Civilização contraditória
Pedro J. Bondaczuk
O
homem, nos dois últimos séculos --- notadamente no século XX ---
evoluiu, em termos tecnológicos, muito mais do que no restante da
história da espécie. Encurtou distâncias, criou máquinas e
utensílios que facilitaram a vida cotidiana, cultivou o solo, domou
o átomo e dominou as forças naturais para gerar a energia de que
precisa. Chegou a deixar seu domo cósmico, em busca de outros
mundos, ou através de pessoas --- no caso, as viagens tripuladas à
Lua de fins da década de 60 e início da de 70 do século passado
--- ou mediante os engenhos que criou, como as sondas espaciais
Pioneer e Voyager I e II e outras tantas. A cada dia, novas e
mirabolantes descobertas são anunciadas e a ousadia humana, no campo
científico, parece não ter limites.
Todavia,
a esse avanço extraordinário da técnica e da ciência não
correspondeu uma evolução do comportamento. Em alguns aspectos,
houve, até mesmo, perigosa regressão. Desníveis sociais e de renda
persistem, não apenas entre países, mas no interior de todas as
sociedades nacionais mais avançadas. Os Estados Unidos, por exemplo,
constituem-se no país mais rico e poderoso do mundo. No entanto, por
volta de 50 milhões de seus cidadãos vivem abaixo da linha da
miséria. E o fosso entre ricos e miseráveis aprofunda-se mais e
mais. Isso ocorre em todos os quadrantes. Verifica-se no espaço e no
tempo. Acentua-se de uma geração para outra. Não há, nos dias
atuais, uma única sociedade que possa ser tomada como paradigma de
justiça social. E nem que sequer se aproxime disso.
O
economista italiano Aurélio Peccei, fundador do Clube de Roma,
constatou, no livro "Antes que Seja Tarde Demais", escrito
em parceria com o pensador budista japonês Daisaku Ikeda: "Nos
precipitamos para o futuro, usando os recursos mais avançados ao
nosso dispor, enquanto as ideias, as emoções, as políticas e as
instituições continuam ancoradas em um passado que já não
existe". Seria este o destino do homem? Este animal superior ---
já que é dotado de razão --- existiria apenas para fazer "coisas",
com os limitados recursos do planeta que habita?
O
ensaísta norte-americano Henry David Thoreau, em seu livro
"Desobedecendo", uma espécie de "manual" de
desobediência civil, que estimulou Mohandas Karamanchand Gandhi em
sua luta pela independência da Índia, acentuou, em um de seus
melhores ensaios, intitulado "A vida sem princípios":
"Instalamos nossos corpos imensos em nossas almas frágeis, até
que os primeiros engulam toda a substância das segundas". Ou
seja, sobrepomos nossas satisfações físicas às espirituais e
acabamos não satisfazendo nem a uma e nem a outra.
O
homem, a todo instante, inventa novas necessidades e com elas corre o
risco de exaurir, em uma única geração, os recursos limitados do
Planeta que deveriam ser preservados para milhares, quiçá milhões
delas, através dos milênios vindouros. Age sem senso e sem cuidado.
Destrói espécies inteiras, que jamais serão repostas. Com isso,
condena a própria humanidade a uma futura e dolorosa extinção.
O
próprio Peccei alerta: "Só a nossa ignorância atual nos
impede de compreender o quanto a diversificação estupenda e
abundante da vida é indispensável para nossa existência saudável.
Toda planta ou animal, erva ou inseto, por menor ou mais humilde que
seja, é, em si, um microcosmo. Extinguir outras formas de vida é
pior do que queimar bibliotecas, porque estamos destruindo para
sempre uma fonte de conhecimento que talvez não exista em nenhum
outro lugar a não ser em sua sabedoria e experiência naturais".
Por
isso, não se pode deixar de dar razão a Edgar Morin quando
questiona se o homem merece mesmo a designação de "homo
sapiens", ou se não seria mais adequado chamar esse ser
contraditório de "homo demens".
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