O verso bom
Pedro J. Bondaczuk
A minha admiração pela obra
de Jorge Luiz Borges é irrestrita e jamais escondi isso de ninguém.
E nem seria necessário esconder. Praticamente todas as pessoas,
através dos tempos, adotaram ídolos nos quais se espelharam, não
importa de que atividade eles eram. Outrora, estes indivíduos
tomados como referenciais eram guerreiros, que se destacavam em
batalhas, que em defesa de princípios, quer de mera conquista de
territórios.
Houve tempo em que esses
parâmetros de grandeza e de eficiência foram os exploradores de
terras desconhecidas e distantes, os grandes navegadores, os
aventureiros que incendiaram a fantasia de gerações, notadamente
dos jovens. Hoje em dia, porém, as opções são mais modestas e
estão restritas a mega atletas (que quebram recordes e mais recordes
nas pistas e nas piscinas), jogadores de futebol, vôlei, basquete ou
qualquer outro esporte popular e/ou astros do cinema e da música
popular.
Eu, da minha parte, elegi
escritores como modelos do que sempre quis ser. São os meus ídolos.
E, entre eles, Borges ocupa, sem dúvida, lugar de grande destaque.
Confesso ter sofrido influência decisiva do mago que tinha nos
tigres e nos labirintos verdadeira obsessão na minha forma de fazer
literatura e, sobretudo, de ver o mundo. Claro que não foi só ele o
meu guru. Fui influenciado, igualmente, por Machado de Assis,
Fernando Pessoa, Antônio Vieira, Gabriel Garcia Márquez, Octávio
Paz e tantos e tantos outros, que me indicaram caminhos a seguir e me
deram aulas de lucidez e racionalidade em seus escritos.
Poeta, ensaísta e contista, o
escritor argentino (para mim ele mais do que detentor de uma
nacionalidade específica, é cidadão do mundo), criou um estilo
literário “sui generis”, em que seus personagens mesclam
situações de realidade e fantasia que nos enredam, acumpliciam e
convidam à reflexão. É impossível ler algum dos seus textos sem
se deter, amiúde, para refletir sobre algum dos mistérios da vida e
do universo que ele aborda, mesmo que para discordar das suas
colocações. E são tantos…
Gosto, sobretudo, do poeta
Jorge Luiz Borges. Não que despreze o que escreveu em outros
gêneros. Pelo contrário! Entendo, no entanto, que é na poesia que
ele revela toda a sua criatividade ímpar e que transcende ao seu
tempo e até à sua humanidade. Ascende, por intermédio dela, o
panteão dos imortais, ao lado de Homero, Virgílio, Horácio, Camões
e mais um punhado de gênios.
Em uma entrevista que concedeu
pouco antes da sua morte, Borges destacou: “Não há nada neste
mundo que se possa comparar ao poeta. Porque este vislumbra o que vai
além do horizonte. E isto é o todo”. E não é?! E ele vai mais
além. Considera o poeta “construtor lírico de uma humanidade
melhor”. Também penso dessa forma.
Há, claro, Poesia (com “p”
maiúsculo) e mero arremedo dela. Há versos marcantes, que depois de
lidos nunca mais se apagam da nossa memória e outros cujo
significado não chegamos jamais a apreender e que, por consequência,
não geram qualquer efeito, por não passarem de mera pirotecnia
verbal.
Há poemas que morremos de
inveja por não termos sido nós seus autores e outros tantos que não
passam de empulhação, sem forma e sem conteúdo. Que são palavras
soltas ao léu e às vezes nem isso, ou seja, meras letras esparsas
ou simples sinais gráficos. Que valor isso tem? Que sentimentos
esses pseudo poemas despertam? Em mim, nenhum. Não vejo poesia
nisso. Enfim... Há gosto para tudo.
Há, porém, algum critério
que permita avaliar a qualidade dos versos de um poeta? Qual? Afinal,
trata-se de uma avaliação tão subjetiva! O que pode me agradar,
por exemplo, provavelmente desagrade à maioria e vice-versa.
Concordo que o poeta “brinque” com as palavras e até que crie
neologismos. Só não posso concordar com a violação das regras do
idioma, a pretexto de se fazer poesia. Muitos agem assim e querem se
impor como poetas. Não são! E se o forem, são de quinta categoria.
Borges escreveu a respeito:
“Um verso bom não pode ser lido em voz baixa – ou em silêncio.
Se isso for possível, então o verso não vale a pena, pois um verso
sempre exige sua pronúncia. O verso nos faz lembrar que, antes de
arte escrita, foi uma arte oral; o verso nos lembra que inicialmente
foi um canto”. E não tem razão? Originalmente, a poesia foi um
canto. A musicalidade ainda hoje é fundamental. Portanto, está aí
um bom critério de avaliação de versos. E quem faz essa afirmação
não é nenhum poetastro, convenhamos, mas um dos mais criativos e
marcantes poetas dos tempos modernos.
Para Borges, um poema nunca
estará concluído enquanto estivermos vivos. O que parece ser um
novo, é, na verdade, sempre o mesmo, posto que sob novos enfoques,
com outra roupagem, outras palavras, certamente, com metáforas
diversas das anteriores, mas ainda assim uma continuidade da criação
original. O que se requer do poeta é disposição e, mais do que
isso, coragem para continuar escrevendo esse mesmo poema até
encontrar um final eloquente
e definitivo para ele. E ele jamais saberá se conseguiu concluir, de
fato, ou não, o que estava escrevendo.
Borges acrescentou, a
propósito: “Talvez em uma dezena de dias esse poema que passei
escrevendo a vida toda se transforme em uma obra completa. Do
contrário, deverei seguir pensando como Galileu Galilei, que a
valentia é uma forma de lucidez”. O dele, certamente, foi
complementado, e com talento, grandeza e sensibilidade.
Seus versos são impossíveis
de serem lidos em voz baixa e ecoam em nossa alma vida afora. Daí
Borges haver logrado aquela eternidade que todos nós, artistas,
procuramos e raros (raríssimos) conseguimos alcançar: a da
perpetuidade das obras. Inúmeras vezes ele afirmou que sua maior
ambição era ser esquecido depois que morresse. “O tempo se
encarregará de me suicidar”, afirmou, certa feita. Como, mestre?!
Como esquecer o que está gravado a ferro e fogo na memória e no
mais profundo patamar da nossa alma?! Borges é, e sempre será,
inesquecível!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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