Custoso aprendizado
Pedro J. Bondaczuk
A leitura não consiste, como muito tolo desavisado ainda pensa, em
meramente juntar letras para formar sílabas, palavras, sentenças,
orações, períodos, capítulos e livros enfim. É um processo muito
mais complexo do que isso, que implica no pleno entendimento do que
se lê. O Brasil convive com essa tragédia (para nós, que
sobrevivemos da produção de textos e, claro, para as próprias
pessoas que estão nessas condições) que é o chamado
“analfabetismo funcional”.
A porcentagem de analfabetos puros, que já chegou a ser de 98%,
felizmente foi reduzida para 7%. Não é o ideal, óbvio, que seria a
alfabetização universal, ou seja, que não houvesse um único
brasileiro que não soubesse ler e nem escrever, mas é inegável que
a situação melhorou muito nesse aspecto. Agora, é preciso atacar
este outro problema que é de mais difícil solução.
Afinal de contas, o que vem a ser o “analfabeto funcional”?
Esclareça-se que o conceito varia de país para país. Na Polônia e
no Canadá, por exemplo, são classificadas como tal as pessoas que
têm escolaridade inferior a oito anos. No Brasil, está nesta
condição quem não completou o ensino fundamental, ou seja, os
quatro primeiros anos de estudo formal.
E são muitos? Muitíssimos!!! Chegam (pasmem) a 75% das pessoas
entre os 15 e os 64 anos. Ou seja, apenas 1 em cada 4 brasileiros
consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar
estudando. É muito pouco, pouquíssimo, não é verdade? O mais
grave é que nesse contingente estão incluídas muitas pessoas com
diploma. E estas não admitem, e se você lhes disser corre o risco
até de ser agredido, que são analfabetas, posto que funcionais. Mas
são!
Como fazer com que alguém evolua se sequer admite a necessidade
desse tipo de evolução? Para que fique claro o conceito, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco) define analfabeto funcional como toda pessoa que
sabe escrever o próprio nome, assim como lê e escreve frases
simples, efetua cálculos básicos, mas é incapaz de interpretar (e
de entender, portanto) o que lê.
Determinada escola particular paulista (que prefiro não identificar,
por não haver sido autorizado a tal), constatou que oitenta por
cento dos alunos que haviam se matriculado na 1ª série do colegial
eram incapazes de entender sequer as instruções contidas num desses
tantos manuais que acompanham os vários aparelhos eletrônicos
vendidos no comércio. É verdade que os textos destes não são
nenhum primor de clareza. Mas a cifra é elevadíssima para quem
estudou nove anos (isso se não repetiu nenhuma vez) e, pelo visto,
não aprendeu praticamente nada.
Como esperar que essas pessoas entendam complexos conceitos expostos
pelos grandes pensadores? Certamente, não entendem. O pior é quando
se metem a opinar sobre questões das quais não têm a menor noção.
E são inúmeros os que opinam, sem nenhum fundamento.
Infelizmente, muita gente que passa por erudita, com vários títulos
acadêmicos e diplomas de pós-graduação, têm nível baixíssimo
de compreensão do que lê. Muitos (muitíssimos) não conseguem
redigir um texto simples, de apenas uma página, em que se expressem
pelo menos com coerência. Não estou considerando, sequer, a
correção da linguagem.
Não raro, passamos uma vida toda lendo compulsivamente e, no
entanto, não aprendemos a ler. Somos incapazes, por exemplo, de
captar sutilezas nos textos dos bons autores. Não interpretamos,
como eles pretendiam, a fina ironia que utilizaram. Não captamos o
que ficou, apenas, inteligentemente nas entrelinhas.
Um dos maiores gênios da literatura mundial, o alemão Johann
Wolfgang von Goethe, escreveu a esse respeito: “Muitos não sabem
quanto tempo e fadiga custa a aprender a ler. Trabalhei nisso 80 anos
e não posso dizer que o tenha conseguido”. E isso foi escrito por
um dos escritores mais completos, mais sábios e mais argutos que já
existiram.
Ler, apenas por ler, não basta. É indispensável que a leitura seja
acompanhada de estudo, de reflexão, de comparações e de
extrapolações. “Mas isso dá muito trabalho”, dirão os
acomodados. Todavia, se não agirmos assim, poderemos viver uma
centena de anos, dedicar oitenta deles à leitura, ler dez mil livros
ou mais e, ainda assim, seremos, no fundo, no fundo, analfabetos
funcionais, posto que eruditos.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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