Monday, June 19, 2017

A poesia é incorruptível



Pedro J. Bondaczuk


"A poesia é incorruptível. O tempo é que se degradou". Essa citação de Jorge de Lima, no livro "Obras Completas", resume o que penso desse gênero literário dos mais nobres, precursor de todos os demais, e hoje um tanto esquecido, abandonado, negligenciado, embora não decadente.

Poetas de qualidade, que sabem juntar forma e substância, razão e emoção, paixão e inteligência, há em abundância pelo mundo afora. Do que carecem é de divulgação. Do que precisam é de pessoas que saibam não somente interpretar, mas, sobretudo, sentir os poemas. O que requerem é de atenção e valorização.

Durante anos, "naveguei" nesse oceano de beleza. Fiz da poesia meu canal de comunicação com o mundo. Tanto, que os primeiros trabalhos que publiquei na imprensa foram nesse gênero. Quem tem o hábito de ler jornais sabe que isso representa enorme façanha.

São raros, raríssimos os poetas que freqüentam as páginas dos suplementos de cultura dos principais diários brasileiros. Mesmo os que conseguem, seus trabalhos publicados são esporádicos. Têm espaço às vezes de anos entre um e outro. E geralmente as publicações acontecem quando do lançamento de algum livro novo.

O que causou esse "fechamento de portas"? Em primeiro lugar, foi a falta de interesse do público pela poesia. Em segundo, a linguagem cifrada adotada pela maioria dos poetas, incompreensível muitas vezes até para mestres de literatura, quanto mais para um leitor com grau cultural primário, superficial, inadequado, desacostumado a raciocinar. Em terceiro, a própria feiúra da vida moderna, com sua violência e degradação dos sentimentos. Em quarto, a falta de divulgação de obras de poetas novos, que se não tiverem dinheiro para bancar suas edições, permanecem para sempre inéditos.

Com isso, falta renovação. Com razão ou não, as editoras argumentam que, à exceção de nomes consagrados, como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, Mário Quintana, Manuel Bandeira e mais meia dúzia de "monstros sagrados" da nossa literatura, poesia não vende. E ninguém está disposto a arcar com encalhes nestes tempos de "vacas magras".

Desde que ingressei no jornalismo – me profissionalizei em 1979, embora atue na área desde 1961 – deixei de escrever poemas com a freqüência de antigamente. Claro, não abandonei por completo esse exercício, essa recriação da beleza através das palavras, esse constante fotografar de emoções. Mas já não escrevo freneticamente como nos anos 60 e 70, ocasião em que cheguei a reunir mais de mil trabalhos no gênero e a participar de concursos, tendo vencido vários.

Hoje, a produção é ocasional e desordenada. É até possível que seja grande e que apenas eu não me dê conta disso. Seria necessário reunir todos esses textos, esparsos em gavetas de armários e escrivaninhas, em bolsos de paletós e jaquetas e no meio de páginas de vários cadernos e agendas, para saber quantos são.

São poemas e mais poemas escritos em maços de cigarro, em guardanapos, em cantos brancos de páginas de jornais e ultimamente em computador. Antigamente, estes textos eram rigorosamente copiados e classificados, em formato de livro. Hoje, sequer tenho tempo para respirar...

Um dos que consegui encontrar outro dia, e que me agradou quando da releitura, foi este "Desafio", escrito em 23 de setembro de 1995 e que diz:

"Fazer da vida sinfonia heroica.
Calar a voz irada do instinto.
Dar harmonia a ásperas dissonâncias.
Criar beleza das sucatas do tempo.

Desafios. A batalha é solitária.
Drama ensandecido de zumbis
num palco composto por miragens.
Silêncio: um anjo agoniza
em copiosa hemorragia de luz.

Figuras soturnas, sombrias
vagam, ensimesmadas, mudas,
por vielas escuras, fétidas,
perdidas nos meandros do vício.

Multidões desorientadas, em fúria,
vociferam slogans sanguinários,
mantras homicidas de violência:
rebelião de marionetes sem cabeça.

Fornalha que consome ilusões,
reduz a cinzas esperanças,
princípios, ética e tradições.

Fazer da vida sinfonia heróica.
Calar a voz irada do instinto.
Dar harmonia a ásperas dissonâncias.
Desafios...Tarefas de uma vida..."

A poesia foi, é e continuará sendo "incorruptível". Não tenho dúvidas de que foi o tempo que se (e me) degradou. E estendeu essa degradação às coisas, às pessoas, aos sistemas, aos conceitos, ao mundo. Só a beleza pode  servir de antídoto à corrupção de costumes, de ideias, de comportamentos e das emoções... À "coisificação" da vida...


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