Monday, December 04, 2017

No devido contexto



Pedro J. Bondaczuk


A reforma constitucional, como já havia ocorrido antes com as “Diretas já” ou com a Constituinte, vem sendo colocada pelos políticos e por setores da mídia como a “salvação da lavoura” no País. Esse comportamento é muito do nosso feitio, tendo em vista a baixa – diríamos baixíssima – politização da grande maioria dos brasileiros.

Não se trata de prática nova. A leitura de textos políticos do século passado mostra que essas expectativas exacerbadas e sua exploração para acalmar descontentamentos sempre estiveram presentes na vida nacional, variando de assunto.

Nos tempos de Brasil colônia, a independência era colocada como o grande tema, o ato que iria trazer prosperidade e, consequentemente, felicidade a todo o povo. Não trouxe. Não, pelo menos, para a maioria. Claro que foi importante a obtenção da autonomia. Mas a questão não foi colocada no devido contexto. E tome frustração.

Após a abdicação de Dom Pedro I em favor de seu filho, menor de idade, em todo o turbulento período da Regência, em que por muito pouco o País não se fragmentou em pequenas e inexpressivas republiquetas, a maioridade de Dom Pedro II passou a ser a palavra de ordem.

Tempos depois, a proclamação da República foi colocada como a palavra mágica. E continuamos, anos afora, com a elite nos enganando e nós nos deixando enganar e gostando. Reformar a presente Constituição não deixa de ter a sua importância. Afinal, os constituintes de 1986 elaboraram um autêntico “monstrengo”, fruto dos “centrões” da vida, dos mais variados lobbies, dos interesses conflitantes que os políticos tentaram satisfazer etc.

E de tanto querer agradar a todo o mundo, acabaram não agradando a ninguém. Elaboraram um texto constitucional prolixo, confuso, contraditório, que em alguns casos descambou para o ridículo. O que se conseguiu foi, apenas, tornar o País ingovernável, ou quase.

Não há como negar a necessidade de reformas na Constituição, agora através de emendas. Os parlamentares jogaram fora a oportunidade de uma revisão simples, tranquila e sem complicações, que deveria ter sido feita no ano passado, mas não foi. Mas o processo é colocado, principalmente pelo governo, como crucial.

Coloca-se, para a opinião pública, que se não ocorrer este ano, logo no primeiro semestre, o País vai afundar no poço de outra de suas eternas crises – que os mais politizados sabem, e muito bem, em que se originam.

Dão a entender que se o texto constitucional for reformado, da noite para o dia teremos um novo país. As hordas de famintos serão substituídas por multidões bem alimentadas e felizes. Haverá emprego, com remuneração justa e decente, para todos os trabalhadores (quando se sabe que, dada a modernização das empresas e o despreparo da mão de obra, a maioria jamais conseguirá obter colocação fixa, tendo que se contentar com a economia marginal). Nossos hospitais públicos vão rivalizar com os do Primeiro Mundo em termos de condições e de bom atendimento. Nossas escolas serão padrões de excelência educacional. Ora, ora, ora…

O pior é que a principal das reformas, o âmago do problema, que é o nó político, sequer vem merecendo menção. Concordamos com Luiz Alberto Bahia, que no artigo “Democracia Ignorada”, publicado no caderno Brasil 95 do jornal “Folha de S. Paulo” em 11 de setembro do ano passado, advertiu: “Nenhum processo democrático decisório ganhará raízes, na estima popular, se a representação mandatária não for disciplinada por uma prática partidária, simplificada quanto ao número de partidos e aberta à grande participação de todos, mediante a vida política diária”.

Alterar a Constituição, com critério e competência, é importante. Mas não é, por si só, salvo-conduto da felicidade coletiva.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 12 de fevereiro de 1995).



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: