Consolação
ou humor?
Pedro J. Bondaczuk
A imaginação, se ou quando bem-utilizada, nos é altamente benigna.
Serve-nos de consolo por aquilo que não conseguimos (e que não
podemos) ser, permitindo-nos apelar para outras características ao
nosso alcance, que compensem nossas fraquezas e contradições e nos
valorizem. Ademais, nos possibilita que venhamos a desenvolver senso
de humor. Que, em vez de nos afligirmos com nossas trapalhadas e
deficiências, possamos rir delas, sem qualquer complexo ou
constrangimento.
Apenas pessoas que confiam no que são (e no que podem fazer) e,
sobretudo, imaginativas, sabem rir dos próprios defeitos e tropeços.
Em contrapartida, as que buscam dissimular suas evidentes falhas,
dando a entender que se tratam de virtudes, caem no ridículo, sem
que sequer se apercebam. São destituídas de imaginação, ou não a
usam de forma adequada e, por isso, sofrem em dobro: pelo que não
são e pelo que são.
Pessoas desse tipo parecem sofrer de perpétua “auto-idolatria”
(e classifico isso, sem pestanejar, assim mesmo, de sofrimento). São
indivíduos que se apaixonam pela própria imagem e acabam se
afogando no regato do ridículo. Adoram o próprio umbigo e sentem-se
(ou pelo menos agem) como se fossem o centro do universo.
Evidentemente, não são! Esse tipo de postura é caminho mais do que
certo para acumular decepções, mágoas, rancores e profundíssimas
frustrações.
Indivíduos que agem dessa forma – e não necessariamente os
paranóicos megalomaníacos – acabam garantindo, mais cedo ou mais
tarde, a clientela dos psiquiatras (e isso quando se dão conta da
sua distorção comportamental e tentam corrigi-la), quando não se
tornam presas fáceis de charlatães, que lhes subtraem, sempre que
podem, até o derradeiro centavo. Bem feito!
E tudo por que? Porque são despidos de imaginação. Porque não
sabem rir das próprias deficiências e colocá-las no devido lugar.
Por não se darem conta de que os que zombam deles são tão
imperfeitos e contraditórios (quando não muito mais) do que eles.
Quem, alguma vez na vida, não desejou ser um craque de futebol
famoso, ou um mega-star de música pop, ou um ator consagrado que
impressione todas as mulheres (e durma com muitas delas)
etc.etc.etc.? Quando crianças, ao nos perguntarem o que desejamos
ser quando crescermos, via de regra citamos quatro ou cinco
atividades que, no íntimo, sabemos que nos são interditas, como
astronauta, piloto de Fórmula 1, centro-avante da Seleção
Brasileira de Futebol e assim por diante. E quantos conseguem essa
façanha? Pouquíssimos, não é verdade?
Por outro lado, quantas pessoas se sentem efetivamente satisfeitas
com o que de fato são? Embora não pareça, são poucas, muito
poucas, diria que em quantidade irrisória. Algumas fazem dessa
insatisfação – que na medida certa é saudável – mola
propulsora para grandes realizações. Outras... sentem-se inúteis,
derrotadas, inferiores, imprestáveis e caem em depressão.
Valorizam-se em demasia e quando descobrem que não são o que
pensavam que fossem, se sentem perdidas. Carecem de imaginação. Não
podem, não querem e não sabem relevar os próprios defeitos e muito
menos rir deles.
Os que têm essa faculdade, ou seja, os que não se levam tão a
sério assim, não raro até ganham uma profissão que os pode
consagrar. Tendem a tornar-se humoristas, por que não? Afinal, as
cenas mais engraçadas e hilariantes são as que refletem
deficiências, trapalhadas, tolices etc., nossas e dos outros.
Ninguém ri de virtudes, da competência e do talento. Estas
características, no entanto, infelizmente são raras, daí terem
tamanho valor.
Quando criança, eu quis ser, quando crescesse, pela ordem:
cientista, escritor, peão de rodeio, centro-avante, médico, músico
e pintor. E tudo ao mesmo tempo. A fértil imaginação fez com que,
pelo menos na minha mente, eu fosse, de alguma maneira, tudo isso
simultaneamente.
Se eu disser que não me frustrei com o fato de não ter conseguido
atingir a maioria desses objetivos, estarei mentindo. Como gostaria
de ter vocação para a música! Não tenho. Como eu queria ser um
artista plástico, um Rembrandt, um Rubens, um Monet ou um Rafael!
Nunca passei, todavia, sequer próximo a isso.
Mas de sete desejos, concretizei, ao menos, um. Nada mau, não é
verdade, se levar em conta que a maioria das pessoas não concretiza
nenhum?. Sou escritor. Se bom ou ruim, não me compete julgar. Claro
que conheço minhas deficiências e, estejam certos, me divirto com
elas.
Rio das minhas distrações. Comento, sem nenhum escrúpulo, minhas
trapalhadas, as infinitas mancadas que dou praticamente todos os dias
e as perpetuo em textos. E apesar dos meus (felizmente poucos)
inimigos me acusarem de narcisismo intelectual, não me considero
belo, nem sábio e nem charmoso. Talvez me ache (embora não tenha
certeza) um tantinho competente no que faço. Se não for, também,
não irei considerar essa inabilidade nenhuma tragédia. Afinal,
tenho imaginação, que me consola e faz com que ache graça naquilo
que desespera tanta gente.
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