Indomado e domesticado
Pedro J. Bondaczuk
A humanidade caracteriza-se
por uma infinidade de tipos de pessoas, com personalidades, modos de
ser e de agir, conhecimentos e comportamentos os mais heterogêneos
possíveis. Todavia, dois grandes grupos (por sinal, antagônicos),
se distinguem e se destacam. Denomino-os de “indomados” e de
“domesticados”.
O primeiro, como a própria
palavra sugere, é o dos rebeldes. É composto pelos que não se
deixam manipular e nem conduzir por quem quer que seja e que escolhem
os próprios caminhos, para o bem ou para o mal. São os grandes
líderes, condutores de povos, visionários e, não raro,
revolucionários. Estes, contudo, infelizmente, são raros.
O segundo grupo tem
comportamento exatamente oposto ao primeiro. Ou seja, é integrado
pelos que, por preguiça, omissão ou incapacidade física (ou mental
ou intelectual), abrem mão da iniciativa e se deixam conduzir,
sempre, em toda e qualquer circunstância, docilmente, como ovelhas
rumo ao matadouro. É o que se pode chamar de “massa”, por poder
ser moldado à feição dos que o conduzem e manipulam. Trata-se da
maioria.
Ressalte-se que existem vários
tipos de rebeldia, que podem ser positivos ou negativos, dependendo
do que, contra quem, e da forma como as pessoas “indomadas”
manifestam esse comportamento no curso das suas vidas.
Todos já nos rebelamos, algum
dia (salvo, claro, exceções, já que estas existem em virtualmente
todas as regras, ou em quase todas), contra ordens que consideramos
equivocadas ou exageradas (dos nossos pais e/ou professores, na
adolescência; ou dos nossos chefes, no trabalho, no quartel ou na
sociedade, quando adultos etc.etc.etc.), contra leis e normas que
entendíamos injustas ou contra situações que identificamos como
nefastas e que achávamos que poderiam ser modificadas para melhor.
Há os chamados “rebeldes
sem causa”, que se opõem a tudo e a todos, pelo simples fato de se
opor. Estes sequer distinguem o certo do errado, o bem do mal, o
indispensável do supérfluo. Sofrem, claro, as conseqüências. Não
raro, descambam para a marginalidade, quando não para a
criminalidade, pagando, evidentemente, um preço (quase sempre
intolerável) por isso. Não sabem direcionar a imensa energia de que
são dotados e, com isso, desperdiçam precioso potencial de
liderança, que poderia torná-los exemplares e especiais.
Esses dois tipos, o indomado e
o domesticado, existem, também, em literatura. O primeiro não se
conforma com imposições que considera descabidas e intoleráveis,
se opõe a regras impostas por quem não tem a menor autoridade para
ditá-las, e inovam. São os desbravadores de novos caminhos, os
luminares do pensamento, os arautos das idéias originais e,
sobretudo, geniais. Já os segundos...
O curioso é que, num primeiro
momento, são os domesticados que prevalecem na preferência dos
leitores. Lançam, por exemplo, livros e mais livros que nada
acrescentam ao mundo das idéias, redundantes, repetitivos e banais
e, com eles, obtêm seu “brilhareco”. Assumem a postura de
críticos e investem contra tudo o que se oponha aos cânones que
consideram intocáveis, dogmas inatacáveis. Não criam e se limitam
a pisar nas pegadas alheias. Mas um dia, caem no ostracismo e acabam
esquecidos para sempre. Por causa da atuação desses medíocres é
que se tornam cada vez mais raras obras que realmente valham a pena
de ler e, sobretudo, de refletir sobre elas.
A esse propósito, Henry David
Thoreau (um indomado por excelência, inspirador de Gandhi em sua
tática de desobediência civil, que resultou na independência da
Índia), escreveu, em certo trecho do ensaio “Caminhando”, do seu
livro “Desobedecendo” (verdadeira bíblia dos rebeldes com
causa): “Um livro verdadeiramente bom é algo tão natural, tão
inesperado e inexplicavelmente belo e perfeito quanto uma flor
selvagem das planícies do Ocidente ou das selvas do Oriente”. E
não é?!
É de quem escreva dessa forma
que a Literatura (não importa de que país ou idioma) está
precisando. Calcula-se que, em média, são lançados, mundo afora,
50 milhões de novos títulos por ano. Se apenas 5% deles fossem,
pelo menos, originais, a humanidade estaria salva da burrice e de
tanta mesmice. Obviamente, não está.
A Literatura carece, pois,
cada vez mais, de gênios, como Machado de Assis, Fernando Pessoa,
Tolstoi, Gorki, Hugo, Rimbaud, Baudelaire, Valery, Borges, Márquez,
Octávio Paz e tantos e tantos outros luminares das letras e das
idéias. Mais do que ela, a humanidade precisa desses lúcidos e
corajosos indomados, para iluminar as mentes dos raros líderes
autênticos que ainda tem.
Thoreau justifica essa
necessidade, ao afirmar, no ensaio que citei acima: “A genialidade
é uma luz que torna a escuridão visível, tal como o clarão do
relâmpago que às vezes atinge e abala o próprio templo do saber –
e não uma vela acesa ao pé da lareira da humanidade, cuja luz
enfraquece ainda antes de clarear o dia”.
Há tanta treva a ser varrida
das mentes e dos corações, nesta época crítica da nossa História,
em que a espécie se vê cada vez mais ameaçada de extinção já
que, num ato de extrema estupidez, o homem destrói, sem refletir, de
forma irreversível, o planeta em que habita! Mas esta iluminação
que se faz tão necessária, e urgente, certamente não virá dos
“domesticados”, dos que por preguiça, omissão ou incapacidade,
integram a imensa massa manipulável. É tarefa dos gênios da
espécie, dos líderes lúcidos e idealistas, dos cada vez mais raros
e indispensáveis “indomados”.
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