Gosto por algarismos
Pedro J. Bondaczuk
Os números sempre me
fascinaram, não sei bem por qual razão. Aliás, não sabia, pois
não faz muito descobri o por quê. Mas isso explico depois. Como ia
dizendo, sempre tive facilidade (diria que inata) para cifras,
cálculos, contas as mais complexas e variadas. Na escola, por
exemplo, essa minha aptidão tornou-me popular entre os colegas.
Afinal, nove entre dez estudantes se queixam da matemática. Talvez
essa minha estimativa seja um tanto exagerada, mas a maioria dos
alunos não gosta mesmo de raciocinar.
O pitoresco é que, embora
tenha enveredado para profissões caracterizadas pelo uso das letras
(jornalista e, posteriormente, escritor), quando cursava o primário
eram os números que salvavam minha média, no boletim escolar, para
indisfarçável orgulho do meu pai.
Quando a professora colocava
na lousa algum problema, por exemplo, era até covardia. Cheguei a
ser advertido em várias ocasiões por minha afoiteza. Mal ela
completava a questão, eu já estava de mão erguida, com a solução
na pontinha da língua. Isso atrapalhava a aula, ela dizia.
Foi um fascínio quando
aprendi o conceito de frações. Calcular o máximo divisor comum e o
mínimo múltiplo comum tornou-se, para mim, grande diversão. Claro
que os colegas me olhavam como se eu fosse uma aberração, um ET que
eventualmente houvesse caído na Terra. Mas essa aptidão fez com que
meu cartaz com as menininhas (e estudei com algumas lindas, lindas)
fosse às nuvens, o que se tornou vantagem sobressalente e
inesperada.
E quando fui “apresentado”
à álgebra?! Foi a glória! Virou mania para mim. Mais para a
frente, já no antigo curso científico, diverti-me com fatoração,
cálculo diferencial e integral e, sobretudo, com a trigonometria.
Estranhamente, não me saí tão bem, pelo menos não como com a
álgebra, em geometria. Mas deu para o gasto.
Quando fazia cursinho para
prestar vestibular de Medicina, cheguei a ganhar um bom dinheiro
dando aulas particulares de Matemática. Tive, então, alunos que já
estavam bem mais adiantados do que eu nos estudos, que eram
universitários, mas sempre me saí bem. Trago no meu currículo o
fato de nunca alguém que tenha aprendido comigo haver sido
reprovado. Foi aproveitamento de cem por cento.
Nessa época, eu morava em uma
república, no distrito de Barão Geraldo, aqui em Campinas. Não
tínhamos televisão em casa e, por isso, os domingos e feriados, em
que não podia por algum motivo me encontrar com a namorada, tendiam
a ser chatíssimos, principalmente quando chovia. Sabem o que eu
fazia para me distrair? Resolvia problemas matemáticos. Tinha livros
e mais livros com as questões que haviam caído nos principais
vestibulares do País. Resolvê-las tornou-se, para mim, a coisa mais
divertida do mundo. Claro que os colegas me consideravam um “maluco
de pedra”.
Professores, parentes e amigos
recomendavam-me que escolhesse alguma carreira em que os números
fossem fundamentais, como engenharia, arquitetura ou, até mesmo, a
física. Nenhuma dessas profissões, contudo, me fascinava. Eu queria
porque queria ser médico. Quando tive que desistir da Medicina, já
no segundo ano, por circunstâncias absolutamente alheias à minha
vontade, poderia ter optado por alguma dessas atividades. Seria o
mais lógico a fazer. Não optei.
Enveredei pelo jornalismo, fui
tomando gosto pela coisa e produzindo, à margem, meus furtivos
textos literários, que mantive, por muito tempo em segredo, na
gaveta, longe dos olhares (críticos e indiscretos) alheios, até que
assumi de vez o primitivo e quase esquecido sonho de menino: ser
escritor.
Como ia dizendo no início
dessas recordações, um dia desses descobri a razão de tamanho
fascínio pelos números. E quem me abriu os olhos foi alguém dos
mais ilustres (e põe ilustre nisso!). Foi ninguém menos do que
Machado de Assis.
Lendo a série de crônicas
que ele publicou em sua coluna “História de quinze dias”, no
jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, na datada de 1°
de junho de 1876 deparei-me com este trecho revelador: “Gosto dos
algarismos, porque não são de meias medidas nem de metáforas. Eles
dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um nome feio, mas não
havendo outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As
letras fizeram-se para frases; o algarismo não tem frases, nem
retórica”.
Eureka! Bateu instantaneamente
no cocuruto um relâmpago de compreensão! É isso aí! Como o mais
genial escritor brasileiro, também descobri que gosto dos algarismos
por eles não serem de meias medidas. Caracterizam-se pelo rigor,
pela exatidão, pela certeza. São o oposto da vida, embora eu a
encare como intrincadíssimo problema matemático que me desafia a
solucioná-la. Estou tentando.
Ademais, gostaria que as
pessoas (todas elas, inclusive eu) fossem como Machado de Assis diz
que são os algarismos: sinceros, francos, ingênuos. São três
características francamente em falta nos relacionamentos cotidianos,
não importa sua natureza, se afetivos, profissionais, sociais
etc.etc.etc. Mas isso já é querer demais, não é mesmo?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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