Wednesday, December 06, 2017

Custoso aprendizado

Pedro J. Bondaczuk

A leitura não consiste, como muito tolo desavisado ainda pensa, em meramente juntar letras para formar sílabas, palavras, sentenças, orações, períodos, capítulos e livros enfim. É um processo muito mais complexo do que isso, que implica no pleno entendimento do que se lê. O Brasil convive com essa tragédia (para nós, que sobrevivemos da produção de textos e, claro, para as próprias pessoas que estão nessas condições) que é o chamado “analfabetismo funcional”.

A porcentagem de analfabetos puros, que já chegou a ser de 98%, felizmente foi reduzida para 7%. Não é o ideal, óbvio, que seria a alfabetização universal, ou seja, que não houvesse um único brasileiro que não soubesse ler e nem escrever, mas é inegável que a situação melhorou muito nesse aspecto. Agora, é preciso atacar este outro problema que é de mais difícil solução.

Afinal de contas, o que vem a ser o “analfabeto funcional”? Esclareça-se que o conceito varia de país para país. Na Polônia e no Canadá, por exemplo, são classificadas como tal as pessoas que têm escolaridade inferior a oito anos. No Brasil, está nesta condição quem não completou o ensino fundamental, ou seja, os quatro primeiros anos de estudo formal.

E são muitos? Muitíssimos!!! Chegam (pasmem) a 75% das pessoas entre os 15 e os 64 anos. Ou seja, apenas 1 em cada 4 brasileiros consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar estudando. É muito pouco, pouquíssimo, não é verdade? O mais grave é que nesse contingente estão incluídas muitas pessoas com diploma. E estas não admitem, e se você lhes disser corre o risco até de ser agredido, que são analfabetas, posto que funcionais. Mas são!

Como fazer com que alguém evolua se sequer admite a necessidade desse tipo de evolução? Para que fique claro o conceito, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) define analfabeto funcional como toda pessoa que sabe escrever o próprio nome, assim como lê e escreve frases simples, efetua cálculos básicos, mas é incapaz de interpretar (e de entender, portanto) o que lê.

Determinada escola particular paulista (que prefiro não identificar, por não haver sido autorizado a tal), constatou que oitenta por cento dos alunos que haviam se matriculado na 1ª série do colegial eram incapazes de entender sequer as instruções contidas num desses tantos manuais que acompanham os vários aparelhos eletrônicos vendidos no comércio. É verdade que os textos destes não são nenhum primor de clareza. Mas a cifra é elevadíssima para quem estudou nove anos (isso se não repetiu nenhuma vez) e, pelo visto, não aprendeu praticamente nada.

Como esperar que essas pessoas entendam complexos conceitos expostos pelos grandes pensadores? Certamente, não entendem. O pior é quando se metem a opinar sobre questões das quais não têm a menor noção. E são inúmeros os que opinam, sem nenhum fundamento.

Infelizmente, muita gente que passa por erudita, com vários títulos acadêmicos e diplomas de pós-graduação, têm nível baixíssimo de compreensão do que lê. Muitos (muitíssimos) não conseguem redigir um texto simples, de apenas uma página, em que se expressem pelo menos com coerência. Não estou considerando, sequer, a correção da linguagem.

Não raro, passamos uma vida toda lendo compulsivamente e, no entanto, não aprendemos a ler. Somos incapazes, por exemplo, de captar sutilezas nos textos dos bons autores. Não interpretamos, como eles pretendiam, a fina ironia que utilizaram. Não captamos o que ficou, apenas, inteligentemente nas entrelinhas.

Um dos maiores gênios da literatura mundial, o alemão Johann Wolfgang von Goethe, escreveu a esse respeito: “Muitos não sabem quanto tempo e fadiga custa a aprender a ler. Trabalhei nisso 80 anos e não posso dizer que o tenha conseguido”. E isso foi escrito por um dos escritores mais completos, mais sábios e mais argutos que já existiram.

Ler, apenas por ler, não basta. É indispensável que a leitura seja acompanhada de estudo, de reflexão, de comparações e de extrapolações. “Mas isso dá muito trabalho”, dirão os acomodados. Todavia, se não agirmos assim, poderemos viver uma centena de anos, dedicar oitenta deles à leitura, ler dez mil livros ou mais e, ainda assim, seremos, no fundo, no fundo, analfabetos funcionais, posto que eruditos.



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