Hora da limpeza
Pedro J. Bondaczuk
As revelações do economista
José Carlos Alves dos Santos acerca do esquema de propinas e de
fraudes montado por uma quadrilha de escroques para desviar verbas do
Orçamento da União equivaleram, pela sordidez das ações
denunciadas, à abertura de um bueiro.
Subitamente, o ar ficou
impregnado de mau cheiro, de odor nauseabundo de podridão. Foi a
gota de água que faltava – ou espera-se que tenha sido – de uma
sucessão interminável de escândalos que vieram a lume nos últimos
dez anos.
Foram tantos os casos, como os
de falências fraudulentas de instituições que operavam com
cadernetas de poupança, de roubos à Previdência, de subornos de
ministros, de tráfico desavergonhado de influência etc., que seria
necessário um alentado volume, da espessura de uma lista telefônica,
para rememorar todos.
Mas o atual, pela quantidade
de políticos envolvidos e pelos cargos que estes exercem ou exerciam
é, sem dúvida nenhuma, como assinalou o historiador Francisco
Iglesias, “o mais grave da história do País em todos os tempos”.
Um aspecto positivo disso tudo é a maneira como os formadores de
opinião pública estão encarando a questão.
Os vários editoriais e
artigos publicados nos últimos dias destacaram a rara oportunidade
de se proceder a uma moralização nos nossos costumes. A Comissão
Parlamentar de Inquérito (instalada sob um certo clima de
ceticismo), para apurar as falcatruas, vem agindo rapidamente, de
maneira segura, firme, mas ponderada. Nota-se uma preocupação dos
seus membros, mormente do relator da CPI, deputado Roberto Magalhães,
e do presidente, senador Jarbas Passarinho (saudável, por sinal) de
distinguir entre imoralidade e ilegalidade dos atos praticados pelos
que manipularam o Orçamento da União. Tentam delimitar a sutil
diferença entre a ilegitimidade e a ilicitude.
Convenhamos, não é justo, e
muito menos inteligente, generalizar a corrupção. Afirmar que todos
os políticos são “farinhas do mesmo saco”, que não há mais
salvação para o Brasil, que cada um deve agir apenas em seu próprio
interesse, como se apregoa amiúde, além de não ser prático, não
é construtivo. Tal pessimismo é um veneno que conduz facilmente ao
derrotismo. Reflete um desencanto em relação às instituições,
quando a atitude racional seria agir, mediante pressões, protestos e
todos os instrumentos lícitos de exercício da cidadania, para seu
aperfeiçoamento.
Alguns editoriais, como o do
dia 28 passado, de “O Estado de S. Paulo”, ressaltam, inclusive,
um aspecto favorável desse novo escândalo. O da tendência de ele
favorecer a política econômica que o ministro da Fazenda, Fernando
Henrique Cardoso, pretende implantar.
O argumento, sólido por
sinal, é que a onda de moralização que varre o Congresso vai
contribuir para a redução do déficit público. Em última análise,
irá beneficiar o ataque direto às verdadeiras causas da inflação,
brecando, num primeiro instante, a sua aceleração para, a seguir,
forçar as taxas para baixo.
O importante é que o
Congresso se conscientize de que, para adquirir a credibilidade
perdida (alguns garantem que nunca a teve), tem a obrigação de ir
fundo na apuração das denúncias. E, principalmente, que tudo não
se restrinja apenas à investigação. Esta deve vir,
necessariamente, acompanhada da respectiva punição dos culpados.
Concordamos, plenamente, com o
professor Iglesias quando ele afirma: “Fatos importantes deverão
acontecer em breve no País, com uma mudança radical nos costumes
políticos e nas penalidades aplicadas aos criminosos de colarinho
branco”. Até porque, como observa o antropólogo Roberto da Matta,
“é preciso entender que a sociedade brasileira não é um
recipiente vazio e que seu povo reage a tudo o que vem de fora e de
cima”.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de outubro de 1993)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment