Montinho de segredos
Pedro J. Bondaczuk
O que é o homem? É a imagem
e semelhança do Criador do universo, do Ser Supremo, onipotente,
onipresente, onisciente e eterno, dotado de uma alma imortal,
conforme apregoam as religiões, ou um animal como qualquer outro,
com o único diferencial de ter um sistema nervoso mais bem
desenvolvido, como cientistas de várias especialidades tentam, há
tempos, em vão, demonstrar?
Prefiro acreditar na primeira
alternativa. Até porque, a despeito de todas as tentativas, que não
foram poucas, a ciência não conseguiu demonstrar, sequer
aproximadamente, sua tese. Já se tentou, inclusive, criar “vida”
em laboratório, mas esses esforços (insensatos e inúteis)
redundaram, todos, invariavelmente, em fracassos.
Afinal, o que é o homem? É
um ser mutante, em contínuo processo de evolução, ou um animal que
surgiu acidentalmente e está fadado a desaparecer enquanto espécie?
Que as mudanças são a
principal característica da vida, todos sabem, e de sobejo, se não
pela consciência, ou pela observação, ou pela experiência, ao
menos pela intuição.
Muda nossa aparência,
alteram-se nossos gostos, multiplicam-se nossos conhecimentos, mudam
(para melhor ou para pior) nossas circunstâncias. Tudo,
absolutamente tudo, passa por permanente e contínua alteração. Os
males que nos afligem e que parecem intermináveis, um dia, sem que
às vezes sequer nos apercebamos, vão desaparecer.
Da mesma forma, deixarão de
existir muitos bens que nos são preciosos. Pessoas amadas vão
morrer, ou se mudar para outros lugares; abriremos mão de atividades
que nos dão orgulho e prazer e perderemos coisas que julgamos, hoje,
preciosas e imprescindíveis. Tudo, absolutamente tudo, portanto,
passa, se transforma e muda.
Só as consequências dessas
mudanças é que permanecem em nosso espírito enquanto vivermos.
Luiz Vaz de Camões escreveu os seguintes versos a esse propósito:
“Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a
confiança;
todo o mundo é composto de
mudança,
tomando sempre novas
qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da
esperança;
do mal ficam as mágoas na
lembrança,
e do bem, se algum houve, as
saudades”.
Cientistas e céticos
empedernidos, do alto da sua arrogância e soberba, tentam, a todo o
momento, reduzir o homem à condição finita e de pura animalidade.
Apresentam teorias e mais teorias, todas sem levar em conta a
principal característica da espécie: a plena consciência de si e
do vasto e misterioso universo que o cerca. Todavia, as tentativas
revelam-se vãs e falaciosas. Apesar da sua fragilidade e
efemeridade, esse ser, incompreensível para si mesmo, tem lampejos
de grandeza e de transcendência que sugerem origem e destino muito
mais grandiosos do que estes. Quais? Não sei!
Austregésilo de Athayde
escreveu, em 30 de abril de 1960, em sua coluna “Vana Verba” (que
publicava semanalmente na extinta revista “O Cruzeiro”): “Houve,
no curso dos tempos, outras ocasiões em que os homens se deixaram
embalar na ideia
de que estaria a seu alcance, pelo trabalho de laboratório, conhecer
os segredos da natureza e por meio deles destruir o Espírito, com
todas as suas imensas criações. Prefiro a vida espiritual nas
plenitudes que oferece a aferrar-me a certas hipóteses científicas
que estão sendo invocadas para reduzir o homem à condição finita
da pura animalidade e jungi-lo a preconceitos de ordem materialista,
mais detestáveis e estéreis do que aqueles outros que nascem de uma
consideração superior do nosso destino”. Também prefiro.
Minha intuição me diz que há
profundas falhas quer no teor dessas pesquisas (e na sua motivação),
quer em suas conclusões, que me soam absurdas, embora não tenha
conhecimentos e informações suficientes para apontar o erro. Não
entendo esse empenho em apequenar o homem, amesquinhá-lo e em
reduzi-lo à exclusiva condição animal.
Concordo com Austregésilo de
Athayde quando pondera: “ Não se trata de falta de fé na ciência,
mas da verificação de que as respostas que a ciência nos dá não
satisfazem as imensas indagações relativas à origem e ao fim do
homem, à existência do Universo, não apenas em sua natureza, como
também e sobretudo à sua finalidade”.
É verdade que os líderes
espirituais falharam, até aqui, na apresentação de argumentos
sólidos e inquestionáveis, que rebatam essas mesquinhas teorias
mecanicistas. Transformaram as religiões (temo que todas), num mero
conjunto de rituais inúteis e desnecessários, em vez de promover
ininterrupta comunhão espiritual com o Criador desse magnífico e
misterioso conjunto de mundos, que intuo seja infinito.
.
Volto à questão inicial: o
que é o homem? Nenhuma resposta, dada até hoje por cientistas,
filósofos e teólogos me convenceu. Apesar de genérica, a de André
Malraux, que reproduzi no início destas reflexões, tem lá seu
fundo de verdade, embora seja contaminada por um desnecessário e
contestável adjetivo.
O escritor francês indagou::
“O que é um homem?”. E, na impossibilidade de uma definição
exata, concluiu, simplesmente: “Um miserável montinho de
segredos”. O que poluiu e comprometeu, porém, sua definição
(paradoxalmente indefinida) foi o adjetivo. Rebelo-me contra mais
essa tentativa de desqualificar a espécie com essa designação
genérica de “miserável”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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