Autocriação indefinida
Pedro J. Bondaczuk
A
nossa vida, do berço à tumba, mesmo que não venhamos a nos dar
conta, é um permanente e contínuo processo de criação. Ou, para
ser mais exato, é ininterrupta autocriação. Seremos o que
conseguirmos fazer de nós: santos ou demônios, poetas ou artesãos,
filósofos ou cientistas, milionários ou mendigos etc.etc.etc.
Claro
que teremos que levar em conta, como destacou o filósofo espanhol,
José Ortega y Gasset, as nossas “circunstâncias”. Alguns
conseguem adaptar-se a elas, quando benignas, ou modificá-las, se
aziagas, e construir vidas exemplares e admiráveis. Outros (diria a
maioria)... Deixam-se esmagar por elas e criam figuras caricatas,
patéticas, ridículas e sofredoras, dignas de pena e jamais de
admiração.
O
processo de autocriação caracteriza-se por contínuas e sucessivas
mudanças. Algumas são completas, radicais e incisivas. Outras, são
parciais, muitas vezes imperceptíveis (afinal, ninguém muda o que
vem dando certo, embora possa e deva aperfeiçoá-lo). Mas
autocriar-se significa sempre mudar, mudar e mudar.
Quanto
às mudanças físicas, creio que sequer é necessário tecer maiores
considerações, tão óbvias que elas são. Se você já tiver
vivido, digamos, cinqüenta anos, faça a seguinte experiência:
pegue alguma foto sua, quando você tinha, por exemplo, cinco anos de
idade e compare-a com outra recente, tirada há alguns dias.
Provavelmente não se reconhecerá, tantas foram as mudanças
ocorridas na sua aparência. O tempo é implacável e deixa marcas em
nosso corpo, algumas discretas e outras arrasadoras, dependendo do
quanto você cuidou da sua saúde.
Se
você era cabeludo, possivelmente estará calvo, agora, ou com
grandes entradas nos cabelos. Se enxergava perfeitamente, poderá
estar usando óculos de grau, para a correção de alguma miopia ou
de estigmatismo ou sabe-se lá o quê. Se tinha dentes saudáveis,
pode ser que use dentadura e assim por diante.
Essas
são mudanças que ocorrem à sua revelia. Pouco, ou nada, você pode
fazer para evitá-las. Pode, no máximo, retardar e, mesmo assim, não
por muito tempo, esse desgaste. As mudanças serão mais suaves ou
severas, de acordo com as circunstâncias que enfrentar.
Já
as alterações psicológicas que você, certamente, terá, tenderão
a ser mais profundas, radicais até, quem sabe. Nesse seu processo de
autocriação, muitos dos seus ideais mais caros da juventude, por
exemplo, ficarão pelo caminho. Outros tantos poderão (ou não) ser
adquiridos. Dependerá de você e dos valores que você cultivar.
Muitos não cultivam nenhum e descambam para a violência e a
marginalidade.
Dificilmente,
porém, você irá raciocinar da mesma forma que o fazia já nem digo
na infância, mas na adolescência e início do que se convencionou
chamar de “maturidade”. Certamente, todavia, não vai encarar o
mundo e a vida de idêntica maneira.
Se
souber cultivar ideias positivas, é provável que os encare como
bênção, dádiva, privilégio. Se, em contrapartida, apostar no
negativo, irá encará-los como castigo, como punição, como o
autêntico inferno, tão propalado (e fantasiado) por várias
religiões.
Nesse
aspecto, sim, sua interferência nesse processo de mudança será
fundamental, se não decisiva. A opção será sua. Claro que terá
que se haver com suas circunstâncias (todos têm). Se estas forem
desfavoráveis, mas você tiver força mental e moral para
modificá-las, ainda assim se sentirá realizado e feliz. E esses
sentimentos de realização e felicidade serão mais gratos quanto
maiores e mais severos forem os obstáculos que você transpuser.
Caso se entregue, porém, ao desalento e à depressão, terminará,
fatalmente, seus dias sobre a Terra descrente, amargurado e
frustrado.
E,
se suas circunstâncias forem benignas, favoráveis e positivas?
Neste caso, compete-lhe aproveitar todas as oportunidades (cada uma
delas, sem exceção) que surgirem em seu caminho, para se realizar
enquanto profissional e, principalmente, enquanto pessoa. Muitos não
aproveitam e têm, na velhice, o desprazer de ver a maré virar.
Da
minha parte, acho fascinante este processo de autocriação. Fico, a
cada instante, indagando: Qual “Pedro” irá emergir, após tantas
e tão profundas mudanças? Não tenho a mais pálida ideia (ninguém
a tem) quanto ao resultado final.
Essa
é uma constatação que ficará a cargo da posteridade, caso me
enquadre em algum dos extremos (só eles são dignos de registro):
vencedor ou fracassado. Compete-me fazer, da melhor maneira, a minha
parte, aproveitar ou transformar minhas “circunstâncias” e
deixar a constatação do “produto final” por conta dos que me
sucederem. Não há outra alternativa.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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