Quando nos subtraem até os sonhos
Pedro J. Bondaczuk
A norte-americana Vera Morton – que quando da
ocorrência do fato que narro, em junho de 1989, estava com 74 anos
de idade – e que vivia na cidade de Oklahoma City, certamente já
havia passado na ocasião por maus momentos em sua então já
relativamente longa existência. Vira parentes morrerem, sofrera com
o marido durante a sua prolongada enfermidade, se preocupara com
doenças dos filhos, com a educação dos netos e com tantas e tantas
outras coisas que afligem gente comum, como nós, e como ela, no dia
a dia.
Com certeza, em várias ocasiões deve ter manifestado horror com o mau-caratismo de determinadas pessoas, cujas ações nefastas foram (e são) diariamente notícias em jornais e na televisão. Assistira a filmes violentos, onde se irritara com os vilões e torcera pela vitória da justiça e do bem, como todos nós fazemos.
Todavia,
Vera Morton nunca poderia imaginar que viesse um dia a ser atingida
pessoalmente pela maldade humana, que em sua mente existia mais como
ficção, do que como a dura realidade que é. Por estranho que
pareça, existe gente assim, com essa inocência e candura, posto que
pessoas desse tipo são (infelizmente) cada vez mais raras nos dias
que correm.
Certamente
ela achava que todos no mundo (ou pelo menos a maioria dos habitantes
deste Planeta de tantos contrastes e conflitos) eram como ela e como
o círculo restrito das suas relações: bons, gentis, solidários e
amigáveis. Reitero: há muita gente, por incrível que pareça, que
ainda raciocina dessa maneira.
Em
junho de 1989, no entanto, a doce velhinha constatou, entre surpresa
e apavorada, que as coisas não eram como ela sempre pensou que
fossem, em seus 74 bem vividos anos. E essa descoberta, para ela
sumamente traumática, se deu num momento muito delicado: o da
separação definitiva de alguém que a acompanhou por 55 anos, a
quem amou extremosamente, cujos filhos gerou e ajudou a educar e que
havia morrido no dia 20 desse mês e ano, ou seja, o marido Albert
Morton.
É
verdade que, nas circunstâncias em que se deu essa morte (embora a
ausência do companheiro fosse muitíssimo dolorosa) o fato chegou a
lhe causar um certo alívio. Vera não suportava mais ver seu amado
parceiro sofrer tanto, vítima de uma doença insidiosa e incurável.
Mas o que de fato lhe doeu foi a descoberta de que a maldade
humana não era uma ficção, como sempre achou. Telefonemas
anônimos, por exemplo, com palavras cruéis e ofensivas, passaram a
lhe causar perturbação constante, despertando-lhe terror e
ressaltando o seu desamparo. Sentiu-se (com razão) ameaçada e
desprotegida.
Propostas indecorosas foram feitas, sem nenhum respeito à sua condição e à sua dignidade, sem que ela pudesse sequer suspeitar quem fosse seu indigno interlocutor. E para culminar, no dia do sepultamento do esposo, alguém subtraiu o que ela possuía de mais precioso no mundo: suas lembranças.
Um
ladrão entrou em sua casa, enquanto Vera estava no cemitério,
vasculhou sua “intimidade” (ao rebuscar gavetas cheias de objetos
sem valor material, mas de uma valia emocional que não tem preço) e
levou consigo seus maiores tesouros: um velho relógio, que ela
pretendia deixar por herança para o neto, e o que para ela era o bem
mais precioso que havia: a aliança de Albert.
Deixou,
em troca, mágoa, solidão, frustração e principalmente a dor de
uma (para ela) traumática revelação. Deixou-lhe a certeza,
incômoda, amarga e infeliz, de que a maldade, desgraçadamente, não
era apenas mera ficção, criada por mentes perturbadas: existia, de
fato. Quem dera que o mundo fosse habitado somente por pessoas com a
candura, a inocência e a ingenuidade de Vera Morton! Sim, quem
dera!!!
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