Saturday, June 17, 2017

Biblioteca virtual


Pedro J. Bondaczuk


A era da informática vem contribuindo decisivamente para a racionalização da vida urbana, fazendo, por exemplo, sem esforço, aquilo que as autoridades vêm tentando fazer (sem grande sucesso, através dos inconvenientes, mas necessários, rodízios): tirar centenas de milhares de veículos motorizados das ruas, objetivando combater vários tipos de poluição (atmosférica, sonora, visual etc.). Como? Através das chamadas "cidades virtuais".

O cidadão já pode, se quiser, realizar operações do cotidiano, como pagar e receber contas, fazer depósitos e saques em bancos, comprar produtos em supermercados e lojas etc., sem sair de casa pelo computador, celular ou tablete. Quando John Naisbitt previu, no livro "Megatendências", a possibilidade das residências se transformarem em extensões das grandes empresas e corporações, muitos viram na previsão novo exercício furado de "futurologia". Hoje, milhões e milhões de pessoas, mundo afora, trabalham em suas casas, com computadores próprios ou bancados pelos seus empregadores. Como se vê, o futuro já chegou e não nos espantamos com ele!

Todavia, a mim, que sou um leitor compulsivo e obsessivo (ambos simultaneamente), o que mais me fascina, nessas “cidades virtuais” que percorro, diariamente, há mais de vinte anos, são as suas bibliotecas. Obras raras, às quais pensei que jamais teria acesso – o que me causava, sem dúvida, imensa frustração e despeito – estão agora ao meu dispor, sem que eu precise sequer despender um único centavo (a não ser a taxa mensal do Virtua e, claro, a conta de luz). Fora o fato que não tenho que sair de casa para me dar esse prazer intelectual e esse privilégio cultural.

Com toda a despesa que eu possa ter com meu computador, sai, portanto, evidentemente, muito mais barato valer-me das bibliotecas virtuais, do que adquirir esses livros, não importa onde que, ademais, precisaria encontrar em sebos e/ou livrarias. Muitos, no entanto, estão, há anos, esgotados e não foram reimpressos há já décadas.

Em uma das minhas férias, por exemplo, pude ler, nas tantas “bibliotecas virtuais” que visito, cujos links estão entre os meus sites favoritos, os dois únicos romances de Machado de Assis que não possuo: “Esaú e Jacó” e “Memorial de Aires”. Procedi, em relação a eles, como tenho feito em relação às outras tantas obras que possuo em minha razoavelmente bem sortida (de mais de quatro mil volumes), mas caótica biblioteca. Ou seja, elaborei as respectivas fichas de leitura (que faço questão de serem manuais, naquela minha letrinha miúda e exótica), anotando os trechos que considero fundamentais dessas obras-primas do “Bruxo do Cosme Velho”, como Machadão chegou a ser chamado na intimidade.

É verdade que a leitura na telinha do computador, ou do tablete, é mais cansativa do que em papel. Com o tempo, porém, a gente se acostuma. Para quem não se acostumar de maneira alguma, existe o recurso de gastar pacote e meio de sulfite e imprimir os livros que queira ler. Apesar dos pesares, prefiro o método novo. Ou seja, leio-os na tela do computador (ou do tablete) por achar que me concentro mais e sequer sobrecarrego a memória da máquina.

Quando quiser reler qualquer coisa, basta fazer o link da biblioteca virtual em que o tal livro estiver disponível, de forma rápida e direta, mais cômoda, até, do que ter que me levantar da minha cadeira e procurar determinado volume nas minhas abarrotadas e bagunçadas estantes. Essa procura seria demorada demais. Afinal, não tenho uma bibliotecária que ponha ordem nessa imensa mixórdia.

Nas estantes da minha biblioteca misturam-se, de forma aleatória e ilógica, tratados de filosofia com romances; poesia com livros de antropologia; ensaios com sociologia e o diabo a quatro. Não raro, em minhas pesquisas, chego a gastar um dia inteiro à procura de um determinado volume que, por obra e graça (mais graça, convenhamos) do tinhoso, geralmente está no lugar mais inacessível possível de determinada estante.

Já na biblioteca virtual isso não acontece. Basta acessar o índice dos livros disponíveis, dar um clique no mouse sobre o seu título e imediatamente o texto está sob os meus olhos. Outro livro que li, e com o qual me deliciei, em uma das férias foi “Brasil, país do futuro”, de Stefan Zweig. Abrindo um parêntese, garanto que não conheço abordagem mais lúcida, de nenhum escritor brasileiro, sobre o nosso povo, a nossa história e nossas potencialidades, do que as desse austríaco que se apaixonou perdidamente por nosso país. Pena que na atual geração poucas pessoas tenham lido essa obra, que recomendo, com entusiasmo, aos meus pacientes leitores.

Uma das maiores invenções de todos os tempos, que nós, pessoas modernas, não valorizamos devidamente, dada a facilidade de obtê-la (nem sempre foi assim, pelo contrário) é o livro. Ele permite o acúmulo de sabedoria, de experiências e de emoções de indivíduos especiais e possibilita o acesso a elas de gerações e mais gerações, por séculos e mais séculos (às vezes milênios) afora, após a morte destes. Agora, nesta incrível era da informática e, sobretudo, da internet, seu acesso tornou-se mais fácil ainda.

É verdade que o número de livros disponíveis nas várias bibliotecas virtuais que se multiplicam, internet afora, ainda é relativamente pequeno (creio que menos de 1%) em relação à quantidade de títulos lançados anualmente pelas editoras, em todo o Planeta, orçada, de forma bastante conservadora, em torno de 60 milhões. Ainda assim, quem ler “apenas” essas obras, e com a devida atenção e capacidade de apreensão, terá, certamente, cultura acima, muitíssimo acima da média. Que mundo fascinante a informática nos descortina!


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