Tuesday, December 05, 2017

Em busca da vocação



Pedro J. Bondaczuk


Campinas, ao ensejo do seu 229º aniversário de fundação, segue magnífica espiral de progresso em sua memorável trajetória histórica, apenas interrompida, por um breve momento, em fins do século XIX, quando da epidemia de febre amarela, que quase a varreu do mapa.

Debelada a doença, todavia, retomou a trilha do desenvolvimento, nunca mais interrompida, conseguindo, ao longo dos anos, índices extraordinários de evolução, nos mais variados campos de atividade. Foi, no século XVIII, respeitável centro açucareiro. Na virada do século seguinte, enriqueceu com o café. Tornou-se pioneira da indústria no Estado. Transformou-se em estratégico entroncamento rodoferroviário. E hoje, a cidade é extremamente eclética, sobretudo no que diz respeito à economia.

É uma das principais praças bancárias do País. É importante centro comercial do Estado. Constitui-se em relevante polo exportador e de alta tecnologia, carreando preciosas divisas para o Brasil. É uma das cidades preferidas para investimentos, pela excelência de sua preparada e farta mão de obra. E, para culminar, constitui-se em um dos mais requisitados e reputados centros universitários, com já tradicionais instituições de pesquisa avançada, que vêm granjeando respeito e admiração, nacional e internacionalmente.

Com pouco mais de um milhão de habitantes, Campinas é uma metrópole moderna, e com múltiplas vocações. Apesar de tudo isso, todavia, convive com problemas crônicos, que entra ano, sai ano, não conseguem ser solucionados e que, por falta de solução, tendem a se agravar. Requer, por exemplo, elevados investimentos em infraestrutura urbana, sobretudo viária, com ruas e avenidas à beira de um colapso, por não comportarem seu pesado volume de tráfego, já que conta com uma das maiores médias de veículos motorizados por habitante de todo o País.

Os transportes públicos de passageiros, por seu turno, são cada vez mais insuficientes para atender a uma crescente, senão explosiva, demanda. Campinas requer largas avenidas, túneis, viadutos e outras tantas obras de grande vulto, que tornem mais fácil o acesso à sua área central, que, no entanto, está envelhecida e congestionada. Onde, contudo, os recursos para investimentos públicos de tamanho porte, quando se sabe que o Município tem uma alta dívida a saldar, de empréstimos tomados, muitos no Exterior, por sucessivas administrações, que não investiram esses recursos com prudência e com sabedoria?

A situação social, por outro lado, em sua pobre periferia, é um retrato do que ocorre em todo o País, com hordas de miseráveis e de excluídos requerendo urgente amparo. Há um elevado déficit habitacional, levando dezenas de milhares de campineiros a viverem em favelas, que de três décadas para cá, se expandiram e se multiplicaram. E esse problema foi agravado pela grande migração que se verificou nos anos 60, 70 e meados de 80.

A violência urbana – posto que do ano passado para cá tenha diminuído discretamente – continua assustando. A cidade ostenta, por exemplo, em números absolutos de homicídios, cifras intoleráveis, superiores aos de várias metrópoles mundiais, tidas e havidas, tradicionalmente, como muito violentas, como Nova York, que tem população 12 vezes maior, e Bogotá, na Colômbia. Não foi por acaso que Campinas ficou conhecida, de uns anos para cá, como a “capital brasileira do crime organizado”, em especial de roubo de cargas.

Não é essa, todavia, a sua vocação. Esta triste e incômoda fama, aliás, ofuscou muitos e muitos e muitos dos notáveis feitos da sua população, excepcionais, quando comparados com os de outras localidades do mesmo porte. Esta metrópole interiorana supera, por exemplo, em praticamente todos os índices de desenvolvimento humano, a grande maioria das capitais de Estado do País. Sozinha, é responsável pela geração do 8% do Produto Interno Bruto brasileiro.

Conta com hospitais que são referências de qualidade na América Latina. Suas escolas e universidades são da maior excelência, reconhecidas e, por isso, procuradas, por estudantes de todo o País e do Exterior. Esta é a sua verdadeira vocação: a de liderança. A de desenvolvimento humano. A de geradora e exportadora de arte, de cultura, de esportes e de riquezas. O mais, certamente, será superado, mais dia menos dia, com muito trabalho, criatividade e determinação, coisas que, a rigor, jamais faltaram ao seu povo excepcional.

(Editorial publicado na Folha do Taquaral em 14 de julho de 2003).



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