sólido (posto que parcial), enquanto vivo, ocorreu em Portugal, em sua passagem por Lisboa, onde entrou em contato com os círculos literários de maior prestígio dessa metrópole e onde foi publicado o seu drama “Camões e o Jau”. Ele escreveu, ainda, dois romances, “Carolina” e “Camila”, este último inacabado. Não escreveu mais por não ter tempo para isso.
Para mim, Casimiro de Abreu tem um valor simbólico todo especial e inigualável. Não pelo fato da sua poesia ser eventualmente marcante pelo valor literário, por sua forma e/ou conteúdo, longe disso. Mas foi o primeiro poeta que li, tão logo fui alfabetizado. E mais, foi seu o primeiro poema que decorei, e que declamei, sob a orientação e supervisão da minha saudosa, paciente e gentil professorinha primária, dona Ester Freeman. Que saudades, mestra!
Provavelmente, esta figura querida, esta fada benfazeja, que me abriu as portas, pela primeira vez, de um novo mundo, cheio de mistérios e de encantos, o do conhecimento e do saber, já está morta. Se não estiver, está se aproximando de idade centenária, o que não considero provável. Há anos que não tenho qualquer notícia dela. Se hoje sou “alguma coisa”, se freqüento com assiduidade o mundo das letras – tanto como leitor, quanto como escritor (ou como “escrevinhador”, como costumo me auto-caracterizar) – devo muito (se não tudo) a essa inesquecível figura, que tem morada cativa em minha memória e no meu coração. É, sem dúvida, um dos maiores afetos da minha vida, felizmente repleta deles.
O primeiro poema que li, decorei e declamei e que me despertou paixão pela poesia foi “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu. Até hoje, nos meus momentos de maior sensibilidade, naqueles em que a emoção parece brotar irresistível por todos os poros, nessas horas, cada vez mais freqüentes, de saudades e de devaneios, pilho-me recitando aqueles versos singelos, simplezinhos, sem nenhuma sofisticação artística, mas que, para mim, têm um valor inestimável (e inigualável), posto que apenas sentimental:
“Oh que saudades que tenho
da aurora da minha vida,
da minha infância querida
que os anos não trazem mais.
Que amor, que sonhos, que flores,
naquelas tardes fagueiras,
à sombra das bananeiras,
debaixo dos laranjais...”
Casimiro de Abreu, como afirmei, não usufruiu dos frutos do seu talento. Enriqueceu muita gente, mas não chegou a ser rico, embora não fosse pobre. Sua obra só fez sucesso de fato (e que sucesso) depois de sua morte. Aliás, nem ele e nem sua herdeira (no caso, sua mãe) lucraram com a venda do seu principal livro, “Primaveras”. Fossem pagos todos os direitos autorais provenientes de sua venda, no Brasil e em Portugal, eles lhe renderiam uma fortuna. Mas... no mundo literário, salvo exceções, quem menos lucra com seu trabalho é justamente quem deveria lucrar mais: ou seja, o escritor (e, no caso do nosso personagem, sua mãe, sua única herdeira legal). Não foi o que aconteceu. Tanto que ela morreu na miséria, quase que na indigência.
O próprio título do seu único (e tão bem-sucedido) livro de poesias, “Primaveras”, indica, por si só, o valor que o poeta dava a essa estação do ano (que, aliás, pôde viver tão poucas, já que morreu quando mal desabrochava para a vida). Tenho a satisfação de partilhar com vocês este poema, que me encantou não por sua complexidade ou sofisticação, mas, exatamente, pelo oposto: pela simplicidade.
Primaveras
I
“A primavera é a estação dos risos.
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.
Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.
Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.
A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo
Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa:- Como é linda a veiga!
Responde a rosa: - Como é doce o orvalho!
II
Mas como às vezes sobre o céu sereno
Corre uma nuvem que a tormenta guia,
Também a lira alguma vez sombria
Solta gemendo de amargura um treno.
São flores murchas:- o jasmim fenece,
Mas bafejado s’erguerá de novo
Bem como o galho do gentil renovo
Durante a noite quando o orvalho desce.
Se um canto amargo de ironia cheio
Treme nos lábios do cantor mancebo,
Em breve a virgem do seu casto enlevo
Dá-lhe um sorriso e lhe intumesce o seio.
Na primavera - na manhã da vida-
Deus às tristezas o sorriso enlaça,
E a tempestade se dissipa e passa
A voz mimosa da mulher querida.
Na mocidade, na estação fogosa,
Ama-se a vida- a mocidade é crença,
E a alma virgem nesta festa imensa,
Canta, palpita, s’ stasia e goza”.
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