Mobilidade do tempo
Pedro J. Bondaczuk
O
tempo transforma, profundamente, tudo e todos e, principalmente, os
que escolhem caminhos errados e desperdiçam estupidamente suas
vidas. O arrogante, por exemplo, ao cabo dos anos, faz-se humilde, ao
se dar conta que não é tão importante como pensava, que nunca foi
ou será o centro do mundo, como julgava que fosse. A dura realidade
se encarrega de derrubar sua crista.
O
idealista, por seu turno, torna-se cínico, quando percebe quão
pífio e vazio era aquele ideal que julgava revolucionário ou que,
pelo menos, dava a entender aos outros que mudaria o curso da
história. É possível enganar os outros por muito tempo ou, até,
em determinadas circunstâncias, o tempo todo, mas jamais
conseguiremos enganar para sempre a nós mesmos.
Finalmente
o crente, que abraçou crença errada, passa a descrer de tudo e de
todos e se transforma em empedernido céptico. Há crenças que são
nitidamente meras superstições. Às vezes tarda para que cheguemos
a essa conclusão, que para a maioria é óbvia, mas lá um belo dia,
quando menos esperamos, a “ficha” cai.
Daí
a importância da adoção de valores adequados e de metas factíveis
para nossas vidas. Compete-nos valorizar adequadamente o que, de
fato, é importante, e descartar o inócuo, o fútil, o supérfluo e,
por conseqüência, o desnecessário. Não é, todavia, o que fazemos
na maioria das vezes. Não raro, carregamos, vida afora, toneladas de
“lixo”, evidentemente inútil, que não nos servem para
coisíssima alguma, em momento algum, e que só nos atrapalham.
A
atitude mais inteligente é a de sermos humildes sem nos humilharmos;
idealistas, mas com os pés no chão, e crentes, mas no racional e no
transcendental. Outro equívoco em que geralmente incorremos é o de
deixamos de valorizar adequadamente alegrias, que julgamos pequenas,
e sucessos, que entendemos como pífios e banais.
O
tempo, contudo, se encarrega de repor as coisas em suas devidas
proporções. Passados anos, nos damos conta que aquelas amizades,
por exemplo, a que não soubemos dar o devido valor, eram grandiosas
e essenciais. E o oposto, por sua vez, também ocorre. Ou seja,
descobrimos, atônitos e desolados, que aquela pessoa que julgávamos
amiga incondicional era, na verdade, oportunista, ou falsa ou o que o
povão denomina de “traíra”.
Concluímos,
por outra parte, que as satisfações que entendíamos como ínfimas,
foram os momentos mais marcantes das nossas vidas, que não soubemos,
por erro de enfoque, usufruir devidamente.. E então nos frustramos
diante da nossa cegueira. Mas então é tarde. O tempo é
irreversível. Não podemos, claro, retornar ao passado e viver
novamente, agora de forma adequada, os acontecimentos que não
soubemos valorizar.
O
mais sábio e mais sensato é valorizarmos cada alegria e cada êxito
do nosso cotidiano (mesmo que nos pareçam pequenos e banais) como
magníficas ocorrências e extraordinários feitos, tendo sempre em
mente as inspiradas palavras do poeta Virgílio, que num dos versos
do Livro Primeiro, da epopéia “Eneida”, colocou esta observação
na boca de um dos personagens: “Talvez um dia será agradável
recordar estas coisas”. Ironicamente, salvo raríssimas exceções,
sempre é.
Finalmente,
outro aspecto que trago à reflexão do paciente leitor, nestas
descompromissadas divagações, refere-se à forma com que marcamos o
tempo – na verdade uma abstração, uma convenção que criamos
para organizar nosso cotidiano. Sua medição caracteriza-se por
extremos. Pode ser longa ou curta, rápida ou lenta, infinitamente
pequena ou infinitamente grande.
O
importante, contudo, não é a dimensão do tempo, mas a maneira que
o utilizamos. Há os que dedicam horas e horas, dos anos produtivos
de sua vida, ao trabalho, em detrimento de atividades como o amor, as
amizades, a família, o lazer e tantas outras. O resultado,
invariavelmente, é a frustração.
Trabalhar,
sem dúvida, é importante, mas não tanto quanto viver. Virtude em
excesso acaba se tornando defeito. Moderação é o grande segredo
para tudo na vida. Gosto, por exemplo, de doce de leite, que me
agrada o paladar quando o consumo em pequenas porções, na
sobremesa. Caso coma um tacho inteiro, no entanto, certamente terei
uma devastadora diarreia.
E nunca mais vou querer provar essa delícia, que, para mim, passará
a ser veneno.
Há,
claro, pessoas que descambam para o outro extremo (e, convenhamos, em
muito maior quantidade do que os chamados “workaholics”).
Entregam-se ao ócio, à inércia, à preguiça, à vagabundagem
explícita e se anulam. Outros, ainda, divertem-se quanto podem, mas
negligenciam atividades mais nobres e prazerosas. Também se tornam
candidatos mais que certos ao fracasso e às desilusões.
A
verdade é que temos o péssimo hábito (salvo honrosas exceções)
de adiar para amanhã o que pode ser feito hoje. Mas não se trata só
de trabalho, mas de amores, de amizades, de relacionamentos de todas
as naturezas etc. Achamos que temos à nossa frente todo o tempo do
mundo, quando, na verdade, ele é escasso, ínfimo, reduzidíssimo,
quase que como mero piscar de olhos.
Adiamos,
por exemplo, aquela declaração de amizade, ou de amor, a alguém
que nos é muito caro e, subitamente, sem que nos venhamos a dar
conta, nos vimos afastados dessa pessoa tão querida, por alguma das
tantas contingências da vida. Deixamos para as calendas aquele
romance que pretendíamos escrever, aquela tela que planejávamos
pintar ou aquela canção que prometemos compor. E essas obras, via
de regra, jamais se concretizam. Ficam, apenas, no nebuloso plano das
intenções.
Marcel
Proust, no livro “Em busca do tempo perdido”, coloca a seguinte
verdade na boca de um dos personagens: “Teoricamente sabemos que a
Terra gira, mas nós não percebemos: o solo que pisamos não parece
se mexer e vivemos tranqüilos; o mesmo acontece com o tempo de nossa
vida”. Sejamos, pois, amáveis, determinados, alegres e felizes
hoje. Afinal, ninguém nos garante que ao menos teremos um amanhã!
Simples, não é verdade?
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