Wednesday, December 13, 2017

Montinho de segredos

Pedro J. Bondaczuk

O que é o homem? É a imagem e semelhança do Criador do universo, do Ser Supremo, onipotente, onipresente, onisciente e eterno, dotado de uma alma imortal, conforme apregoam as religiões, ou um animal como qualquer outro, com o único diferencial de ter um sistema nervoso mais bem desenvolvido, como cientistas de várias especialidades tentam, há tempos, em vão, demonstrar?

Prefiro acreditar na primeira alternativa. Até porque, a despeito de todas as tentativas, que não foram poucas, a ciência não conseguiu demonstrar, sequer aproximadamente, sua tese. Já se tentou, inclusive, criar “vida” em laboratório, mas esses esforços (insensatos e inúteis) redundaram, todos, invariavelmente, em fracassos.

Afinal, o que é o homem? É um ser mutante, em contínuo processo de evolução, ou um animal que surgiu acidentalmente e está fadado a desaparecer enquanto espécie? Que as mudanças são a principal característica da vida, todos sabem, e de sobejo, se não pela consciência, ou pela observação, ou pela experiência, ao menos pela intuição.

Muda nossa aparência, alteram-se nossos gostos, multiplicam-se nossos conhecimentos, mudam (para melhor ou para pior) nossas circunstâncias. Tudo, absolutamente tudo, passa por permanente e contínua alteração. Os males que nos afligem e que parecem intermináveis, um dia, sem que às vezes sequer nos apercebamos, vão desaparecer.

Da mesma forma, deixarão de existir muitos bens que nos são preciosos. Pessoas amadas vão morrer, ou se mudar para outros lugares; abriremos mão de atividades que nos dão orgulho e prazer e perderemos coisas que julgamos, hoje, preciosas e imprescindíveis. Tudo, absolutamente tudo, portanto, passa, se transforma e muda.

Só as consequências dessas mudanças é que permanecem em nosso espírito enquanto vivermos. Luiz Vaz de Camões escreveu os seguintes versos a esse propósito:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem, se algum houve, as saudades”.

Cientistas e céticos empedernidos, do alto da sua arrogância e soberba, tentam, a todo o momento, reduzir o homem à condição finita e de pura animalidade. Apresentam teorias e mais teorias, todas sem levar em conta a principal característica da espécie: a plena consciência de si e do vasto e misterioso universo que o cerca. Todavia, as tentativas revelam-se vãs e falaciosas. Apesar da sua fragilidade e efemeridade, esse ser, incompreensível para si mesmo, tem lampejos de grandeza e de transcendência que sugerem origem e destino muito mais grandiosos do que estes. Quais? Não sei!

Austregésilo de Athayde escreveu, em 30 de abril de 1960, em sua coluna “Vana Verba” (que publicava semanalmente na extinta revista “O Cruzeiro”): “Houve, no curso dos tempos, outras ocasiões em que os homens se deixaram embalar na ideia de que estaria a seu alcance, pelo trabalho de laboratório, conhecer os segredos da natureza e por meio deles destruir o Espírito, com todas as suas imensas criações. Prefiro a vida espiritual nas plenitudes que oferece a aferrar-me a certas hipóteses científicas que estão sendo invocadas para reduzir o homem à condição finita da pura animalidade e jungi-lo a preconceitos de ordem materialista, mais detestáveis e estéreis do que aqueles outros que nascem de uma consideração superior do nosso destino”. Também prefiro.

Minha intuição me diz que há profundas falhas quer no teor dessas pesquisas (e na sua motivação), quer em suas conclusões, que me soam absurdas, embora não tenha conhecimentos e informações suficientes para apontar o erro. Não entendo esse empenho em apequenar o homem, amesquinhá-lo e em reduzi-lo à exclusiva condição animal.

Concordo com Austregésilo de Athayde quando pondera: “ Não se trata de falta de fé na ciência, mas da verificação de que as respostas que a ciência nos dá não satisfazem as imensas indagações relativas à origem e ao fim do homem, à existência do Universo, não apenas em sua natureza, como também e sobretudo à sua finalidade”.

É verdade que os líderes espirituais falharam, até aqui, na apresentação de argumentos sólidos e inquestionáveis, que rebatam essas mesquinhas teorias mecanicistas. Transformaram as religiões (temo que todas), num mero conjunto de rituais inúteis e desnecessários, em vez de promover ininterrupta comunhão espiritual com o Criador desse magnífico e misterioso conjunto de mundos, que intuo seja infinito.
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Volto à questão inicial: o que é o homem? Nenhuma resposta, dada até hoje por cientistas, filósofos e teólogos me convenceu. Apesar de genérica, a de André Malraux, que reproduzi no início destas reflexões, tem lá seu fundo de verdade, embora seja contaminada por um desnecessário e contestável adjetivo.

O escritor francês indagou:: “O que é um homem?”. E, na impossibilidade de uma definição exata, concluiu, simplesmente: “Um miserável montinho de segredos”. O que poluiu e comprometeu, porém, sua definição (paradoxalmente indefinida) foi o adjetivo. Rebelo-me contra mais essa tentativa de desqualificar a espécie com essa designação genérica de “miserável”.




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