A poesia é incorruptível
Pedro
J. Bondaczuk
"A poesia é
incorruptível. O tempo é que se degradou". Essa citação de
Jorge de Lima, no livro "Obras Completas", resume o que
penso desse gênero literário dos mais nobres, precursor de todos os
demais, e hoje um tanto esquecido, abandonado, negligenciado, embora
não decadente.
Poetas de qualidade, que sabem
juntar forma e substância, razão e emoção, paixão e
inteligência, há em abundância pelo mundo afora. Do que carecem é
de divulgação. Do que precisam é de pessoas que saibam não
somente interpretar, mas, sobretudo, sentir os poemas. O que requerem
é de atenção e valorização.
Durante anos, "naveguei"
nesse oceano de beleza. Fiz da poesia meu canal de comunicação com
o mundo. Tanto, que os primeiros trabalhos que publiquei na imprensa
foram nesse gênero. Quem tem o hábito de ler jornais sabe que isso
representa enorme façanha.
São raros, raríssimos os
poetas que freqüentam as páginas dos suplementos de cultura dos
principais diários brasileiros. Mesmo os que conseguem, seus
trabalhos publicados são esporádicos. Têm espaço às vezes de
anos entre um e outro. E geralmente as publicações acontecem quando
do lançamento de algum livro novo.
O que causou esse "fechamento
de portas"? Em primeiro lugar, foi a falta de interesse do
público pela poesia. Em segundo, a linguagem cifrada adotada pela
maioria dos poetas, incompreensível muitas vezes até para mestres
de literatura, quanto mais para um leitor com grau cultural primário,
superficial, inadequado, desacostumado a raciocinar. Em terceiro, a
própria feiúra da vida moderna, com sua violência e degradação
dos sentimentos. Em quarto, a falta de divulgação de obras de
poetas novos, que se não tiverem dinheiro para bancar suas edições,
permanecem para sempre inéditos.
Com isso, falta renovação.
Com razão ou não, as editoras argumentam que, à exceção de nomes
consagrados, como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles,
Mário Quintana, Manuel Bandeira e mais meia dúzia de "monstros
sagrados" da nossa literatura, poesia não vende. E ninguém
está disposto a arcar com encalhes nestes tempos de "vacas
magras".
Desde que ingressei no
jornalismo – me profissionalizei em 1979, embora atue na área
desde 1961 – deixei de escrever poemas com a freqüência de
antigamente. Claro, não abandonei por completo esse exercício, essa
recriação da beleza através das palavras, esse constante
fotografar de emoções. Mas já não escrevo freneticamente como nos
anos 60 e 70, ocasião em que cheguei a reunir mais de mil trabalhos
no gênero e a participar de concursos, tendo vencido vários.
Hoje, a produção é
ocasional e desordenada. É até possível que seja grande e que
apenas eu não me dê conta disso. Seria necessário reunir todos
esses textos, esparsos em gavetas de armários e escrivaninhas, em
bolsos de paletós e jaquetas e no meio de páginas de vários
cadernos e agendas, para saber quantos são.
São poemas e mais poemas
escritos em maços de cigarro, em guardanapos, em cantos brancos de
páginas de jornais e ultimamente em computador. Antigamente, estes
textos eram rigorosamente copiados e classificados, em formato de
livro. Hoje, sequer tenho tempo para respirar...
Um dos que consegui encontrar
outro dia, e que me agradou quando da releitura, foi este "Desafio",
escrito em 23 de setembro de 1995 e que diz:
"Fazer da vida
sinfonia heroica.
Calar a voz irada do
instinto.
Dar harmonia a ásperas
dissonâncias.
Criar beleza das sucatas do
tempo.
Desafios. A batalha é
solitária.
Drama ensandecido de zumbis
num palco composto por
miragens.
Silêncio: um anjo agoniza
em copiosa hemorragia de
luz.
Figuras soturnas, sombrias
vagam, ensimesmadas, mudas,
por vielas escuras,
fétidas,
perdidas nos meandros do
vício.
Multidões desorientadas,
em fúria,
vociferam slogans
sanguinários,
mantras homicidas de
violência:
rebelião de marionetes sem
cabeça.
Fornalha que consome
ilusões,
reduz a cinzas esperanças,
princípios, ética e
tradições.
Fazer da vida sinfonia
heróica.
Calar a voz irada do
instinto.
Dar harmonia a ásperas
dissonâncias.
Desafios...Tarefas de uma
vida..."
A poesia foi, é e continuará
sendo "incorruptível". Não tenho dúvidas de que foi o
tempo que se (e me) degradou. E estendeu essa degradação às
coisas, às pessoas, aos sistemas, aos conceitos, ao mundo. Só a
beleza pode servir de antídoto à corrupção de costumes, de
ideias, de comportamentos e das emoções... À "coisificação"
da vida...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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