Sunday, December 24, 2017

Autocriação indefinida

Pedro J. Bondaczuk

A nossa vida, do berço à tumba, mesmo que não venhamos a nos dar conta, é um permanente e contínuo processo de criação. Ou, para ser mais exato, é ininterrupta autocriação. Seremos o que conseguirmos fazer de nós: santos ou demônios, poetas ou artesãos, filósofos ou cientistas, milionários ou mendigos etc.etc.etc.

Claro que teremos que levar em conta, como destacou o filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, as nossas “circunstâncias”. Alguns conseguem adaptar-se a elas, quando benignas, ou modificá-las, se aziagas, e construir vidas exemplares e admiráveis. Outros (diria a maioria)... Deixam-se esmagar por elas e criam figuras caricatas, patéticas, ridículas e sofredoras, dignas de pena e jamais de admiração.

O processo de autocriação caracteriza-se por contínuas e sucessivas mudanças. Algumas são completas, radicais e incisivas. Outras, são parciais, muitas vezes imperceptíveis (afinal, ninguém muda o que vem dando certo, embora possa e deva aperfeiçoá-lo). Mas autocriar-se significa sempre mudar, mudar e mudar.

Quanto às mudanças físicas, creio que sequer é necessário tecer maiores considerações, tão óbvias que elas são. Se você já tiver vivido, digamos, cinqüenta anos, faça a seguinte experiência: pegue alguma foto sua, quando você tinha, por exemplo, cinco anos de idade e compare-a com outra recente, tirada há alguns dias. Provavelmente não se reconhecerá, tantas foram as mudanças ocorridas na sua aparência. O tempo é implacável e deixa marcas em nosso corpo, algumas discretas e outras arrasadoras, dependendo do quanto você cuidou da sua saúde.

Se você era cabeludo, possivelmente estará calvo, agora, ou com grandes entradas nos cabelos. Se enxergava perfeitamente, poderá estar usando óculos de grau, para a correção de alguma miopia ou de estigmatismo ou sabe-se lá o quê. Se tinha dentes saudáveis, pode ser que use dentadura e assim por diante.

Essas são mudanças que ocorrem à sua revelia. Pouco, ou nada, você pode fazer para evitá-las. Pode, no máximo, retardar e, mesmo assim, não por muito tempo, esse desgaste. As mudanças serão mais suaves ou severas, de acordo com as circunstâncias que enfrentar.

Já as alterações psicológicas que você, certamente, terá, tenderão a ser mais profundas, radicais até, quem sabe. Nesse seu processo de autocriação, muitos dos seus ideais mais caros da juventude, por exemplo, ficarão pelo caminho. Outros tantos poderão (ou não) ser adquiridos. Dependerá de você e dos valores que você cultivar. Muitos não cultivam nenhum e descambam para a violência e a marginalidade.

Dificilmente, porém, você irá raciocinar da mesma forma que o fazia já nem digo na infância, mas na adolescência e início do que se convencionou chamar de “maturidade”. Certamente, todavia, não vai encarar o mundo e a vida de idêntica maneira.

Se souber cultivar ideias positivas, é provável que os encare como bênção, dádiva, privilégio. Se, em contrapartida, apostar no negativo, irá encará-los como castigo, como punição, como o autêntico inferno, tão propalado (e fantasiado) por várias religiões.

Nesse aspecto, sim, sua interferência nesse processo de mudança será fundamental, se não decisiva. A opção será sua. Claro que terá que se haver com suas circunstâncias (todos têm). Se estas forem desfavoráveis, mas você tiver força mental e moral para modificá-las, ainda assim se sentirá realizado e feliz. E esses sentimentos de realização e felicidade serão mais gratos quanto maiores e mais severos forem os obstáculos que você transpuser. Caso se entregue, porém, ao desalento e à depressão, terminará, fatalmente, seus dias sobre a Terra descrente, amargurado e frustrado.

E, se suas circunstâncias forem benignas, favoráveis e positivas? Neste caso, compete-lhe aproveitar todas as oportunidades (cada uma delas, sem exceção) que surgirem em seu caminho, para se realizar enquanto profissional e, principalmente, enquanto pessoa. Muitos não aproveitam e têm, na velhice, o desprazer de ver a maré virar.

Da minha parte, acho fascinante este processo de autocriação. Fico, a cada instante, indagando: Qual “Pedro” irá emergir, após tantas e tão profundas mudanças? Não tenho a mais pálida ideia (ninguém a tem) quanto ao resultado final.

Essa é uma constatação que ficará a cargo da posteridade, caso me enquadre em algum dos extremos (só eles são dignos de registro): vencedor ou fracassado. Compete-me fazer, da melhor maneira, a minha parte, aproveitar ou transformar minhas “circunstâncias” e deixar a constatação do “produto final” por conta dos que me sucederem. Não há outra alternativa.



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