Friday, December 22, 2017

Reformar sem desarrumar



Pedro J. Bondaczuk



O Brasil viveu, neste ano de 1985, um típico período de transição, com as expectativas positivas geradas por situações dessa natureza, e frustrações inesperadas, ditadas por algumas decepções. O País adquiriu o aspecto de uma autêntica casa em reforma, com móveis fora do lugar, paredes cheirando a tinta fresca e os vários inconvenientes gerados por esse tipo de providência. Por isso os estudiosos do comportamento puderam detectar uma certa confusão de ideias e de conceitos em toda a sociedade. Notaram uma divisão acentuada de posições e de opiniões.

A população, não vendo realizada a totalidade dos seus sonhos mudancistas, concentrados no saudoso presidente eleito Tancredo Neves, aos poucos vai se desmobilizando, aderindo a velhos políticos que se julgava estivessem ultrapassados pelo tempo e que no entanto demonstraram, no recente pleito municipal, terem ainda considerável cacife para postular até mesmo a máxima magistratura nacional.

As siglas que ficaram desgastadas em virtude de seus erros e de inoportunas adesões a causas fracassadas e impopulares num passado ainda recente (como as cinco leis salariais de 1983, apregoadas na ocasião como a única medida capaz de segurar a inflação), subitamente acabam reabilitadas pelo eleitorado, que demonstra não saber, no momento atual de reforma da casa, aquilo que realmente quer. Ou se sabe, manifesta esta sua vontade de maneira equivocada, tal como fazia no início da década de 1960, revelando contundente despolitização.

Uma cadeia de coincidências infelizes lançou a sociedade nesse estado de perplexidade, quase de estupor. Primeiro foi a rejeição da Emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional, em abril do ano passado, frustrando os anseios da maioria avassaladora dos brasileiros.

Tivesse essa medida sido aprovada naquela ocasião, e hoje não seria necessário que se fizesse tanto empenho e tanta negociação para se obter um pacto social. O povo exerceria a sua vontade nas urnas e escolheria livremente aquele que desejasse para o conduzir, respaldando, automaticamente, o seu respectivo programa.

Os congressistas, porém, (uma minoria, frise-se), não tiveram aquela visão histórica que se exige dos homens públicos. E frustrando os seus eleitores, que exigiam, nas praças públicas as “Diretas-já”, perderam credibilidade junto a eles.

Posteriormente, formou-se a Aliança Democrática e boa parte da população aceitou a contragosto o mal menor. Ou seja, a ida ao Colégio Eleitoral para promover sua implosão. Fez como que um pacto tácito com o homem que naquele momento cristalizava a posição e os sentimentos da maioria dos brasileiros, Tancredo Neves.

Após a consagradora vitória de 15 de janeiro passado, um clima de euforia sucedeu às frustrações anteriores. Esperava-se, um tanto ingenuamente, que assim que o presidente eleito assumisse, os problemas nacionais desapareceriam por encanto. A dívida externa seria equacionada, a inflação cairia a zero, haveria fartura na mesa de todos e um surto de honestidade e de lisura administrativa varreria o País de ponta a ponta, tornando os grandes escândalos apenas tristes lembranças do passado.

Veio o tão ansiosamente esperado 15 de março e nova frustração acabou acontecendo para 135 milhões de pessoas, esperançosas e expectantes. Quando na manhã daquele dia, programado para ser o da maior festa nacional dos últimos tempos, as emissoras registraram a posse do vice-presidente José Sarney ao invés da de Tancredo Neves, o sentimento que tomou conta da maioria tornou-se impossível de ser descrito.

Foi um misto de desconfiança, de revolta, de resignação e de esperança de que essa situação fosse apenas transitória. O choque inicial foi sucedido por um autêntico “Calvário”, de 41 dias de duração, quando os olhos e ouvidos do povo (e principalmente seu coração) estiveram todos voltados para um leito de hospital. Para o martírio que um mineiro simpático, de fala mansa e de ideias conciliadoras (que lembrava um pouco o avô de todos nós) suportava, com uma resignação de causar inveja.

Ao cabo desse período, nova frustração. Deu-se a confirmação do desfecho que todos tinham certeza de antemão qual seria, mas que teimavam em acreditar que pudesse ser revertido. A partir daí, voltou a imperar o célebre “cada um por si”.

Diante de tantas circunstâncias aziagas, não é de se estranhar que reine tanta confusão política quando as mudanças exigidas começam a ser implantadas. Mas é indispensável que o povo não se deixe abater e que não perca a visão daquilo que quer. Que não se desmobilize, para poder cobrar dos políticos a sua obrigação, que é respeitar a vontade de quem os elegeu.

Que não permita que os escândalos e negociatas, que todos julgavam serem coisas do passado, continuem se sucedendo, sem que os responsáveis paguem por elas. Que não se deixe confundir por fórmulas artificiosas e pseudo salvadoras, que fracassaram em outros tempos e que não têm qualquer condição de vingar agora, por serem totalmente ocas, vazias de qualquer conteúdo.

Que não mais extravase suas frustrações num inócuo e subserviente mutismo ou em práticas ilegais de sonegação ou de tácita anuência àqueles que o exploram. É preciso cobrar com moderação; exigir, com juízo; pressionar, com sabedoria. Afinal, este País é de todos nós e não apenas de uma meia dúzia de “iluminados”. Exerçamos, pois, a nossa cidadania plenamente. Reformemos a casa, sem que para isso desarrumemos todos os móveis.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 8 de dezembro de 1985).



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