URSS estabelece novo vínculo
Pedro J. Bondaczuk
A União Soviética, a partir
de terça-feira, quando nove líderes de Repúblicas vão se reunir
no Salão Santa Catarina do Cremlin, junto com o presidente Mikhail
Gorbachev, para a assinatura do novo Tratado de União, vai entrar
numa outra etapa das transformações que se verificam no país.
Novas regras vão reger as relações entre o poder central e os
regionais, que passam a contar com relativa autonomia para a
administração de suas riquezas e carências, conflitos e
aspirações.
O acordo culmina com cerca de
um ano de duras negociações, onde nem sempre prevaleceu a
camaradagem. Muito pelo contrário. As Repúblicas tiveram no atual
presidente da Rússia, Bóris Yeltsin, um eficaz advogado dos seus
interesses, daí terem obtido mais liberdade administrativa do que a
princípio poderiam supor.
Resta saber se o novo tipo de
federação instituído vai funcionar ou não. Se a fórmula é fruto
de madura reflexão ou apenas uma reforma ditada pelo desespero, em
decorrência da atual crise, que coloca a URSS à beira do abismo e
da desagregação.
O Tratado de União não deixa
de ser importante vitória política para Gorbachev, pois consegue
preservar mais de 90% do território nacional. As seis Repúblicas
rebeldes que se recusaram a aderir ao pacto --- Lituânia, Letônia,
Estônia, Armênia, Geórgia e Moldávia --- representam pouco mais
que 8% da área total do país.
Ainda não ficou claro qual o
tratamento a ser dispensado aos nacionalistas. A concessão de
independência a eles, como tais povos reivindicam --- alguns a poder
de armas, como são os casos de georgianos e armênios --- certamente
não está prevista. Mas lituanos, estonianos e letões já agem como
se seus Estados fossem nações independentes.
Políticos soviéticos
insinuaram, nos últimos dias, que os secessionistas serão tratados
como "estrangeiros", pelo menos em termos de relações
econômicas. O que comprarem das Repúblicas signatárias do tratado,
por exemplo, terá que ser pago ao preço do mercado internacional e
em moedas fortes. Todavia, em termos políticos e de defesa, não
terão o tratamento de estranhos. Deduz-se que seu "status"
será algo parecido com o de meras "colônias".
O cientista político francês,
Jean-Fraçois Revel, sempre se mostrou céptico em relação às
reformas encabeçadas por Gorbachev. Atribui-as ao desespero e não a
um planejamento consciente e maduro. Numa entrevista sua, publicada
em 1990, ponderou: "Uma mudança não merece este nome senão se
ela resulta de análises e decisões que procedem e prevêem as
crises --- ao menos as crises fatais. Coloca-se em funcionamento uma
reforma de modo, em parte, voluntário, desde que ainda se dispõe de
faculdade de optar entre várias soluções. A reforma desvia-se da
catástrofe; ela não é uma reforma se a acompanha. Escorregar num
precipício e tentar se agarrar à parede não poderia ser definido
como a aplicação de um programa de reformas. Na maioria das vezes é
o malogro e o declínio que, num Estado ou numa empresa, levam à
consciência de que a reforma é oportuna. Mas, sob risco de
ineficácia, deve-se intervir muito rapidamente para que o sistema,
ao mesmo tempo em que se corrija, mantenha-se de pé, o que é a
definição mesma de reforma. Boas resoluções tomadas após o
malogro não se adequam a esta definição".
Em que caso o novo Tratado de
União se inclui? Vai ser uma saudável descentralização,
permitindo que cada problema ganhe sua devida dimensão ou se
constituirá, como o primeiro-ministro soviético, Valentin Pavlov,
advertiu nesta semana, numa entrevista, num "vazio de poder"?
Se for neste último caso, a
União Soviética tende a reproduzir, e a médio prazo, em dimensões
muitíssimo maiores, o sangrento conflito étnico que estraçalha o
que já foi um dia a Iugoslávia. Para o bem da população desse
país e do mundo --- pois ninguém pode ignorar a importância da
URSS em termos de paz e de equilíbrio nas relações internacionais
--- espera-se que o novo federacionismo se constitua em algo
absolutamente revolucionário e inovador.
(Artigo publicado na página
16, Internacional, do Correio Popular, em 17 de agosto de 1991).
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