Reformar sem desarrumar
Pedro J. Bondaczuk
O Brasil
viveu, neste ano de 1985, um típico período de transição, com as
expectativas positivas geradas por situações dessa natureza, e
frustrações inesperadas, ditadas por algumas decepções. O País
adquiriu o aspecto de uma autêntica casa em reforma, com móveis
fora do lugar, paredes cheirando a tinta fresca e os vários
inconvenientes gerados por esse tipo de providência. Por isso os
estudiosos do comportamento puderam detectar uma certa confusão de
ideias e de conceitos em toda a sociedade. Notaram uma divisão
acentuada de posições e de opiniões.
A
população, não vendo realizada a totalidade dos seus sonhos
mudancistas, concentrados no saudoso presidente eleito Tancredo
Neves, aos poucos vai se desmobilizando, aderindo a velhos políticos
que se julgava estivessem ultrapassados pelo tempo e que no entanto
demonstraram, no recente pleito municipal, terem ainda considerável
cacife para postular até mesmo a máxima magistratura nacional.
As siglas
que ficaram desgastadas em virtude de seus erros e de inoportunas
adesões a causas fracassadas e impopulares num passado ainda recente
(como as cinco leis salariais de 1983, apregoadas na ocasião como a
única medida capaz de segurar a inflação), subitamente acabam
reabilitadas pelo eleitorado, que demonstra não saber, no momento
atual de reforma da casa, aquilo que realmente quer. Ou se sabe,
manifesta esta sua vontade de maneira equivocada, tal como fazia no
início da década de 1960, revelando contundente despolitização.
Uma cadeia
de coincidências infelizes lançou a sociedade nesse estado de
perplexidade, quase de estupor. Primeiro foi a rejeição da Emenda
Dante de Oliveira no Congresso Nacional, em abril do ano passado,
frustrando os anseios da maioria avassaladora dos brasileiros.
Tivesse
essa medida sido aprovada naquela ocasião, e hoje não seria
necessário que se fizesse tanto empenho e tanta negociação para se
obter um pacto social. O povo exerceria a sua vontade nas urnas e
escolheria livremente aquele que desejasse para o conduzir,
respaldando, automaticamente, o seu respectivo programa.
Os
congressistas, porém, (uma minoria, frise-se), não tiveram aquela
visão histórica que se exige dos homens públicos. E frustrando os
seus eleitores, que exigiam, nas praças públicas as “Diretas-já”,
perderam credibilidade junto a eles.
Posteriormente,
formou-se a Aliança Democrática e boa parte da população aceitou
a contragosto o mal menor. Ou seja, a ida ao Colégio Eleitoral para
promover sua implosão. Fez como que um pacto tácito com o homem que
naquele momento cristalizava a posição e os sentimentos da maioria
dos brasileiros, Tancredo Neves.
Após a
consagradora vitória de 15 de janeiro passado, um clima de euforia
sucedeu às frustrações anteriores. Esperava-se, um tanto
ingenuamente, que assim que o presidente eleito assumisse, os
problemas nacionais desapareceriam por encanto. A dívida externa
seria equacionada, a inflação cairia a zero, haveria fartura na
mesa de todos e um surto de honestidade e de lisura administrativa
varreria o País de ponta a ponta, tornando os grandes escândalos
apenas tristes lembranças do passado.
Veio o tão
ansiosamente esperado 15 de março e nova frustração acabou
acontecendo para 135 milhões de pessoas, esperançosas e
expectantes. Quando na manhã daquele dia, programado para ser o da
maior festa nacional dos últimos tempos, as emissoras registraram a
posse do vice-presidente José Sarney ao invés da de Tancredo Neves,
o sentimento que tomou conta da maioria tornou-se impossível de ser
descrito.
Foi um
misto de desconfiança, de revolta, de resignação e de esperança
de que essa situação fosse apenas transitória. O choque inicial
foi sucedido por um autêntico “Calvário”, de 41 dias de
duração, quando os olhos e ouvidos do povo (e principalmente seu
coração) estiveram todos voltados para um leito de hospital. Para o
martírio que um mineiro simpático, de fala mansa e de ideias
conciliadoras (que lembrava um pouco o avô de todos nós) suportava,
com uma resignação de causar inveja.
Ao cabo
desse período, nova frustração. Deu-se a confirmação do desfecho
que todos tinham certeza de antemão qual seria, mas que teimavam em
acreditar que pudesse ser revertido. A partir daí, voltou a imperar
o célebre “cada um por si”.
Diante de
tantas circunstâncias aziagas, não é de se estranhar que reine
tanta confusão política quando as mudanças exigidas começam a ser
implantadas. Mas é indispensável que o povo não se deixe abater e
que não perca a visão daquilo que quer. Que não se desmobilize,
para poder cobrar dos políticos a sua obrigação, que é respeitar
a vontade de quem os elegeu.
Que não
permita que os escândalos e negociatas, que todos julgavam serem
coisas do passado, continuem se sucedendo, sem que os responsáveis
paguem por elas. Que não se deixe confundir por fórmulas
artificiosas e pseudo salvadoras, que fracassaram em outros tempos e
que não têm qualquer condição de vingar agora, por serem
totalmente ocas, vazias de qualquer conteúdo.
Que não
mais extravase suas frustrações num inócuo e subserviente mutismo
ou em práticas ilegais de sonegação ou de tácita anuência
àqueles que o exploram. É preciso cobrar com moderação; exigir,
com juízo; pressionar, com sabedoria. Afinal, este País é de todos
nós e não apenas de uma meia dúzia de “iluminados”. Exerçamos,
pois, a nossa cidadania plenamente. Reformemos a casa, sem que para
isso desarrumemos todos os móveis.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 8 de
dezembro de 1985).
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