Goles
e gotas
Pedro
J. Bondaczuk
A
lisonja, que é doce (ao contrário da verdade, que via de regra é
amarga), nos é bastante atrativa, mesmo que proceda de uma grande
mentira. Estimula nossa vaidade, incensa nosso amor próprio e
“massageia” o nosso ego. O resultado final, claro, é sempre, e
invariavelmente, um só: decepção. Quando, enfim, nos damos conta
(se o dermos), da verdade, esta fica muito mais amarga do que já é
via de regra.
Manda
a sabedoria que fujamos da mentira lisonjeira, por mais atrativa e
saborosa que nos pareça. Encaremos as verdades, com todo seu
amargor, pois elas tendem a nos alertar, instruir, guiar e conduzir
às proximidades da perfeição. O bom-senso sugere que se recuse o
cálice da lisonja, com sua doçura enganadora. Logo após sorvida
essa bebida embriagadora, ela se transforma em algo enjoativo, pesado
e nauseante. Por mais que nos seja penoso, bebamos sempre da verdade
amarga. Seu amargor é passageiro e, como todos os remédios
desagradáveis, traz efeitos benéficos a seguir.
A
memória, por seu turno, tanto pode ser preciosa aliada ao longo da
vida, quanto se transformar em intransponível obstáculo, em feroz
adversária na nossa busca por satisfações e pela felicidade. Ao
trilharmos a estrada da existência, teimamos em olhar para trás,
sob o risco de tropeços e de quedas, quando o sensato seria
vislumbrar o que esteja à nossa frente e seguir, com passo firme, em
sua direção.
Não
há quem não tenha, em algum momento da sua trajetória existencial,
instantes de ira, de dor, de tristezas e de aflições. Quando eles
passarem, porém (e certamente passam), o mais inteligente a fazer é
apagá-los da memória. Ou, se não agirmos assim, é utilizarmos
essas lembranças como experiências e lições e nunca como
potenciais fontes de angústia, como alguns utilizam. Se a memória
fosse uma bebida, portanto, deveríamos sorvê-la às gotas, nunca
aos goles.
Via
de regra, temos o mau-hábito de pensar com extrema lerdeza, com a
velocidade de uma tartaruga e de agir com insensata rapidez, como um
raio que risca o céu em noite de tempestade, sem dar tempo, sequer,
ao raciocínio de estabelecer um bom plano de ação que seja
coerente e factível.
O
correto é fazer exatamente o contrário: inverter essa premissa. Ou
seja, é aprender a ser o mais ágil possível ao raciocinar e
moderado e prudente na hora de executar o que for planejado (se
planejarmos de fato, claro). Esse, aliás, é o grande segredo das
pessoas consideradas sábias, dos líderes e gênios.
O
tempo despendido em ambos será rigorosamente o mesmo. Apenas
estaremos invertendo a proporção do seu uso em cada uma dessas
etapas. Devemos, pois, sorver o raciocínio aos goles e a ação, com
cautela, gota a gota.
Já
a ignorância é uma das mais perigosas (se não a pior) das doenças
que afetam as pessoas. Não raro é a causa e a origem da maioria das
enfermidades. O ignorante, por exemplo, entre tantas bobagens que
comete, descuida-se da prevenção, que é a forma mais sensata e
eficaz de se conservar a saúde. Por isso, adoece, tendo que recorrer
a paliativos para buscar a cura, após inúmeros e atrozes
sofrimentos, que poderiam ser evitados.
Um
dos remédios mais poderosos contra esse mal do espírito é a
leitura de bons livros, repositórios da experiência e sabedoria
humanos acumulados por milênios à nossa disposição, bastando,
para isso, que tenhamos vontade de usufruí-los. Não por acaso, no
Egito antigo, as bibliotecas eram chamadas de “Tesouro dos remédios
da alma”. É a elas, muito mais que às farmácias, que devemos
recorrer com freqüência, para nos prevenirmos (senão nos curarmos)
da “mãe de todas as doenças”: a ignorância. Devemos, pois, nos
embebedar fartamente de leitura, sorvendo-a, com sofreguidão, em
generosos goles. Algum bem, certamente, esse exercício nos trará.
Quanto à ignorância... Não devemos sequer passar perto do “cálice”
que a contenha.
Muitas
pessoas tentam incutir nos outros idéias que não dominam e das
quais têm apenas vaga noção; princípios de que apenas ouviram
falar e que nunca testaram em suas vidas e religiões que, de fato,
não professam e que julgam conhecer a fundo. Quem age assim, mesmo
que com a melhor das intenções, faz um mal tremendo a seu
semelhante, principalmente se o consegue convencer, pois em vez de
lhe trazer esclarecimento, confunde o seu espírito e o desorienta.
Melhor
seria, portanto, que ficasse calado e não se metesse na vida alheia
a não ser para, de fato, esclarecer, orientar e ajudar. Essa atitude
de tentar incutir nos outros o que não se tem convicção, é como
uma luz bruxoleante em meio à escuridão. Em vez de iluminar e,
portanto, orientar, serve, somente, para confundir.
Bebamos,
pois, em fartíssimos e incontáveis goles, do generoso “cálice”
do esclarecimento. Quanto ao da dúvida, do erro, do dogmatismo e da
tentação de fazer proselitismo sem estarmos preparados para isso,
fujamos rapidamente, com a velocidade da luz.
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